quarta-feira, agosto 31, 2016

LEIA AGORA >> Durante algum tempo será possível impor uma narrativa salvacionista para o golpe, ainda mais contando com a aliança fechada com a Globo. Em que pese a predominância do oportunismo no curto prazo, a moral ainda é o grande fator unificador das sociedades civilizadas. Não é possível conviver eternamente com a mentira, a hipocrisia. A não ser que se desacredite totalmente do Brasil, como nação civilizada, que se ignore o que foi plantado nesses séculos, Machado de Assis, Villa-Lobos, Sérgio Buarque, Gilberto Freyre, Antônio Cândido, que se ignore os compositores populares, os homens que cantaram a alma do país, Ary, Tom, Cartola, Chico, Caetano, Paulinho, a não ser que se esqueça Campos e Furtado, Merchior e Wanderley, os homens que à esquerda e à direita ajudaram na construção da Nação, será impossível acreditar na perenização desse golpe. Um país que deu Paulo Brossard não pode terminar em Magno Malta, que deu João Mangabeira não pode resultar em Janaina Paschoal, que deu Miguel Reali, pai, não pode se contentar com Reali filho, que deu Faoro, Pertence, Fonteles, não pode incensar Janot, que deu Juscelino, não pode aceitar Temer.

Xadrez da grande noite da humilhação nacional

O desafio é explicar um golpe que tem, na ponta da fiscalização do TCU (Tribunal de Contas da União) personagens como Aroldo Cedraz e Augusto Nardes, na ponta política, Michel Temer, Romero Jucá, Eduardo Cunha, Aécio Neves e José Serra todos envolvidos em inúmeras denúncias de irregularidades e de uso político indevido do cargo. E, na ponta processual o Procurador Geral da República Rodrigo Janot e o Ministério Público Federal, na ponta jurídica Gilmar Mendes e Dias Toffoli falando em nome da moral e dos bons costumes.
Como se explica que a moral e os bons costumes tenham se aliado ao vício para implantar o reino dos negócios escusos?
Hoje em dia, está claro que a disputa não é entre Dilma e Aécio, PT e PSDB, mas entre modelos de país e pelo assalto ao orçamento e ao patrimônio público. A aliança Temer-Janot permitirá ao novo grupo de poder destruir políticas sociais, desmontar o modelo de exploração do pré-sal, vender ativos públicos, ampliar os gastos públicos através das emendas parlamentares. É um pacto de negócios.
A grande questão é como um país, entre as dez maiores democracias do globo, com uma tradição cultural, histórica, permite que se destrua o ponto central da democracia – o voto popular – por uma frente desse nível. Mais do que uma tragédia, é uma humilhação!

http://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-da-grande-noite-da-humilhacao-nacional#.V8a5k26potE.facebook

Honrada Dilma Rousseff do Brasil enfrenta República dos Escroques

30/8/2016, Pepe Escobar, RT

Ver também

24/5/2016, "Brasil-2016: República das Bananas dos Escroques Provisórios", Pepe Escobar, SputnikNews (trad.
Blog do Alok)

28/8/2016, "Escroques do Brasil de banana à caça da Medalha de Ouro...", Pepe Escobar,
Strategic Culture Foundation (trad. Patria Latina)
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Imagem: Dilma Rousseff em parte final do debate e votação em que se julga seu impeachment. Brasília, Brasil, 29/8/2016, © Ueslei Marcelino / Reuters

Dilma Rousseff chegou à tribuna e olhou calmamente para a plateia lotada de seus acusadores. Saiu de cabeça erguida, depois de exortar aqueles senadores a votar pela própria consciência.

A maioria dos políticos ali presentes provavelmente nem tem ideia do que seja "consciência"; não passam de meninos de recados, corruptos. Mas o inconsciente coletivo brasileiro – Jung que nos ajude – será marcado para sempre.

A presidenta Dilma Rousseff, em discurso detalhado, ocasionalmente emocionado, defendeu-se com honra e dignidade de acusações de que teria cometido um "crime de responsabilidade". Na verdade, nem falava diretamente àquela fossa cheia de políticos; falava, sim, ao "Anjo da História" bem-amado de Walter Benjamin. A história a julgará com respeito e gentileza.

Mas nada está acabado até que um político suspeito cante. No momento em que escrevo, Rousseff está a caminho de ser derrubada da presidência da 8ª maior economia do mundo, por um bando de políticos, mistura de escroques e covardes. Dilma disse que só teme "a morte da democracia". O impeachment de Rousseff significa, na prática, que uma eleição democrática numa das maiores democracias do mundo será cancelada por um golpe parlamentar comandado por controle remoto por interesses oligárquicos. Não se trata, como jamais se tratou, de justiça; trata-se da política mais suja.

Não há argumento tecnoburocrático que prove que a presidenta deva ser derrubada por impeachment, porque manobras no orçamento não fizeram correr um centavo, que fosse, para os bolsos dela, ou em detrimento do Tesouro – e, isso, em nação inacreditavelmente, espantosamente, infestada por corruptos e corrupção.

Se tivéssemos de eleger uma única sentença para explicar o golpe de 2016 no Brasil para público global, seria: O golpe parlamentar/institucional/do big business/big banking/mídia-empresa em curso no Brasil é a ferramenta usada pelos oligarcas brasileiros para esmagar o movimento rumo a distribuição mais justa de riqueza que se viu no Brasil desde o governo do presidente Lula, até a crise global do capitalismo que os EUA provocaram em 2008.

Vídeo, RT

Os governos Lula e depois Dilma adotaram modelo muito chinês, de "ganha-ganha". Houve uma espécie de pacto não escrito entre as classes no Brasil: os ricos ficarão ainda mais ricos, mas os pobres ficarão menos pobres.

Então, a crise atingiu furiosamente o Brasil, país dos BRICS. Não havia Plano B – além de exportar commodities. O boom terminou, e traidores/conspiradores na oposição viram ali uma abertura para assaltar o poder (para obter mais poder), nas pegadas de uma investigação da corrupção chamada "Car Wash" e altamente 'seletiva'. E, sim, sendo o Brasil uma KafkaLândia, a encenação de impeachment contra Dilma é, de fato, tática diversionista para "controlar" a Operação Car Wash, de modo a garantir que nenhuma investigação chegue a políticos da direita controlada pelos oligarcas.

Os abutres e seu plano máster

Emir Sader, um dos mais respeitados sociólogos brasileiros, resumiu o que há pela frente: conflito social e político grave; repressão militar/policial; rompimento do contrato social; país reduzido a mero vassalo dos EUA; e governo não eleito, ilegítimo, sem autonomia e soberania e geopoliticamente marginalizado. "Governado" sempre pelo atual interino, mas presidente já coroado Michel Temer, tipo corrupto, medíocre, covarde que sequer teve coragem para aparecer na cerimônia de encerramento das Olimpíadas, porque sabia que seria vaiado por um Maracanã lotado.

Bem-vindos ao pós-golpe no Brasil: terra de crise permanente, com governo impotente, ilegítimo e corrupto, recessão econômica e desemprego. Nas palavras de Sader, "o golpe descartará tudo que o Brasil construiu de positivo nesse século".

Temer O Usurpador não pode aspirar nem a alguma grandeza Shakespeareana de personagem trágico… Já foi associado a quase $3 milhões em propinas. O atual ministro de Relações Exteriores, José Serra, quadro da Chevron, já foi acusado de ter recebido mais de $6 milhões, também em contas no exterior.

E acusações ainda mais sérias chegaram bem perto de acontecer contra políticos dos partidos de direita – devastação impressionante, que ceifaria no mínimo metade dos congressistas. Até que foram magicamente "desqualificadas", porque foram (planejada e deliberadamente) vazadas. Aí está o âmago da coisa: no atual cenário de Kafka, só os "vermelhos" – o Partido dos Trabalhadores" – podem ser criminalizado. Muito disso tudo será mostrado em, pelo menos, quatro documentários que estão sendo feitos hoje, no calor da hora, sobre essa saga lamentável.

Imediatamente depois de Dilma ser derrubada, o Senado planeja lançar o que bem se pode descrever como orgia fiscal – baseada em aumento de salário dos ministros da Suprema Corte; esses salários por lei regulam o teto das remunerações de todos os servidores públicos no Brasil. Lembrem-se que Dilma está sendo derrubada 'porque' teria cometido crime de "irresponsabilidade fiscal".

Imagem: Tuíto

Muitos escroques e urubus disputarão o espólio da democracia morta. O que interessa é que quem mais lucrará com o impeachment será o Deus Mercado. Incluem-se aí o Big Business, a mídia-empresa (no Brasil, um monopólio de cinco famílias) e, claro, o Excepcionalistão. O mandato desses todos é bem evidente. A presidência é detalhe. Precisam controlar, isso sim, o Ministério das Finanças e o Banco Central.

As políticas deles estão prontas para serem implementadas: esmagar o incipiente estado brasileiro de bem-estar; manter os juros na estratosfera (para 'remunerar' bancos emprestadores); impor "ajuste fiscal" e permitir livre fluxo de capitais. São 'políticas' que só existem na vida real, em ditaduras.

Agora, reuniram o poder executivo, a ideologia neoliberal e todas as necessárias alianças políticas para fazer-acontecer. Acrescentem a isso ofensiva de vida ou morte contra o Partido dos Trabalhadores, como meio para 'responder' às acusações contra Temer O Usurpador e seu medíocre chanceler Serra.

Vídeo

O que mais acontecerá? O Congresso muito dividido, hiperconservador, se organizará como trincheira para defender os próprios privilégios e destruir qualquer ameaça que apareça contra eles. O advogado geral não cometerá a temeridade de investigar Temer O Usurpador e outros políticos. Por mais que haja séria evidência de corrupção contra eles todos, é impressionante o escudo jurídico/político/jornalístico impenetrável que blinda a galáxia dos escroques no Brasil. Pode-se falar de autoproteção em território de gangue de crime organizado.

No momento em que escrevo estão em andamento todos os tipos imagináveis de negócios por baixo dos panos. A única certeza inescapável é o assassinato de direitos democráticos e constitucionais e o desmonte dos programas sociais.

Como já detalhei [vide acima, "Veja também"], o plano máster do que virá é diretamente saído do manual de capitalismo de desastre; vender a preço vil as reservas de petróleo do pré-sal; vender todos os meios e ferramentas para desenvolvimento industrial do Brasil mediante a privatização mais hardcore; pôr fim a todas as proteções e defesas que zelam pela propriedade do know-how brasileiro em várias áreas; cortar fundo na educação, saúde, ciência e tecnologia. Ao mesmo tempo, a mais ensandecida "flexibilização" de direitos trabalhistas, que serão atacados por todos os lados; ataque regressivo contra as aposentadorias; sabotar o Mercosul – o mercado comum sul-americano – para ampliar a vassalagem e a subordinação a interesses nacionais norte-americanos.

No fim, Rouseff sairá de cabeça erguida. Quanto ao Anjo da História, não haverá piedade para os escroques.*****

segunda-feira, agosto 29, 2016

Todos juntos com Dilma no Senado!

Guilherme Boulos, do MTST, Chico Buarque, Lula e João Paulo, do MST.
Fotos: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

domingo, agosto 21, 2016

Cegueira e linchamento




O inglês Robert Fisk, em artigo no jornal londrino "The Independent", afirma que, segundo as duras conclusões do relatório Chilcot sobre a invasão do Iraque, o ex-primeiro ministro Tony Blair e seu comparsa George W. Bush deveriam ser julgados por crimes de guerra, a exemplo de Nuremberg, que se ocupou dos remanescentes nazistas.

O poodle Blair se deslocava a Washington para conspirar com seu colega norte-americano a tomada do Iraque, a pretexto de este país ser detentor de armas de destruição em massa, comprovado depois como mentira, mas invasão levada a cabo com a morte de meio milhão de iraquianos.

Antes, durante o mesmo governo Bush, o brutal regime de sanções causou a morte de 1,7 milhão de civis iraquianos, metade crianças, segundo dados da ONU.

Ao consulado que representava um criminoso de guerra, Bush, o então deputado federal Michel Temer (como de resto nomes expressivos do tucanato) fornecia informações sobre o cenário político brasileiro. "Premonitório", Temer acenava com um candidato de seu partido à Presidência, segundo o site Wikileaks, de Julian Assange.

Não estranhar que o interino Temer, seu cortejo de rabo preso e sabujos afins andem de braços dados com os tucanos, que estariam governando de fato o Brasil ou, uns e outros, fundindo-se em um só corpo, até que o tucanato desfeche contra Temer um novo golpe e nade de braçada com seu projeto de poder -atrelar-se ao neoliberalismo, apesar do atual diagnóstico: segundo publicação da BBC, levantamento da ONG britânica Oxfam, levado ao Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro, a riqueza acumulada pelo 1% dos mais ricos do mundo equivale aos recursos dos 99% restantes. Segundo o estudo, a tendência de concentração da riqueza vem aumentando desde 2009.

O senador Aloysio Nunes foi às pressas a Washington no dia seguinte à votação do impeachment de Dilma Rousseff na exótica Câmara dos Deputados, como primeiro arranque para entregar o país ao neoliberalismo norte-americano.

Foi secundado por seu comparsa tucano, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, também interino-itinerante que, num giro mais amplo, articula "flexibilizar" Mercosul, Brics, Unasul e sabe-se lá mais o quê.

Além de comprometer a soberania brasileira, Serra atira ao lixo o protagonismo que o país tinha conseguido no plano internacional com a diplomacia ativa e altiva do chanceler Celso Amorim, retomando uma política exterior de vira-lata (que me perdoem os cães dessa espécie; reconheço que, na escala animal, estão acima de certos similares humanos).

A propósito, o tucano, com imenso bico devorador, é ave predadora, atacando filhotes indefesos em seus ninhos. Estamos bem providos em nossa fauna: tucano, vira-lata, gato angorá e ratazanas a dar com pau...

Episódio exemplar do mencionado protagonismo alcançado pelo Brasil aconteceu em Berlim (2009), quando, em tribunas lado a lado, a então poderosa Angela Merkel, depois de criticar duramente o programa nuclear do Irã, recebeu a resposta de Lula: os detentores de armas nucleares, ao não desativá-las, não têm autoridade moral para impor condições àquele país. Lula silenciou literalmente a chanceler alemã.

Vale também lembrar o pronunciamento de Lula de quase uma hora em Hamburgo (2009), em linguagem precisa, quando, interrompido várias vezes por aplausos de empresários alemães e brasileiros, foi ovacionado no final.

Que se passe à Lava Jato e a seus méritos, embora supostos, por se conduzirem em mão única, quando não na contramão, o que beira a obsessão. Espera-se que o juiz Serio Moro venha a se ocupar também de certos políticos "limpinhos e cheirosos", apesar da mão grande do inefável ministro do STF Gilmar Mendes.

Por sinal, seu discípulo, o senador Antonio Anastasia, reproduz a mão prestidigitadora do mestre: culpa Dilma e esconde suas exorbitantes pedaladas, quando governador de Minas Gerais.

Traços do perfil de Moro foram esboçados por Luiz Moniz Bandeira, professor universitário, cientista político e historiador, vivendo há anos na Alemanha. Em entrevista ao jornal argentino "Página/12", revela: Moro esteve em duas ocasiões nos EUA, recebendo treinamento. Em uma delas, participou de cursos no Departamento de Estado; em outra, na Universidade Harvard.

Segundo o Wikileaks, juízes (incluindo Moro), promotores e policiais federais receberam formação em 2009, promovida pela embaixada norte-americana no Rio.

Em 8 de maio, Janio de Freitas, com seu habitual rigor crítico, afirmou nesta Folha que "Lula virou denunciado nas vésperas de uma votação decisiva para o impeachment. Assim como os grampos telefônicos, ilegais, foram divulgados por Moro quando Lula, se ministro, com sua experiência e talento incomum de negociador, talvez destorcesse a crise política e desse um arranjo administrativo".

Lula não assumiu a Casa Civil, foi rechaçado no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Gilmar Mendes, um goleirão sem rival na seleção e, no álbum, figurinha assim carimabda por um de seus pares, Joaquim Barbosa, popstar da época e hoje estrela cadente: "Vossa Excelência não está na rua, está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro... Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar".

Sugiro a eventuais leitores, mas não aos facciosos que, nos aeroportos, torciam o nariz ao ver gente simples que embarcava calçando sandálias Havaianas, que acessem o site Instituto Lula - o Brasil da Mudança.

Poderão dar conta de espantosas e incontestes realizações. Limito-me a destacar o programa Luz para Todos, que tirou mais de 15 milhões de brasileiros da escuridão, sobretudo nos casebres do sertão nordestino e da região amazônica. E sugiro o amparo do adágio popular: pior cego é aquele que não quer ver.

A não esquecer: Lula abriu as portas do Planalto aos catadores de matérias recicláveis, profissionalizando-os, sancionou a Lei Maria da Penha, fundamental à proteção das mulheres, e o Estatuto da Igualdade Racial, que tem como objetivo políticas públicas que promovam igualdade de oportunidades e combate à discriminação.

Que o PT tenha cometido erros, alguns até graves (quem não os comete?), mas menos que Fernando Henrique Cardoso, que recorria ao "Engavetador Geral da República", à privataria e a muitos outros expedientes, como a aventada compra de votos para sua reeleição.

A corrupção, uma enfermidade mundial, decorre no Brasil do sistema político, atingindo a quase totalidade dos partidos. Contudo, Lula propiciou, como nunca antes, o desempenho livre dos órgãos de investigação, como Ministério Público e Polícia Federal, ao contrário do que faziam governos anteriores que controlavam essas instituições.

A registrar ainda, por importante: as gestões petistas nunca falaram em "flexibilizar" a CLT, a Previdência, a escola pública, o SUS, as estatais, o pré-sal inclusive e sabe-se lá mais o quê, propostas engatilhadas pelos interinos (algumas levianamente já disparadas), a causar prejuízo incalculável ao Brasil e aos trabalhadores.

Sem vínculo com qualquer partido político, assisto com tristeza a todo o artificioso esquema de linchamento a que Lula vem sendo exposto, depois de ter conduzido o mais amplo processo de inclusão social que o Brasil conheceu em toda a sua história.*****

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Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Seminário Empresarial Brasil-Alemanha Hamburgo-Alemanha, 04 de dezembro de 2009 


domingo, agosto 14, 2016

O rabo e o cachorro

Por Mauro Santayana

O fascismo vive, historicamente, de grande absurdos e de um processo crescente, paroxístico, de negação da realidade, que troca a verdade por um determinado paradigma mítico que a substitui na mentalidade dos povos, levando-os a cometer supremas imbecilidades.

O movimento que levou Mussolini ao poder, baseava-se, entre outras coisas,  na ideia de que um dos povos mais misturados do planeta, nos últimos dois mil anos, o italiano, situado no encontro de todas as esquinas do mundo - a África e a Europa, o Oriente e o Ocidente, o Leste e o Oeste - fosse descendente puro dos romanos - já então miscigenados de escravos e bárbaros por gerações - que habitaram a Península Itálica há 2.000 anos.

Isso, na crença da improvável hipótese de que um país récem-unificado há poucas décadas, mergulhado ainda na miséria e no analfabetismo, que exportava pobres para todos os continentes, estivesse predestinado a reeditar o poder da Roma Antiga e conquistar o mundo.

A Alemanha Hitlerista apropriou-se de um símbolo hindu, a suástica - criado por um povo de pele morena, magro, de cabelos escuros - e com ele consolidou uma mitologia nórdica de cabelos loiros e olhos azuis, que já vinha de obras como a Cavalgada das Walquirias ou o Anel dos Nibelungos,  de Wagner, para erguer como insuperáveis monumentos ao ódio, ignorância, preconceito e morte, as chaminés dos fornos crematórios de Maidanek, Treblinka, Birkenau, cujo principal papel era o de transformar vida - amores, esperanças, memórias,  sonhos, homens, mulheres  e crianças - em cinzas e fumaça.
No Brasil de hoje, o oportunismo e um mal disfarçado fascismo desenvolveram uma ideia mestra com a qual pretendem chegar ao poder: a de que a corrupção é  culpada por todos os males brasileiros e que todos os defeitos e problemas   serão definitivamente sanados quando ela for eliminada para sempre da vida nacional.

Desde 2013, pelo menos, uma parcela aparentemente preponderante do Ministério Público e dos juízes federais, aliada aos segmentos dominantes de uma mídia manipuladora e irresponsável - e a um verdadeiro exército de "colunistas", "especialistas"  e "filósofos" conservadores, mendazes, hipócritas   ideologicamente, e anacronicamente anticomunistas,  destituído de qualquer compromisso com o desenvolvimento do país ou a preservação de um mínimo de governablidade, estão defendendo esse mito, movendo uma das maiores campanhas institucionais e midiáticas já vistas no mundo, destinada a fazer o país acreditar que a corrupção é o maior problema nacional e que ela pode ser erradicada por obra e graça de algumas mudanças na lei e o trabalho repressivo conduzido por meia dúzia de salvadores da pátria.

Nada mais errado, equivocado e perigoso.

A corrupção, por mais que queiram nos fazer crer certos segmentos da plutocracia e seus apoiadores, naturalmente interessados em pintar o diabo pior do que parece e exagerar o mal em seu próprio benefício, uns, para se supervalorizarem, outros para chegar ao poder, outros, ainda, para destruir adversários ideológicos que não conseguem derrotar nas urnas, não é, insistimos, nem de longe, o maior problema brasileiro, nem o de outro país.

Dificilmente ela vai ser totalmente eliminada um dia, como mostra a sua ubíqua, universal, presença, comum e inerente à  sociedade humana, de forma amplamente disseminada, em qualquer nação do mundo, independentemente de sistema político ou grau de desenvolvimento, seja na Europa da  Itália da Operação Mãos Limpas ou da Grã Bretanha em que se pagam orgias com prostitutas com verba do Parlamento, ou em potências espaciais e atômicas, como a Rússia, a China e os EUA.

Na maioria dos países do mundo, a corrupção é vista, por quem tem um mínimo de conhecimento histórico,  como um rio que corre continuamente.

Um fenômeno que pode ser desviado,  represado, canalizado, momentaneamente, mas que não tem como ser totalmente eliminado - corruptos surgem permanentemente, por desvio de caráter, pressão, convencimento, oportunidade de meter a mão no alheio - que deve ser visto com a dimensão que realmente tem, e cujo controle tem que ser exercido de forma a não afetar o funcionamento de  um sistema infinitamente maior e mais complexo, e muitíssimo mais importante,  que abarca todo o universo político, econômico e social de cada país e toda uma teia, vasta e interligada, de instituições internacionais.

Imaginem se o combate à corrupção vai se sobrepor aos interesses estrategicos  de países como a Alemanha, a Rússia, a China, a Grã Bretanha, os Estados Unidos, que com ela convivem há centenas de anos.

Por lá, ele é um elemento a mais, no processo continuado, permanente, de fortalecimento e desenvolvimento nacional, que não destrói empresas nem empregos, nem programas ou projetos essenciais.  

Do ponto de vista econômico, também, por maior que seja, a importância da corrupção é relativa.

No caso brasileiro, mesmo que fosse inequivocamente provado tudo que se está falando - com desvios de bilhões na Petrobras, sem nenhum funcionário de comissão de licitação preso ou envolvido; delações premiadas conduzidas por promotores e procuradores que especificam o que querem ouvir, arrancadas a cidadãos detidos há meses, sob custódia do Estado; conduções coercitivas sem prévia comunicação da situação de investigado e vazamentos propositais a torto e a direito; a repentina e retroativa transmutação, também "de boca", de doações legais, absolutamente regulares à época, do ponto de vista  da lei e das instituições, em suposta propina - o dinheiro desviado pela corrupção seria, ainda, uma porcentagem mínima do que se desvia em sonegação de impostos, segundo algumas organizações, da ordem de mais de 700 bilhões de reais por ano.

Ou das centenas de bilhões de reais transferidos a cada 12 meses dos bolsos dos contribuintes para os cofres dos bancos privados, em juros pagos por títulos públicos, ou em meros cartões de crédito, por exemplo, com taxas de mais de 400% ao ano.

A diferença entre o dinheiro desviado do público por um corrupto e por um banco particular é que a comissão do corrupto, segundo se alega nas investigações, é de um a três por cento, e a do banco pode chegar a 300%, 400% do valor da operação.

Sobre o desvio do corrupto, o sujeito que eventualmente estaciona em vaga de portador de necessidades especiais de vez em quando, pode alegar, enraivecido, que não sabia do que estava acontecendo.

O assalto dos bancos ao erário, com a conivência dos governos é público, todo mundo sabe que está ocorrendo, mas muitos preferem fingir que não estão sabendo, nem a ele dedicar a mesma indignação.

É claro que, para o "sistema" - e para quem vive de gigolar, permanente e malandramente o discurso anti-corrupção - é muito mais fácil e conveniente fazer os trouxas acreditarem que estão faltando escolas e hospitais mais devido à desonestidade dos políticos do que por causa das centenas e centenas de bilhões de reais pagos em juros ou perdidos com a sonegação de impostos.

Esse é o caso - embora a massa ignara e conservadora não perceba que está sendo miseravelmente passada para trás - de redes de televisão que sonegam centenas de milhões de reais e que ganharam no último ano cerca de 3 bilhões em rendimentos financeiros, boa parte deles atrelados à SELIC, que defendem a independência do Banco Central em seus editoriais, e "convidam" todos os dias "especialistas" para  "explicar" em seus programas de entrevistas  porque os juros devem subir, com justificativas como a atração de investidores  externos ou o combate à inflação.  

Mas esse discurso venal, pseudo-moralista não serve apenas para distrair uma pseudo maioria de idiotas dos problemas realmente importantes e da verdadeira situação do país.
Ele também é a espinha dorsal de um manual que estamos pensando em escrever,  chamado COMO CHEGAR AO PODER ATACANDO OS POLÍTICOS.

Um livrinho simples, cheio de conselhos  simples de como enganar os trouxas, aproveitando-se de seus preconceitos e  ignorância, que certamente teria sido lido, e servido de programa tático, se já existisse à época, por pilantras  que usaram e abusaram desse estratagema, como Hitller e Mussolini, e outros assassinos  sanguinários e hipócritas que se seguiram, porque nunca aprendemos, nós, os que pensamos defender a liberdade e a democracia, a velha lição de George Santayana, que reza que aqueles que se esquecem da História estão condenados a repetí-la.

De vez em quando, quando derrotado, o sistema fabrica uma bandeira e em cima dela produz um salvador da pátria, como ocorreu com um certo "Caçador de Marajás". Ele entrou e saiu do governo e, décadas depois, o Brasil continua, paradoxalmente, cada vez mais cheio de marajás que recebem acima do teto constitucional, muitos deles envolvidos com a caça a suspeitos de serem "corruptos".

Como já dissemos aqui, antes, o discurso anti-corrupção e a alegação de que se vai "consertar" o país, castigando os "bandidos", premiando os "mocinhos" - quem sabe até com uma Presidência da República - e dando paz e tranquilidade para os "homens de bem", são características clássicas da estratégia fascista, que joga com o preconceito, o conservadorismo, o ódio irracional e o medo da parte mais ignorante da população para chegar, e instalar-se, confortavelmente,  no poder.

O combate à corrupção deve ser visto como uma tarefa normal, permanente,  de qualquer país ou sociedade, e exercido com equilíbrio e bom senso, e nunca a serviço de interesses de um determinado grupo ou pessoa.

Se o Brasil fosse um cachorro - e está quase se transformando em um, com o avanço célere do "viralatismo" militante  que defende a entrega de nossas riquezas a outras nações, incluídas algumas que estão incensando e vibrando com "líderes" do que está acontecendo por aqui agora - o combate à corrupção seria o rabo - acessório eventualmente útil para combater as moscas - do animal, enquanto a economia, o trabalho, o emprego, a indústria, as grandes empresas praticamente dizimadas pela Lava Jato, os projetos estratégicos de infraestrutura e defesa, a Democracia, o Estado de Direito, a Constituição, as instituições, o Presidencialismo de Coalizão, com todos os seus eventuais defeitos, a República e a governabilidade, seriam o corpo, o esqueleto e os órgãos vitais do animal.

Ao querer, na prática e midiaticamente, limitar os problemas nacionais ao combate à corrupção; com um processo interminável que está afetando, da maneira como vem sendo conduzido, vários setores da economia; desviando o foco de todas as outras questões, transformando-o em prioridade máxima - quando se está cansado de saber que no dia em que a corrupção acabar no Brasil, principalmente por obra e graça de dois ou três "vingadores", o Cristo Redentor  vai  descer do Corcovado, com sua saída de praia, para pegar uma onda em Copacabana e em Katmandu choverão búfalos dourados e sagrados - os responsáveis pela Lava-Jato e quem a está defendendo como a última limonada do deserto estão tratando a cauda como a cabeça do cão e colocando o bicho para correr, em círculos atrás dela.

Ou pior, para usar outra imagem ainda mais clara:  hipotecar o futuro político e econômico da oitava economia e quinto maior país do mundo a uma operação jurídica discutível e polêmica é tão surreal e absurdo quanto querer que o rabo balançe o cachorro, no lugar do animal balançar a própria cauda.