segunda-feira, junho 05, 2006

Aprender com a crise

José Dirceu,
ex -ministro-chefe da Casa Civil
[01/JUN/2006]


Nada como uma crise para revelar a natureza não apenas das coisas, mas, principalmente, dos homens. Como reagiram as diferentes forças políticas e sociais às turbulências esperadas – e inevitáveis – da economia mundial? E as nossas lideranças políticas e empresariais?
A oposição fingiu que nada aconteceu, envolvida que estava com a crise entre tucanos e pefelistas , em torno da candidatura Alckmin. E alienada na sua pretensa cruzada ética – que, evidentemente, passa ao largo do caso dos "sanguessugas" e da "quadrilha de Itaipu", onde há parlamentares seus envolvidos.
Do lado do governo, nada de novo, além das inevitáveis garantias de que a economia não sairá dos trilhos, mais uma vez repetidas com ênfase pelo presidente da República e por seus ministros. Como sempre, o Tesouro e o BC tomaram as medidas necessárias para dar todas – todas mesmo – garantias aos investidores. Nenhuma discussão ou proposta de como enfrentar essa inevitável nova fase da economia mundial. Só ruídos do passado e a volta ao discurso neoliberal, de mais ajuste fiscal e mais cortes nas despesas de pessoal e nos chamados "privilégios trabalhistas".
Felizmente, vozes autorizadas e experientes – como as de Rubens Ricúpero, Delfim Neto e Jorge Gerdau – manifestaram-se, sinalizando, ao país, que já é hora de mudar, que nada continuará como antes no mundo; que os Estados Unidos não têm condições de manter tamanho déficit fiscal e comercial; e que não há como a China e outros países continuarem com suas moedas artificialmente desvalorizadas.
Ficou evidente o tamanho do risco que nosso Brasil corre ao manter sua principal commodity, o Real, tão valorizada com juros tão altos. Ou seja, os dois preços mais importantes da economia contribuem para aumentar o risco Brasil e a vulnerabilidade de nossa economia. Não apenas porque nos tiram a competitividade onde temos vantagens comparativas extraordinárias – no agro negócio e na indústria exportadora – como podem desestruturar vários setores industriais exportadores, a exemplo de calçados, têxtil e confecções, entre outros.
Todos sabem que nosso superávit comercial e nas contas correntes é, em grande parte, conseqüência do baixo crescimento econômico dos últimos anos, que resulta em fraca expansão das importações e, portanto, em superávit artificial a longo prazo. A chave da questão está em superar, a curto prazo, essa armadilha – juros altos e câmbio valorizado – que inviabiliza um crescimento equilibrado de nossas exportações e do nosso mercado interno. Caso contrário, ela terminará por arruinar, de novo, nossa economia.
A redução dos juros não resolveria apenas a valorização cambial, mas permitiria que o Brasil iniciasse um aumento substancial da poupança nacional, hoje na casa dos 20% do PIB, com um crescimento, em média, de 2,5% ao ano. E com uma política clara voltada ao aumento da poupança pública, o país terá condições de crescer a taxas de 5% ao ano.
Reorientar nossa economia, com a redução dos juros e da meta de superávit fiscal, não significa deixar de lado o rigor fiscal ou a luta contra a inflação, mas fazê-los dentro de uma política nacional de desenvolvimento, a partir das bases criadas no primeiro governo do presidente Lula.
O país precisa de uma meta de crescimento e de poupança nacional. Para alcançá-la, são necessários investimentos na infra-estrutura e um vasto programa social nas doze regiões metropolitanas do Brasil, consolidando a nova política de habitação, saneamento, transporte de massa, educação e a luta contra a pobreza iniciada por Lula.
Não dá mais para perder tempo com um modelo econômico neoliberal que não responde às necessidades do país e de seus cidadãos. A trinca social que ameaça o Estado brasileiro, que divide nossa sociedade em dois mundos – o dos que têm acesso a bens e serviços sociais e o dos que não têm acesso aos direitos básicos da cidadania – e que está jogando nossos jovens das periferias das grandes cidades nos braços do crime organizado, não permite mais vacilações nem conciliações.
É hora de ter coragem para tomar as medidas necessárias para promover o desenvolvimento nacional com distribuição de renda e combate à pobreza. O que só é possível com a ação do Estado, renovado e reformado, a serviço do povo brasileiro.