Salto alto e memória curta
Em maio de 2005, grande parte da mídia tratava Lula como virtual ex-presidente. Agora, em maio de 2006, grande parte da mídia trata Lula como virtual presidente reeleito.
Há um ano, não acreditamos na profecia da mídia e fomos à luta, para dar a volta por cima. Hoje, tampouco devemos acreditar na mídia. A eleição presidencial não está ganha; ademais, para que nosso segundo mandato seja substancialmente melhor do que o atual será preciso, entre outras coisas, eleger mais parlamentares e governadores ligados ao campo democrático-popular e ao PT.
Nada pior, para estes objetivos, do que usar salto alto e ter memória curta.
Exemplo de salto alto e memória curta são as especulações, divulgadas pelo jornalista Kennedy Alencar (Folha de S. Paulo, 28 de maio), segundo as quais nossos planos para um segundo mandato incluiriam um acordo político com setores do PSDB. Estas especulações são baseadas em fontes reservadas e, também, repercutem declarações atribuídas ao ministro Tarso Genro.
Os “planos” do PT para o segundo mandato estão, em suas linhas gerais, nas resoluções aprovadas pelo XIII Encontro: fazer um governo superior ao atual. Isso passa por "vencer a eleição presidencial e criar as condições para que realizemos um segundo mandato superior ao primeiro".
Isso exige derrotar o PSDB e o PFL, entre outros inimigos que não pediram uma trégua, não baixaram sua guarda, não mudaram o tom com que nos atacam. Sinalizar para um "acordo" com estes inimigos, após a desejada, mas ainda não realizada vitória, seria uma benevolência sem cabimento ou uma daquelas aparentes espertezas que, ao fim e ao cabo, voltam contra seus autores.
Ademais, as chances de nossos “planos” para o segundo mandato dependem, em parte, do resultado que consigamos nas eleições para o Congresso Nacional, para os governos estaduais e para as assembléias legislativas. Deste ponto de vista, especular sobre um acordo político com os futuros líderes do PSDB equivale a “jogar a toalha” em campanhas parlamentares e estaduais que serão decisivas para a governabilidade de nosso segundo mandato. Ou, noutros termos, estabelecer um padrão de governabilidade muito baixo, com conseqüências programáticas danosas.
José Serra e Aécio Neves, entre outros, devem ser combatidos e derrotados, não tratados como líderes pós-FHC de um PSDB com o qual devamos buscar uma “aliança de governabilidade”. A postura de tratar o PSDB como “primo”, hegemônica durante muitos anos no PT de São Paulo, enfraqueceu a oposição petista ao PSDB no maior estado do país. Postura semelhante está na raiz das dificuldades enfrentadas pela campanha do PT em Minas Gerais. Nossa atitude deve ser a de fortalecer as candidaturas de Aloizio Mercadante e de Nilmário Miranda, nunca a de emitir sinais confusos a esse respeito.
Especulações sobre um “acordo de governabilidade” com o PSDB, num segundo mandato, não constituem apenas um erro tático, afobamento, um gesto prematuro. Falar de um acordo de governabilidade com o PSDB é um erro estratégico, que demonstraria que aprendemos muito pouco ou quase nada com a crise de 2005.
Em primeiro lugar, porque (como dizem as resoluções do XIII Encontro), "em nosso segundo mandato presidencial, precisaremos de uma governabilidade de novo tipo, baseada numa combinação adequada entre força parlamentar, presença em governos estaduais e municipais, apoio e mobilização organizada da sociedade, maior incidência do PT e demais partidos de esquerda, engajamento da intelectualidade democrática, maior iniciativa política de nossa administração e aprofundamento de nossas alianças internacionais".
Se é verdade que "esta governabilidade de novo tipo começa a ser construída desde já, inclusive no processo eleitoral, tanto no âmbito nacional quanto nos estados", ela não passa pelos tucano-pefelistas, mas sim por estabelecer "uma cooperação política permanente entre os partidos de esquerda e os movimentos sociais de âmbito nacional". Sendo "importante, também, a vitória de candidaturas petistas e de nossos aliados de esquerda, nas eleições para governos estaduais, Senado, Câmara dos Deputados e assembléias legislativas". E alianças com outros partidos, menos com o PSDB e com o PFL, que constituem o "núcleo da oposição conservadora que devemos derrotar".
A polêmica sobre o PSDB (bem como sobre o papel do PMDB) não constitui, é bom dizer, novidade. Volta e meia, alguns setores da intelectualidade e da imprensa insistem nesta idéia. O curioso é que fazem isto quando estamos “na alta”; quando estamos “na baixa”, a pauta é outra: como destruir nossa “raça”.
Precisamos construir, no Brasil, uma hegemonia de caráter popular, na qual o pensamento conservador, os paradigmas neoliberais, as forças políticas e as classes sociais cujos interesses são encarnados pelo PSDB e o PFL não podem ter lugar, pois estão em permanente oposição aos interesses da maioria do povo brasileiro.
O PSDB e o PFL precisam ser derrotados. Estes dois partidos atuaram, durante todo o governo Lula, não como meros adversários, mas como inimigos viscerais do PT e do presidente Lula.
Demonstraram, à exaustão, que o seu propósito não é apenas nos derrotar, é nos destruir. O único acordo de governabilidade que podemos ter com eles é: que atuem nos marcos da lei. Fora disto, só o masoquismo explica.
Valter Pomar é secretário de relações internacionais do PT
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