sexta-feira, junho 09, 2006

TV digital: o que precisa entrar na pauta

José Dirceu,
ex -ministro-chefe da Casa Civil
[08/JUN/2006]


É, no mínimo, estranho que ainda não tenha sido incluída, na pauta oficial da TV digital, a discussão de como aproveitar a mudança de tecnologia para fortalecer um sistema público de TV, para ampliar os canais de distribuição de conteúdos de produção alternativa, comunitária e universitária; para permitir a entrada de novos agentes, até mesmo comerciais. Ou seja, a discussão de como aproveitar a mudança para democratizar o sistema brasileiro de televisão, dando a oportunidade de acesso, aos canais digitais de TV, à diversidade de produção cultural e informativa que existe no país.
Até agora, a discussão da TV digital tem-se concentrado nos aspectos tecnológicos, industriais e comerciais, questões extremamente importantes, porque não há desenvolvimento sem inovação tecnológica. Nesse ponto, o governo Lula inovou ao abandonar o eixo de condução adotado no governo FHC – concentrado na escolha do padrão tecnológico entre os três estrangeiros existentes – e criar o Sistema Brasileiro de TV Digital, que produziu um importante resultado: financiou desenvolvimentos de 22 consórcios de pesquisa, que já resultaram em produtos prontos para serem incorporados ao padrão tecnológico a ser escolhido. A escolha do padrão pôde, por isso, ser conduzida em outro patamar: com os desenvolvimentos nacionais de módulos do sistema de TV digital, o governo ganhou musculatura para exigir participação brasileira no comitê de definição das evoluções do padrão estrangeiro a ser adotado e, também, para assegurar a incorporação, a ele, de tecnologias nacionais.
A criação de um ambiente industrial para os diversos componentes da TV digital também é fundamental para o Brasil, que não pode ficar na condição de mero consumidor, nem de mero produtor para o mercado interno. Mas, para não ser só uma plataforma de exportação de equipamentos montados, precisa desenvolver uma indústria de microeletrônica ou, pelo menos, parte de sua cadeia, passando necessariamente pelo desenho de projetos de chips, onde está a concepção dos produtos. Os contornos dessa política industrial da TV digital ainda não estão completos, fato que indica que acelerar decisões não é o melhor caminho, no momento atual.
Mas, na pauta da TV digital, faltam outras questões tão relevantes quanto essas: o governo Lula precisa retomar a discussão de princípios e objetivos contidos no decreto que criou o SBDTV, como o marco regulatório que vai amparar o modelo de TV digital no país e dar a ele viabilidade, e o modelo de negócios, que vai definir o papel dos diferentes agentes – como integrar as diferentes redes; como permitir o acesso, aos diferentes produtores de conteúdo, à transmissão digital; como criar condições de se usar a interatividade da TV digital para inclusão social, em especial na oferta de serviços públicos para a população.
Essas discussões têm que envolver, de forma concreta e abrangente, a sociedade civil. Também não basta o governo editar o decreto definindo as características do padrão de TV digital e delegar, ao Congresso Nacional, a elaboração do marco regulatório e do modelo de negócios.
É inegável a importância da participação do Congresso Nacional no debate, uma vez que àquela instância caberá discutir e aprovar uma nova Lei Eletrônica de Comunicação de Massa, mais do que nunca necessária ante a convergência das tecnologias que, como um arrastão, vêm derrubando as concepções tradicionais de serviços de telecomunicações e comunicações.
Mas, se o governo tem autoridade para definir o padrão tecnológico, tem, também, autoridade – e o dever – de definir a contrapartida que os radiodifusores comerciais darão à sociedade brasileira ao receberem, sem ônus, mais 6 MHz de espectro, que é um bem público e finito.
Durante a transição da TV analógica para a digital, que consumirá entre dez e 15 anos, cada uma das emissoras comerciais ocupará 12 MHz de faixas de freqüência. Elas receberão isso de graça? Ou o governo, ao lhes conceder um bem, que é público, lhes exigirá contrapartidas para a sociedade como, por exemplo, a abertura, na fase de transição, de um canal na transmissão standard (sem alta definição) à programação de terceiros e a contribuição obrigatória para um fundo de financiamento do sistema público de TV?
O governo não pode mais adiar esse debate.