sexta-feira, junho 16, 2006

O Brasil e a energia no século XXI

José Dirceu,
ex -ministro-chefe da Casa Civil
[15/JUN/2006]


Chegou a hora do Brasil. Temos tudo para enfrentar e superar a atual crise energética que vive o mundo. Uma crise não apenas do preço e do custo do petróleo e derivados, mas da segurança de sua produção e de seu abastecimento.
O aumento dos preços é histórico. Às razões de interesse nacional e do fim da superexploração dos países produtores, pelas grandes potências, somam-se razões econômicas: o aumento da demanda nas economias desenvolvidas e a entrada de dois novos gigantes – China e Índia – grandes consumidores, mas pobres em fontes de energia. Além disso, a guerra e a intervenção norte-americana reduziram a produção do Iraque a menos de 20% do que produzia no início da década de 80.
Na verdade, vivemos uma estagnação da produção mundial de petróleo na casa dos oitenta milhões de barris. As maiores reservas estão em zonas em guerra, como o Iraque, ou com conflitos políticos latentes, como Venezuela, Nigéria e Irã, ou em regiões com grande potencial de crises, como Arábia Saudita e Rússia e suas ex-repúblicas petroleiras. A Europa, a Argentina, o Chile, o Japão são, todos, dependentes do abastecimento externo e, portanto, de decisões políticas dos governos detentores da produção de petróleo.
A busca de opções ao petróleo também é pressionada pela crescente consciência ecológica dos riscos que corre a Terra, com a incontrolável emissão de poluentes. A não-assinatura do Tratado de Kioto, pelos Estados Unidos, expressa a gravidade da situação ambiental no mundo e coloca, na ordem do dia, a urgência das fontes alternativas de energia.
Surge, portanto, uma oportunidade histórica para o Brasil, maior produtor mundial de etanol com 17,8 bilhões de litros em 2006, e a caminho de ser, também, o maior produtor mundial de biodiesel, a partir de óleos vegetais. Se ampliarmos a área plantada de cana-de-açúcar, dos atuais 6,2 milhões de hectares para nove milhões, a produção de etanol poderá ser acrescida de mais 21,3 bilhões de litros, o que significa o Brasil exportar nove vezes mais do que os 2,4 bilhões de litros de hoje. Poderá, ainda, vender tecnologia e equipamentos para outros países produtores de açúcar e álcool, garantindo uma fonte segura e barata de energia para o mundo.
Para se ter uma idéia da importância do etanol, o governo norte-americano acaba de tomar a decisão de reduzir a tarifa protecionista sobre nossas exportações e estuda a possibilidade de misturar, na gasolina, 25% daquele biocombustível.
Esse cenário mostra que o governo Lula acertou ao transformar o biodiesel, junto com o etanol, em uma questão estratégica para o país, definindo uma política de Estado, sob a direção pessoal do presidente da República.
Se o Brasil quiser abastecer, também, o mercado internacional, precisa cuidar não apenas da produção e do refino dos biocombustíveis, mas de sua comercialização, evitando que monopólios internacionais controlem essa fonte energética do futuro. Trata-se do interesse nacional e de nossa segurança energética.
Mas o biocombustível tem, ou poderá ter, uma outra face – seu papel social – se não cometermos os mesmos erros do Pró-Álcool. Podemos e devemos apoiar parte da produção – e mesmo do esmagamento e do refino – na agricultura familiar e no cooperativismo e, assim, unir o papel econômico do biodiesel ao seu papel social, realizando uma grande e profunda mudança no campo brasileiro, principalmente no Nordeste.