domingo, março 31, 2013

O sequestro da Petrobras


É preciso evitar que a agenda da crise paralise e ensombreça o Brasil. 

Quem adverte são economistas simpáticos ao governo, preocupados com a prostração em que se encontra o debate do desenvolvimento.

Seriam eles os últimos a subestimar o teor sistêmico da desordem internacional, cuja implosão, na verdade, previram e advertiram.

Mais que isso.

Atuam para mitigar seus efeitos no país. São ouvidos e consultados pelo governo na implantação de contrapesos estratégicos.

Baixar as taxa de juros, reduzir o superávit primário e corrigir o câmbio, por exemplo. No limite, se necessário, adequar a meta de inflação.

O fundamental é assegurar a travessia do colapso mundial sem trazer a crise para dentro do Brasil, como anseia o conservadorismo.

A agenda mercadista mal disfarça esse propósito.

Com os meios generosos a sua disposição, difunde a fatalidade cinza em cada esquina.

A ênfase sobressaltada atende a interesses de bolso, ideologia e palanque.

É um bloco respeitável. Exacerbado pelo poder desigual de vocalização que o monopólio midiático lhe confere.

Tome-se o Brasil das manchetes, que não raro agridem o próprio texto. Tome-se a negligência diante das decisões estratégicas anunciadas na reunião dos BRICS, em Durban.(Leia reportagem nesta pág)

As cinco maiores economias emergentes criaram nada menos que um ensaio de FMI keynesiano; e um Banco Mundial de investimento, fora da hegemonia dos EUA. As manchetes preferiram espetar em Dilma a 'negligência com a inflação'.

Tome-se, ainda, o silencioso, mas expressivo processo de reindustrialização dos EUA, que está trazendo de volta a manufatura de alta tecnologia.

Enfim, a crise continua, mas o mundo se move.

A prostração inoculada diuturnamente pelo noticiário econômico recusa ao Brasil a capacidade de dizer: ‘eppur si muove’.

É um objetivo político, não um recorte isento.

A escolha menospreza singularidades locais que podem subverter a dinâmica da crise entre nós, dizem os economistas.

Eles dispensam os exemplos mais notórios desses trunfos -- o mercado de massa expandido nos últimos 11 anos e os níveis recordes de emprego.

Preferem se fixar em uma alavanca quase épica que foge ao estereótipo de um debate vicioso e datado sobre o desequilíbrio entre oferta e demanda, entre inflação e juros.

O passo seguinte do desenvolvimento brasileiro, dizem eles, está no impulso industrializante contido no pré-sal.

A paralisia da industrialização brasileira é real e afeta todo o tecido econômico.

Asfixiada pelo câmbio valorizado e pela concorrência chinesa, a indústria brasileira de transformação perdeu elos importante, em diferentes cadeias de fornecimento de insumos e implementos.

Não é um fenômeno recente, mas é progressivo.

O PIB cresceu em média 2,8% entre 1980 e 2010; a indústria da transformação cresceu apenas 1,6%, em média. Sua fatia nas exportações recuou de 53%, entre 2001-2005, para 47%, entre 2006-2010 .

O mais preocupante é o recheio disso.

Linhas e fábricas inteiras foram fechadas. Clientes passaram a se abastecer no exterior. Fornecedores se transformaram em importadores. Apenas carimbam seu logotipo ao lado do fabricante estrangeiro. Empregos industriais foram eliminados; o padrão salarial do país foi afetado, para pior.

É possível interromper essa sangria, com redução de juros, incentivos, desonerações, protecionismo e ajuste do câmbio, como tem sido feito pelo governo.

Mas é difícil, muito, reverter buracos consolidados.

O dinamismo que se perdeu teria que ser substituído por um gigantesco esforço de inovação e redesenho fabril, a um custo que um país em desenvolvimento dificilmente poderia arcar.

Exceto se tivesse em seu horizonte a exploração soberana, e o refino, das maiores jazidas de petróleo descobertas no século 21.

É esse bilhete premiado que o pré-sal representa para o Brasil.

São cerca de 50 bilhões de barris de petróleo, guardados a 300 km da costa e cerca de seis mil metros abaixo da superfície d’água.

O país tem tecnologia para tirá-lo de lá. Na verdade, a Petrobras detém a ponta dessa tecnologia no mundo.

Esse trunfo avaliza a viabilidade de uma reindustrialização, como resposta brasileira à crise.

A agenda enfatizada pelos economistas é o oposto do que alardeia o conservadorismo.

Seu empenho, neste momento, é sequestrar a Petrobras para o palanque da campanha sombria: o ‘Brasil que não dá certo’.

Os números retrucam.

O pré-sal já produz 300 mil barris/dia. Em quatro anos, a Petrobras estará extraindo 1 milhão de barris/dia da Bacia de Campos.

Até 2017, a estatal vai investir US$ 237 bilhões; 62% em exploração e produção.

Dentro de quatro anos, os poços do pré-sal estarão produzindo um milhão de barris/dia. Em 2020, serão 2,1 milhões de barris/dia.

Praticamente dobrando da produção atual.

O pré-sal mudou o tamanho geopolítico do Brasil.

Não existe automatismo econômico que leve ao desenvolvimento: os efeitos virtuosos desse salto no conjunto da economia brasileira exigiam um lacre de segurança.

Ele foi fixado em lei, no governo Lula.

O marco regulador do pré-sal --aprovado com a oposição de quem agora agita a bandeira da defesa da Petrobras –- institui o regime de partilha e transfere o comando de todo o processo tecnológico, logístico, industrial, comercial e financeiro da exploração à estatal.

Todos os contratados assinados nesse âmbito passam a incluir cláusula obrigatória de conteúdo nacional nas compras –da ordem de 60% , pelo menos.

Esse é o ponto de mutação da riqueza do fundo do mar em prosperidade na terra.

Toda uma cadeia de equipamentos, máquinas, logística, tecnologia e serviços diretamente ligados, e também externos, ao ciclo do petróleo será alavancada nos próximos anos.

O conjunto pode fazer do Brasil um grande exportador industrial nessa área.

É sobre isso que os economistas falam quando demonstram impaciência com o círculo vicioso de fatalismo embutido na pauta conservadora da crise.

O mais difícil foi feito.

O novo marco regulador transfere à Petrobras a responsabilidade soberana de harmonizar duas variáveis básicas: o ritmo da extração e do refino; e a capacidade brasileira de atender à demanda por plataformas, máquinas, barcos, sondas etc.

Se a exploração corresse livre, como gostariam a república dos acionistas e as multinacionais, o fôlego da indústria local seria atropelado.

Todo o efeito multiplicador vazaria na forma de importações e geração de empregos lá fora.

Não são apenas negócios, portanto.

Cerca de 300 mil jovens brasileiros serão treinados nos próximos anos pelo Promimp, o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural.

Sem o novo marco regulador, que sofreu um cerco beligerante do conservadorismo, eles seriam desnecessários.

A arquitetura da soberania pressupõe, ainda, forte expansão da rede brasileira de refinarias, estagnada desde 1980.

Cinco plantas estão sendo construídas, simultaneamente.

Tudo isso causa erupções cutâneas na pátria dos dividendos, que prefere embolsar lucros rápidos, com o embarque predatório de óleo bruto.

O parque tecnológico de ponta que está nascendo na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, com laboratórios de todo o mundo, é um desperdício do ponto de vista dessa lógica.

Ele é uma espécie de berçário da reindustrialização que se preconiza.

Dali sairão inovações e tecnologias que vão irradiar saltos de eficiência e produtividade em toda a rede de fornecedores nacionais do pré-sal.

É desse amplo arcabouço de medidas e salvaguardas que poderão jorrar os recursos do fundo soberano para erradicar as grandes iniquidades que ainda afligem a população brasileira.

Tudo isso é sabido. Mas passa hoje por um moedor de memória e esperanças, destinado a triturar a reputação da estatal, que detém o comando sobre esse processo.

Desqualificá-la é um requisito para reverter a blindagem em torno de uma riqueza, da qual as petroleiras internacionais e o privatismo de bico longo ainda não desistiram.

A Petrobras passa por ajustes compreensíveis depois do gigantesco estirão desencadeado pelas descobertas do pré-sal.

Uma crise planetária atravessou o seu caminho e o do seu faturamento, bem como o de todas as grandes corporações do planeta. Após o colapso de 2008, a cotação do barril de petróleo recuou de US$150 para US$ 35.

Ainda assim, seu lucro em 2012 foi de R$ 21,18 bilhões.

Ficou em R$ 8 bilhões, ao final do governo do PSDB.

A narrativa que ensombrece o país capturou a Petrobras para a pauta da crise sem fim.

Cabe ao governo, em primeiro lugar, pôr ordem no seu próprio salão.

E trazê-la de volta para a agenda do desenvolvimento.
Postado por Saul Leblon às 06:09

sábado, março 30, 2013

Reunião em defesa do blog Viomundo


Terça-feira, 2, às 17 horas, na sede do Barão de Itararé.

Ajude no convite, por favor

O Miro propõe:

1 - acionar parlamentares para a denúncia da perseguição da Globo à blogosfera;
2 - campanha via internet de coleta da grana para saldar a multa de R$ 30 mil;
3 - atos na Globo contra a censura e em defesa da liberdade de expressão. 26/4 - aniversário da emissora;
4 - acionar relator da ONU para liberdade de expressão para denunciar censura da TV Globo


Kamel bate um recorde: 4 vitórias em 4 ações na primeira instância da Justiça carioca



Por Luiz Carlos Azenha, no blog Viomundo:

Ali Kamel, o nem todo poderoso diretor da Central Globo de Jornalismo, venceu mais uma.

Fui condenado a pagar a ele a indenização de 30 mil reais por uma suposta “campanha difamatória”. O poderosíssimo Viomundo difamou uma das maiores empresas de comunicação do mundo! Cabe recurso e, obviamente, o dr. Cesar Kloury vai recorrer.

Kamel bate um recorde: 4 vitórias em 4 ações na primeira instância da Justiça carioca. Alguém tem dúvida sobre o resultado dos processos que ele também move contra Luís Nassif e o sr. Cloaca? Nem o Barcelona tem esse aproveitamento!

O fulcro da decisão judicial é de que ele teria sido citado em 28 postagens do Viomundo, que existe desde 2004. Só a versão mais recente do site tem 8.140 post publicados. Ou seja, Ali Kamel foi mencionado em 0,0034% dos posts aqui publicados, na suposta “campanha difamatória”.

Em um trecho da sentença, segundo o Portal Imprensa, a magistrada afirma que eu “teria elaborado uma série de criticas contra matérias publicadas pelos diversos veículos de comunicação vinculados às Organizações Globo, atribuindo-lhe [Nota do Viomundo: Ao Kamel] a responsabilidade pelo conteúdo editorial”.

Para a juíza, segundo o Consultor Jurídico, a vinculação de Ali Kamel com a linha editorial dos meios de comunicação da Globo é uma “falsa afirmação” (grifo meu), já que ele está subordinado a superiores hierárquicos e a empresa possui um Conselho Editorial composto pelos editores dos diversos veículos do grupo, incluindo Kamel.

Em outras palavras, descobriram que o Ali Kamel não manda na Globo, apenas psicografa as ordens do dr. Roberto. A recente ascensão dele ao cargo de diretor da Central Globo de Jornalismo foi apenas uma coincidência.

Ex e atuais funcionários da Globo: sobre o poder de Kamel, é tudo imaginação da parte de vocês!

Ali Kamel processou Rodrigo Vianna por causa de uma piada. Processou Marco Aurélio Mello por uma obra de ficção. E a mim por atribuir a ele poder que não tem. Porém, como ex-profissionais que atuamos nos bastidores da TV Globo, nas coberturas mais importantes, subordinados diretamente a ele, sabemos muito bem o que ele fez no verão passado.

Foi apenas por acaso, assim, à toa, que pedi a rescisão antecipada de meu contrato com a TV Globo, onde ganhava salário de executivo, com mais de um ano de antecipação. Não queria associar meu nome à falta de poder do Ali Kamel.

Em minha opinião, o texto definitivo sobre as represálias da Globo contra blogueiros, que se deram todas depois das eleições de 2010, foi escrito por Miguel do Rosário, aqui, quando da condenação de Rodrigo Vianna. Um trecho:

É inacreditável que o diretor de jornalismo da empresa que comete todo o tipo de abuso contra a democracia, contra a dignidade humana, a empresa que se empenha dia e noite para denegrir a imagem do Brasil, aqui e no exterior, cujos métodos de jornalismo fazem os crimes de Ruport Murdoch parecerem estrepolias de uma criança mimada, pretenda processar um blogueiro por causa de um chiste!



Clique
aqui para ler histórica decisão do Ministro Celso de Mello sobre a liberdade de expressão, que o PiG (**) e os bajuladores juridicos ignoram, porque do outro lado está o imaculado banqueiro.

Clique
aqui para ler “Barbosa defende a liberdade de expressão – ouviu, Gilmar ? Os blogueiros sujos tem que ficar de olho no Judiciário.”

Clique
aqui para ler “Barbosa erra ao dizer que só os banqueiros ocultam a verdade”.
(*) Ali Kamel, o mais poderoso diretor de jornalismo da história da Globo (o ansioso blogueiro trabalhou com os outros três), deu-se de antropólogo e sociólogo com o livro “Não somos racistas”, onde propõe que o Brasil não tem maioria negra. Por isso, aqui, é conhecido como o Gilberto Freire com ï”. Conta-se que, um dia, D. Madalena, em Apipucos, admoestou o Mestre: Gilberto, essa carta está há muito tempo em cima da tua mesa e você não abre. Não é para mim, Madalena, respondeu o Mestre, carinhosamente. É para um Gilberto Freire com “i”.

(**) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.

sexta-feira, março 29, 2013

JUSTIÇA BRASILEIRA É UMA GALINHA MORTA


Globo consegue o que a ditadura não conseguiu: calar imprensa alternativa

publicado em 29 de março de 2013 às 20:32

por Luiz Carlos Azenha
Meu advogado, Cesar Kloury, me proíbe de discutir especificidades sobre a sentença da Justiça carioca que me condenou a pagar 30 mil reais ao diretor de Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel, supostamente por mover contra ele uma “campanha difamatória” em 28 posts do Viomundo, todos ligados a críticas políticas que fiz a Kamel em circunstâncias diretamente relacionadas à campanha presidencial de 2006, quando eu era repórter da Globo.
Lembro: eu não era um qualquer, na Globo, então. Era recém-chegado de ser correspondente da emissora em Nova York. Fui o repórter destacado para cobrir o candidato tucano Geraldo Alckmin durante a campanha de 2006. Ouvi, na redação de São Paulo, diretamente do então editor de economia do Jornal Nacional, Marco Aurélio Mello, que tinha sido determinado desde o Rio que as reportagens de economia deveriam ser “esquecidas”– tirar o pé, foi a frase — porque supostamente poderiam beneficiar a reeleição de Lula.
Vi colegas, como Mariana Kotscho e Cecília Negrão, reclamando que a cobertura da emissora nas eleições presidenciais não era imparcial.
Um importante repórter da emissora ligava para o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, dizendo que a Globo pretendia entregar a eleição para o tucano Geraldo Alckmin. Ouvi o telefonema. Mais tarde, instado pelo próprio ministro, confirmei o que era também minha impressão.
Pessoalmente, tive uma reportagem potencialmente danosa para o então candidato a governador de São Paulo, José Serra, censurada. A reportagem dava conta de que Serra, enquanto ministro, tinha autorizado a maior parte das doações irregulares de ambulâncias a prefeituras.
Quando uma produtora localizou no interior de Minas Gerais o ex-assessor do ministro da Saúde Serra, Platão Fischer-Puller, que poderia esclarecer aspectos obscuros sobre a gestão do ministro no governo FHC, ela foi desencorajada a perseguí-lo, enquanto todos os recursos da emissora foram destinados a denunciar o contador do PT Delúbio Soares e o ex-ministro da Saúde Humberto Costa, este posteriormente absolvido de todas as acusações.
Tive reportagem sobre Carlinhos Cachoeira — muito mais tarde revelado como fonte da revista Veja para escândalos do governo Lula — ‘deslocada’ de telejornal mais nobre da emissora para o Bom Dia Brasil, como pode atestar o então editor Marco Aurélio Mello.
Num episódio específico, fui perseguido na redação por um feitor munido de um rádio de comunicação com o qual falava diretamente com o Rio de Janeiro: tratava-se de obter minha assinatura para um abaixo-assinado em apoio a Ali Kamel sobre a cobertura das eleições de 2006.
Considero que isso caracteriza assédio moral, já que o beneficiado pelo abaixo-assinado era chefe e poderia promover ou prejudicar subordinados de acordo com a adesão.
Argumentei, então, que o comentarista de política da Globo, Arnaldo Jabor, havia dito em plena campanha eleitoral que Lula era comparável ao ditador da Coréia do Norte, Kim Il-Sung, e que não acreditava ser essa postura compatível com a suposta imparcialidade da emissora. Resposta do editor, que hoje ocupa importante cargo na hierarquia da Globo: Jabor era o “palhaço” da casa, não deveria ser levado a sério.
No dia do primeiro turno das eleições, alertado por colega, ouvi uma gravação entre o delegado da Polícia Federal Edmilson Bruno e um grupo de jornalistas, na qual eles combinavam como deveria ser feito o vazamento das fotos do dinheiro que teria sido usado pelo PT para comprar um dossiê contra o candidato Serra.
Achei o assunto relevante e reproduzi uma transcrição — confesso, defeituosa pela pressa – no Viomundo.
Fui advertido por telefone pelo atual chefão da Globo, Carlos Henrique Schroeder, de que não deveria ter revelado em meu blog pessoal, hospedado na Globo.com, informações levantadas durante meu trabalho como repórter da emissora.
Contestei: a gravação, em minha opinião, era jornalisticamente relevante para o entendimento de todo o contexto do vazamento, que se deu exatamente na véspera do primeiro turno.
Enojado com o que havia testemunhado ao longo de 2006, inclusive com a represália exercida contra colegas — dentre os quais Rodrigo Vianna, Marco Aurélio Mello e Carlos Dornelles — e interessado especialmente em conhecer o mundo da blogosfera — pedi antecipadamente a rescisão de meu contrato com a emissora, na qual ganhava salário de alto executivo, com mais de um ano de antecedência, assumindo o compromisso de não trabalhar para outra emissora antes do vencimento do contrato pelo qual já não recebia salário.
Ou seja, fiz isso apesar dos grandes danos para minha carreira profissional e meu sustento pessoal.
Apesar das mentiras, ilações e tentativas de assassinato de caráter, perpretradas pelo jornal O Globo* e colunistas associados de Veja, friso: sempre vivi de meu salário. Este site sempre foi mantido graças a meu próprio salário de jornalista-trabalhador.
O objetivo do Viomundo sempre foi o de defender o interesse público e os movimentos sociais, sub-representados na mídia corporativa. Declaramos oficialmente: não recebemos patrocínio de governos ou empresas públicas ou estatais, ao contrário da Folha, de O Globo ou do Estadão. Nem do governo federal, nem de governos estaduais ou municipais.
Porém, para tudo existe um limite. A ação que me foi movida pela TV Globo (nominalmente por Ali Kamel) me custou R$ 30 mil reais em honorários advocatícios.
Fora o que eventualmente terei de gastar para derrotá-la. Agora, pensem comigo: qual é o limite das Organizações Globo para gastar com advogados?
O objetivo da emissora, ainda que por vias tortas, é claro: intimidar e calar aqueles que são capazes de desvendar o que se passa nos bastidores dela, justamente por terem fontes e conhecimento das engrenagens globais.
Sou arrimo de família: sustento mãe, irmão, ajudo irmã, filhas e mantenho este site graças a dinheiro de meu próprio bolso e da valiosa colaboração gratuita de milhares de leitores.
Cheguei ao extremo de meu limite financeiro, o que obviamente não é o caso das Organizações Globo, que concentram pelo menos 50% de todas as verbas publicitárias do Brasil, com o equivalente poder político, midiático e lobístico.
Durante a ditadura militar, implantada com o apoio das Organizações Globo, da Folha e do Estadão — entre outros que teriam se beneficiado do regime de força — houve uma forte tentativa de sufocar os meios alternativos de informação, dentre os quais destaco os jornais Movimento e Pasquim.
Hoje, através da judicialização de debate político, de um confronto que leva para a Justiça uma disputa entre desiguais, estamos fadados ao sufoco lento e gradual.
E, por mais que isso me doa profundamente no coração e na alma, devo admitir que perdemos. Não no campo político, mas no financeiro. Perdi. Ali Kamel e a Globo venceram. Calaram, pelo bolso, o Viomundo.
Estou certo de que meus queridíssimos leitores e apoiadores encontrarão alternativas à altura. O certo é que as Organizações Globo, uma das maiores empresas de jornalismo do mundo, nominalmente representadas aqui por Ali Kamel, mais uma vez impuseram seu monopólio informativo ao Brasil.
Eu os vejo por aí.
PS do Viomundo: Vem aí um livro escrito por mim com Rodrigo Vianna, Marco Aurelio Mello e outras testemunhas — identificadas ou não — narrando os bastidores da cobertura da eleição presidencial de 2006 na Globo, além de retratar tudo o que vocês testemunharam pessoalmente em 2010 e 2012.
PS do Viomundo 2: *Descreverei detalhadamente, em breve, como O Globo e associados tentaram praticar comigo o tradicional assassinato de caráter da mídia corporativa brasileira.

Leia também:
Justiça conclui que Ali Kamel não manda na Globo

http://www.viomundo.com.br/denuncias/globo-consegue-o-que-a-ditadura-nao-conseguiu-extincao-da-imprensa-alternativa.html

terça-feira, março 26, 2013

Grupo Folha: empresa de duas caras





Na Folha de S.Paulo, 30/4/2013, lê-se o que se lê em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/34281-banco-dos-brics-fica-para-cupula-de-2014.shtml

É fácil ver que a empresa proprietária os dois veículos, serve-se do Valor Econômico para falar ao público considerado ‘mais qualificado’, os ricos, os que sabem ler e jamais perderiam tempo com ler o besteirol dos editorialistas e colunistas da Folha de S.Paulo.

E a mesma empresa serve-se da Folha de S.Paulo para fazer propaganda contra o meu voto democrático que elegeu a presidenta Dilma. Na verdade, o Banco dos BRICS continua a ser construído. Todos os bem informados sabem que é construção complexa e demorada e que está andando muito bem.

Então o Valor noticia matéria que preste, mais informativa e menos distorcida.
E a Folha de S.Paulo redige manchete de propaganda, para fazer crer que o Banco dos BRICS não estaria avançando, que ‘ficou para 2014’ – que, afinal, é logo daqui a poucos meses. Mas a manchete da FSP foi construída para fazer crer que não, que falta muuuuuuuuuuuuuuuuito, que Dilma perde tempo naquela reunião.

Isso é jornalismo de fascitização (dirigido deliberadamente aos pressupostos menos bem informados) e alguma tentativa, ainda, de não fazer papel COMPLETAMENTE RIDÍCULO aos olhos da elite pressuposta mais bem informada.

ISSO é burlar a legislação da propaganda eleitoral por jornal.
ISSO é golpismo. Isso não é jornalismo.

A FSP tem de ser boicotada até ser extinta.

**************************************************** da Vila Vudu


Mais uma no Valor:


Das 50 maiores obras de infraestrutura e energia em execução no mundo, nada menos de 14 estão no Brasil.
São mais de R$ 250 bilhões num pacote que inclui desde a transposição do rio São Francisco até a construção da usina nuclear Angra 3, do Rodoanel de São Paulo às hidrelétricas Teles Pires e São Luiz do Tapajós, do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro a sete plataformas para a produção de petróleo do pré-sal. A lista é encorpada ainda com as obras dos estádios e de acessibilidade para a Copa do Mundo de 2014 ou o Cinturão das Águas do Ceará e outros programas de saneamento que começam a transformar a paisagem de muitas cidades brasileiras.

Todos esses empreendimentos dão emprego a mais de 200 mil operários e movimentam uma estrutura de máquinas e equipamentos compatíveis com a dimensão dos desafios que representam.

Só a construção de Angra 3, em Angra dos Reis, no litoral sul do Rio de Janeiro, mobiliza 3 mil operários em dois turnos de trabalho: dia e noite. A estimativa é que até o fim a obra represente uma jornada de 50 milhões de homens/hora. A parte civil do projeto, retomado em 2010 depois de 23 anos, vai absorver 200 mil m³ de concreto, 80 mil toneladas de cimento e 35 mil toneladas de aço. Os investimentos iniciais pularam de R$ 9,9 bilhões para R$ 12 bilhões.

A terceira usina nuclear do país terá uma potência de 1.405 MW, energia suficiente para abastecer Brasília e Belo Horizonte, simultaneamente. "Trata-se de um projeto crucial para a complementação térmica da capacidade energética do país", diz Leonam dos Santos Guimarães, chefe de gabinete da presidência da Nuclebras.

O empreendimento está atrasado sete meses, por causa de recursos à Justiça de empresas derrotadas na licitação para a montagem dos equipamentos. A entrada em operação, inicialmente prevista para 1º de dezembro de 2015, passou para 1º de julho de 2016.

Até lá já deverá estar em funcionamento boa parte do novo parque hidrelétrico do país. A Hidrelétrica Teles Pires, no Mato Grosso, que terá capacidade instalada de 1.820 MW e um reservatório com 151,8 km², deve começar a operar em junho de 2015. A obra começou em 2005 e, de acordo com a Companhia Hidrelétrica Teles Pires (CHTP), emprega cerca de 5 mil operários em dois turnos de trabalho com jornadas de nove horas e meia.

A construção prevê o uso de mil equipamentos - entre caminhões, escavadeiras, centrais industriais e guindastes - e deverá consumir 120 mil toneladas de cimento. O tamanho da empreitada pode ser medido pela conta de energia, que chega a R$ 25 milhões, pelas 20 carretas que desembarcam cimento, aço e equipamentos todos os dias ou pelo volume de argila e rocha retirados do canteiro de obras: 10 milhões de m³ por mês - o suficiente para encher três vezes e meia o estádio do Maracanã.

Nas obras das hidrelétricas de Santo Antonio, com custo previsto de R$ 16 bilhões, Jirau, com R$ 9,6 bilhões, ambas em Rondônia, e Belo Monte, no Pará, orçada em R$ 25,8 bilhões, o aparato é proporcional ao volume de investimentos. A construção de Belo Monte mobiliza mais de 20 mil operários. No ano que vem, quando estiver no pico, serão 30 mil. Os quatro canteiros em plena selva só são acessados por hidrovias ou pela Transamazônica, que fica interditada seis meses do ano por causa das chuvas.

Para buscar mantimentos duas balsas fazem toda semana uma viagem de 96 horas pelo Rio Xingu, entre Vitória do Xingu e Belém, e voltam carregadas com 1.500 toneladas de suprimentos. A empreiteira Andrade Gutierrez já enfrentou desafio logístico pior. Nos quatro anos de construção dos 270 quilômetros do gasoduto Coari-Manaus sobre cursos d'água e áreas alagadas precisou manter 1.200 operários só para cuidar que nada faltasse aos outros 4.200 que executavam as obras nas condições adversas da selva amazônica. Em 16 grandes obras que executa agora no país tem de gerenciar 1.327 máquinas, equipamentos e veículos e 61.447 operários.

"O mercado de grandes obras nunca esteve tão aquecido como nos últimos dez anos. A expectativa é otimista com o programa de concessões do governo federal que prevê investimentos de R$ 220 bilhões em rodovias e ferrovias, 55% a serem executados nos próximos cinco anos", diz Leandro Aguiar, presidente da Andrade Gutierrez, que tem no portfólio pelo menos mais quinze grandes construções, entre elas Angra 3 e os estádios Nacional, de Brasília, e Beira-Rio, de Porto Alegre.

domingo, março 17, 2013

Chávez e o redesenho do mundo

17/3/2013, Mark Weisbrot*, Al-Jazeera. Qatarhttp://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2013/03/20133178738331777.html

“Durante os 14 anos de governo Chávez, os EUA perderam a maior parte da influência que sempre tiveram na América Latina, especialmente na América do Sul.”

A impressionante reação mundial à morte do presidente Hugo Chávez da Venezuela, sobretudo no hemisfério ocidental, pôs em forte destaque o mundo “multipolar” pelo qual Chávez lutou. 55 países fizeram-se representar por chefes de Estado em seu funeral, dia 8/3/2013 (todos os países latino-americanos). 14 países latino-americanos decretaram luto oficial – entre os quais o governo direitista do Chile.

Na contramão da comoção planetária, e da homenagem solene prestada por respeitados chefes de Estado latino-americanos, a Casa Branca limitou-se a uma declaração grosseira e fria e – para horror de muitos latino-americanos – sequer ofereceu condolências.

O que se vê é que presidente mais demonizado – apesar de democraticamente eleito e reeleito – da história do mundo tinha muitos amigos e admiradores – e não só “estados inimigos” como Irã ou Síria, imediatamente e incansavelmente mencionados no ‘jornalismo’ e nos ‘noticiários’ nos EUA.

A ‘mídia’ nos explica agora que a simpatia se dirigiria ao petróleo venezuelano. Mas nenhum rei da Arábia Saudita jamais foi amado e homenageado como Chávez, vivo ou morto.

Os leitores do New York Times provavelmente surpreenderam-se ao ler, em coluna publicada semana passada, assinada por Lula da Silva, o popular ex-presidente do Brasil, que ambos sempre foram muito próximos e partilhavam a mesma visão de América Latina. É verdade, e há muito tempo: em 2006, quando Lula da Silva foi reeleito, sua primeira viagem ao exterior foi à Venezuela, para ajudar na campanha de reeleição de Chávez.

Encaremos os fatos: o que Chávez disse sobre o papel de Washington no mundo foi exatamente o que todos os presidentes de esquerda – hoje, ampla maioria na América do Sul – pensavam. E Chávez nunca se limitou a apenas falar: como Lula da Silva registra, Chávez desempenhou papel crucial na formação da UNASUR (União das Nações Sulamericanas), da CELAC (Comunidade de Nações da América Latina e Caribe), e em outros esforços e realizações para a integração regional.

“Talvez suas ideias venham a inspirar os jovens do futuro, como a vida de Simon Bolívar, o grande libertador da América Latina, inspirou o próprio Chávez” – escreveu Lula da Silva.

Chávez transformou a América Latina

Chávez foi o primeiro do que viria a ser uma linhagem de presidentes de esquerda democraticamente eleitos que transformaram a América Latina, e especialmente a América do Sul, ao longo dos últimos 15 anos, dentre os quais Nestor e Cristina Kirchner na Argentina, Lula da Silva e depois Dilma Rousseff no Brasil, Evo Morales na Bolívia, Daniel Ortega na Nicarágua, Fernando Lugo no Paraguai, José “Pepe” Mujica no Uruguai e Mauricio Funes em El Salvador.

Antes de Chávez, presidentes de esquerda que fossem democraticamente eleitos tendiam a ter o mesmo fim que teve Salvador Allende do Chile – derrubado por golpe organizado pela CIA, em 1973. Parte significativa da esquerda latino-americana, inclusive o próprio Chávez, continuavam céticos sobre a eficácia da via eleitoral para mudar a sociedade, ainda 20 anos depois, dado que as elites locais, apoiadas por Washington, sempre tinham um ‘veto’ ilegal, ao qual recorriam quando dele precisavam.

Chávez soube ter papel vital na “segunda independência” da América do Sul, porque foi diferente de outros chefes de Estado, em vários importantes sentidos. Percebi isso logo na primeira vez que o encontrei, em abril de 2003. Dava a impressão de falar a todos do mesmo modo – fosse quem lhe trazia o almoço no palácio presidencial, fossem visitantes que ele admirava. Chávez falava muito, mas também era ouvinte atento e concentrado.

Lembro de um jantar, há poucos anos, com mais de 100 representantes de grupos da sociedade civil de todo o continente – ativistas que trabalhavam para o cancelamento das dívidas de países pobres, para a reforma agrária, muitas e muitas variadas lutas. Chávez ouviu longa e atentamente, anotando sem parar, por mais de uma hora, com os convidados à frente dele, apresentando o que cada grupo fazia. Ao final, com as anotações diante dos olhos, falou, com resposta para cada um dos grupos: “OK. Agora, aqui está o que me parece que podemos fazer para ajudar vocês.” Não sei de qualquer outro presidente capaz de trabalhar assim.

Não era simulacro ou demagogia. Em Chávez, nada era simulacro ou demagogia. Sempre dizia o que pensava – o que nem sempre é adequado, num chefe de Estado. Mas a maioria dos venezuelanos amava aquela franqueza, porque dava a Chávez uma densidade, uma realidade que poucos políticos têm: era, portanto, alguém em quem se podia confiar.

A atitude não mudava em relação a outros governos. Embora tenha tido grandes brigas públicas com alguns governos, praticamente nunca criticou outro chefe de Estado, a menos que tivesse sido atacado antes. Manteve boas relações até com o governo direitista de Alvaro Uribe da Colômbia, durante vários anos; até que Uribe virou-se contra ele, o que Chávez interpretou (provavelmente com razão) como Uribe agindo sob ordens dos EUA. Quando Manuel Santos, que fora ministro da Defesa de Uribe, tornou-se presidente da Colômbia, em agosto de 2010 e decidiu restabelecer boas relações com Chávez, encontrou a porta aberta.[1] As relações foram imediatamente recompostas. Chávez era amigável com qualquer um que não o agredisse.

Mas havia mais que traços de personalidade e a busca de alianças – das quais Chávez precisava, se quisesse sobreviver, depois que o governo Bush declarou publicamente, em 2002, que tinha intenções de derrubá-lo (embora essa informação tenha passado praticamente sem qualquer notícia na imprensa-empresa dos EUA, há provas documentais consistentes do envolvimento de Washington no golpe militar de 2002 contra Chávez[2]). Chávez tinha visão solidária do mundo. Ele e seu governo construíram inúmeras políticas que não se orientavam pelo princípio de que “nações não têm amigos: nações têm interesses”.

Sempre viu as injustiças e desequilíbrios da ordem econômica e política mundial do mesmo modo como via as injustiças sociais dentro da Venezuela – como males sociais e algo que se podia combater com sucesso. Por que os EUA e meia dúzia de aliados ricos controlariam o FMI e o Banco Mundial? Ou por que escreveriam, só eles, as regras de comércio da OMC, ou da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas, que Chávez ajudou a derrotar)? A Venezuela não tinha qualquer interesse nacional específico nessas lutas, porque é dos grandes exportadores mundiais de petróleo.

Mas Chávez entendeu que eram lutas importantes para todos, e seu pensamento coincidiu com o que estava acontecendo no mundo: todo o planeta se encaminhava rapidamente para se tornar economicamente mais multipolar. A China, por exemplo, a qual, segundo as mais confiáveis estimativas[3] de seu poder paritário de compra [orig. purchasing power parity), já é a maior economia do mundo, praticamente não tem voz nem voto nem no FMI nem no Banco Mundial. Outros países em desenvolvimento têm ainda menos. As ideias de Chávez, portanto, ressoaram cada vez mais profundamente, em grande parte do mundo, especialmente na América Latina.

A imprensa-empresa: ‘informação’ sempre negativa sobre a Venezuela

Por outro lado, a história de Chávez também mostra o enorme poder da imprensa-empresa, a chamada ‘mídia’, no serviço de modelar a opinião pública. Muitos governos conhecem bastante bem as realizações do governo Chávez, mas, porque a imprensa-empresa norte-americana e, por via de repetição, a imprensa-empresa latino-americana só veiculavam, quase exclusivamente, ‘informação’ negativa sobre a Venezuela, durante 14 anos – sempre ‘informação’ exageradamente negativa e não raras vezes, ‘informação’ falsa[4] –, a maior parte da população no hemisfério ocidental jamais conheceu sequer os fatos básicos sobre a Venezuela ou sobre o governo de Chávez.

Poucos sabem que, depois que Chávez alcançou o controle sobre a indústria do petróleo, a economia da Venezuela passou a crescer muito bem; a pobreza foi reduzida à metade e a pobreza extrema, em mais de 70%. Poucos sabem que a maior parte desses ganhos veio do crescimento do emprego no setor privado, não de “esmolas do governo”. Poucos sabem que milhões de venezuelanos ganharam acesso a serviços públicos de saúde pela primeira vez; e que melhoraram todos os indicadores de educação (o número de matriculados no ensino superior duplicou); e que o número de aposentados saltou, de 500 mil, para mais de dois milhões.

De fato, a imprensa-empresa ocidental praticamente pintou a Venezuela como total fracasso econômico e político. E bem poucos sabem que nada há que assemelhe a Venezuela a algum tipo de “estado autoritário”. De fato, a imprensa-empresa venezuelana ainda faz, até hoje, campanha contra o governo.[5]

É um tipo de ‘jornalismo’ que ensina a não saber o que Chávez fez pelo hemisfério – não só os bilhões de dólares que distribuiu como ajuda, pelo programa Petrocaribe e outros, mas também – como Lula da Silva explicou – o papel que desempenhou na promoção da unidade continental e da segunda independência da América Latina.

Essa independência é muito mais que questão de orgulho nacional ou regional; é mais, até, que uma das mais radicais mudanças geopolíticas, até aqui, do século 21. É mudança que teve consequências imensas para os latino-americanos, onde a pobreza já caiu, de 42% no início da décadas, para 27%, em 2009. Difícil imaginar esse tipo de avanço econômico e social, no tempo em que a região vivia sob tutelagem do FMI/Washington; de fato, na região, como um todo, entre 1980 e 2000, o crescimento do PIB per capita foi praticamente zero.[6]

A maioria das pessoas em todo o hemisfério ocidental receberam uma visão à moda “Tea Party”, da Venezuela,[7] com a imprensa-empresa liberal e de direita, praticamente idêntica, sem noticiar praticamente nenhum fato, só mentiras, sobre a Venezuela e seu governo. (...).[8]

Por tudo isso, trava-se hoje uma nova batalha pela definição do legado de Chávez – e muitos já lutam para preservar os ‘ganhos’ que conseguiram na campanha para demonizar Chávez. Para esses, a onda de simpatia e de respeito por Chávez e por seu governo que se vê crescer em todo o mundo é problema real.[9]

Fato é que, durante os 14 anos de governo Chávez, os EUA perderam a maior parte da influência que sempre tiveram na América Latina, especialmente na América do Sul. Pode-se pois dizer com razoável certeza, que, na batalha contra Washington, Chávez venceu. E, com ele, a região e o planeta venceram. Por isso, será para sempre honrado, respeitado e lembrado – como foi, dia 8/3/2013, por praticamente todo o mundo.


* Mark Weisbrot é co-diretor do Center for Economic and Policy Research, em Washington, DC. E anima o blog Just Foreign Policy (http://www.justforeignpolicy.org/).
[5] http://www.cepr.net/index.php/blogs/the-americas-blog/venezuelan-economic-and-social-performance-under-hugo-chavez-in-graphs.

Quanto à imprensa-empresa brasileira, parece ser caso especial, no planeta. Em 2002, quando Chávez passou dois dias deposto, por golpe imediatamente derrotado pelo povo nas ruas, William Waack, um dos principais âncoras do principal ‘noticiário’ nacional, da Rede Globo, disse: “O estilo mandão de Chávez prova que a era do populismo não funciona. Quem trata a democracia como ele tratou, desrespeitando instituições e preferindo mandar com a bota em vez de dialogar, não deve ficar espantado ao ser varrido do poder” (o vídeo foi tirado do ar, mas a história aparece bem contada em http://www.facebook.com/ocupa.a.rede.globo/posts/503622223016553) [NTs].

segunda-feira, março 11, 2013

A queda da Casa de Europa

Paris: o frio dos que perderam tudo


11/3/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online

The Enchanters came / Cold and old,
Making day gray / And the age of gold
Passed away, / For men fell
Under their spell, / Were doomed to gloom.
Joy fled, / There came instead,
Grief, unbelief, / Lies, sighs,
Lust, mistrust, / Guile, bile,
Hearts grew unkind, / Minds blind,
Glum and numb, / Without hope or scope.
There was hate between states,
A life of strife, / Gaols and wails,
Dont's, wont's, / Chants, shants,
No face with grace, / None glad, all sad.


W H Auden, “The Golden Age”
[Thank You, Fog, NY: Faber and Faber, 1974]

Não se tem, infelizmente, versão pós-moderna de Dante guiado por Virgílio para contar a um mundo perplexo o que está realmente acontecendo na Europa, passada a recente eleição geral na Itália.

Na superfície, os italianos votaram um retumbante “não” – contra a austeridade (imposta à moda alemã); contra mais impostos; contra cortes no orçamento, desenhados, em teoria, para salvar o euro. Nas palavras do prefeito de Florença, de centro-esquerda, Matteo Renzi, “Nossos cidadãos falaram alto e claro, mas talvez ainda não tenhamos entendido completamente sua mensagem.” De fato, não é difícil entender.

Há quatro principais personagens nessa peça moral/existencial digna da mais ensandecida tradição da commedia dell 'arte.

O vencedor pírrico é Pier Luigi Bersani, líder da coalizão de centro-esquerda; mas não consegue formar governo. O perdedor indiscutível é o tecnocrata e ex-serviçal de Goldman Sachs, primeiro-ministro Mario Monti.

E há também os reais vencedores: “dois palhaços” – pelo menos de um ponto de vista alemão e da City de Londres, via The Economist. Os “palhaços” são o movimento comandado pelo comediante Beppe Grillo, “Movimento 5 Estrelas”, e o notório bilionário e ex-primeiro ministro Silvio “Bunga Bunga” Berlusconi.

Para tumultuar ainda mais as coisas, Berlusconi foi condenado a um ano de prisão, na 5ª-feira passada, numa corte de Milão, em processo que inclui escândalo de gravações clandestinas. Haverá apelação; e, como já aconteceu antes, noutra condenação, ele outra vez se safará. O mantra de Berlusconi não muda: “sou perseguido pelo judiciário italiano.”

Há mais, muito mais. Esses quatro personagens – Bersani, Monti, Grillo, Berlusconi – estão, de fato, no coração de imensa, imensíssima tragédia shakespeareana: o fracasso político da troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), que, traduzido, implica que a política da União Europeia está sendo espatifada.

É o que acontece quando o projeto da União Europeia não tem nem jamais teve coisa alguma a ver com “união” política – e sempre só teve a ver com inventar o euro como moeda comum europeia. Não surpreende que, nessas circunstâncias, o mais importante mecanismo da unificação da Europa seja o Banco Central Europeu. Mas abandonem qualquer esperança de ver políticos europeus falando a seus esfarrapados cidadãos sobre alguma real união europeia. Será que alguém ainda quer união? E sob que formato?

Eis o Absurdistão
Por que as coisas aconteceram na Itália do jeito que aconteceram? Não encontrei melhor explicação que a de Marco Cattaneo (em http://cattaneo-lescienze.blogautore.espresso.repubblica.it/2013/02/26/le-elezioni-in-assurdistan/?ref=HREA-1), em artigo em que ele tenta entender o “Absurdistão”.

Tudo começou com uma lei eleitoral que até na Itália foi definida como ulna porcata [grande porcaria], validando um sistema “des-proporcional” (cientistas políticos, anotem!) que só poderia levar a situação absolutamente ingovernável.

Na excelente leitura de Cattaneo, a coalizão “Um por Todos, Todos por Um” (de Bersani), obteve 31,6% dos votos. A coalizão “Cada um por Si” (de Berlusconi) obteve 30,7%. E os novíssimos “1 = 1, o Resto = Zero” (de Grillo) obtiveram surpreendentes 23,8%.

Mesmo assim, desafiando qualquer lógica, no final “Cada um por Si” ficou com 116 assentos; “Um por Todos, Todos por Um”, com 113 assentos; e os “1 = 1, o Resto = Zero” ficaram só com 54 assentos – menos que a metade.

Nas ruas, de Nápoles a Turim e de Roma a Palermo, há outra explicação. Nada menos que 45% dos italianos, de aposentados que vivem com 1.000 euros [US$1,300] até banqueiros que fazem 10 milhões/ano, não querem mudança nenhuma. Outros 45% – os desempregados e os subempregados – querem mudança radical. E 10% não ligam – e jamais ligaram. Misture e acrescente tudo isso à lasagna da ingovernabilidade.

E extraia de lá uma colherzinha de sabedoria de cappuccino-no-balcão. Em breve, as finanças do Absurdistão estarão em estado tão lastimável quanto as finanças do Helenistão – terra vizinha, dos descendentes de Platão e Aristóteles. Quando acontecer, então, o Absurdistão será usado como modelo para a Europa e para o mundo: onde 1% da população controla 99% da riqueza nacional. De Lorenzo de Medici a Berlusconi; caso claro de Ascensão e Queda.

Bunga Bunga me, baby
Processado e julgado até o osso (inclusive com uma condenação por fraude fiscal em outubro de 2012; mas safou-se); beneficiário de leis espúrias explicitamente escritas e aprovadas para protegê-lo e seu gigantesco império empresarial: eis a saga Bunga Bunga rabelaisiana. Até agora, derrotou todos. Silvio Berlusconi talvez seja o último comeback kid.[1] Como conseguiu safar-se da cadeia, dessa vez?

É fácil, se você mistura voltagem bilionária de mídia (e controle pelas corporações) com promessas grotescas – como retalhar um muito detestado imposto sobre a propriedade. Como fazer, com a arrecadação que encolheria? Simples: Silvio prometeu novos impostos sobre o jogo, e negócio obscuro para recuperar alguns dos fundos que italianos mantêm em bancos suíços.

Faz alguma diferença que a Suíça já tenha dito bem claramente que seriam necessários muitos anos, até o esquema funcionar? Claro que não. Até a vasta oposição a Silvio teve de reconhecer que a ideia era “golpe de gênio”. Cerca de 25% dos italianos votaram no partido de Silvio. Quase 1/3 apoiou sua coalizão de direita. Na Lombardia – conhecida informalmente como o Texas da Itália – a coalizão reduziu o centro-esquerda a cacos. A Toscana, por sua vez, votou como tradicionalmente com a esquerda; e Roma, por essência, oscila.

Os eleitores de Silvio são, quase todos, pequenos e médios comerciantes; o norte da Itália comanda a economia. Odeiam impostos; vão de legiões de sonegadores aos asfixiados pela carga fiscal. Obviamente, dificilmente se preocupariam menos com o déficit orçamentário de Roma. E todos desejam que a chanceler alemã Angela Merkel apodreça no nono círculo do inferno de Dante.

Frau Merkel, por sua vez, acalenta a ideia de que cruzará tranquilamente as águas da eurozona rumo ao seu terceiro mandato, nas eleições de setembro próximo. Praticamente impossível – graças aos eleitores de Silvio e Beppe Grillo. Pode-se dizer que a um abismo entre norte e sul na Europa. A cúpula da União Europeia, nesse mês de março, será – literalmente, um quebra-quebra.

Aqueles sexy palhaços-políticos
A União Europeia vive o apocalipse. Le Monde insiste que a Europa não agoniza.[2] Ah, está. Está em coma.

E nem assim Bruxelas (aquela Comissão Europeia infestada de burocratas) e Berlin (o governo alemão) sequer cogitam de algum Plano B: é austeridade ou que-se-explodam. Previsivelmente, o ministro alemão das Finanças, Jeroen Dijsselbloem – novo cabeça da espetacularmente opaca, não transparente, comissão que comanda o euro – disse que o que Monti fazia (e foi furiosamente rejeitado pelos italianos) é “crucialmente necessário para toda a eurozona”.

Em 2012, a economia italiana encolheu 2,2%, mais de 100 mil pequenos negócios fecharam as portas (e, sim, todos votaram em Silvio) e o desemprego já passou de 10% (na realidade, já passou de 15%). A Itália talvez tenha a mais alta dívida nacional de toda a Eurozona, depois da Grécia. Mas aqui o Absurdistão manifesta-se outra vez, via a austeridade: o déficit fiscal da Itália é muito inferior ao da França e ao da Holanda.

Estourem a champagne: a França está em decadência vertical. Não se trata só de declínio da indústria, mas também da perene recessão, da turbulência social e de uma dívida pública que ultrapassa 90% do PIB. A França, a segunda maior economia da eurozona, pediu mais um ano à Comissão Europeia para baixar seu déficit para menos de 3% do PIB. Jens Weidman, presidente do Bundesbank, rugiu que “Esqueçam”.

Portugal também está pedindo água à troika. A economia portuguesa encolheu (cerca de 2%) pelo terceiro ano consecutivo, com desemprego acima de 17%.

A Espanha vive sob horrenda recessão, além de enfrentar crise monstro da dívida. O PIB caiu 0,7% em 2012 e, segundo o Citibank, cairá mais 2,2% em 2013. O desemprego alcança inacreditáveis 26%, com mais de 50% dos jovens, desempregados. Nem todos acertam a loteria, jogando no Barcelona ou no Real Madrid. A Irlanda tem o maior déficit da eurozona, 8%, e acaba de reestruturar a dívida de seus bancos.

A Grécia está no quinto ano consecutivo de recessão, com desemprego acima de 30% – e, isso, depois de dois pacotes de austeridade. Atenas corre em círculos, tentando escapar dos credores, ao mesmo tempo em que tenta aliviar alguns dos cortes draconianos. Os gregos já não têm dúvidas: a situação é pior que a da Argentina em 2001. E lembrem: a Argentina deu calote nos bancos.

Até a Holanda enfrenta grave crise bancária. E, como se não bastasse, David Cameron pôs em torvelinho o futuro da Grã-Bretanha.

Assim sendo, é, mais uma vez, a vez de Silvio – e quem mais poderia ser? – de temperar o cozidão. Só o Cavaliere seria capaz de dizer que o famoso spread – a diferença entre o quanto Itália e Alemanha pagam para tomar empréstimos nos mercados de ações – foi “inventado” em 2011 por Berlin (o governo alemão) e Frankfurt (o Banco Central Europeu), para conseguir livrar-se Dele, de Silvio, e “eleger” o tecnocrata Monti.

A imprensa-empresa alemã, também previsivelmente, não quer saber de prisioneiros vivos. A Itália e os italianos são diariamente ridicularizados como “infantiloides”, “ingovernáveis”, “gravíssimo risco para a eurozona”. (Por exemplo, ver Der Spiegel[3].)

O tabloide Bild, ultrapopular, inventou até nova pizza: não “Quatro Estações” [Quattro Stagioni], mas “Quatro Estagnações” [Quattro Stagnazioni].

O veredicto é uma Itália “nas mãos de palhaços-políticos que podem destruir o euro ou forçar o país a sair”. Até o liberal-progressista Der Tagesspiegel em Berlim define a Itália como “um perigo para a Europa”.

Peer Steinbruck, ex-ministro alemão das Finanças e candidato social-democrata contra Merkel em setembro próximo, resumiu: “Em certa medida, estou aterrorizado, agora que dois palhaços venceram as eleições.”

Assim sendo, seja qual for o governo que surja na Itália, a mensagem de Bruxelas, Berlin e Frankfurt é sempre a mesma: se não cortarem, cortarem, cortarem, ficarão por sua própria conta.

A Alemanha, essa, só tem um Plano A. Chama-se “Esqueçam o Club Med”. Significa integração mais íntima com a Europa Oriental (e ali, um pouco depois, na mesma estrada, a Turquia). Um acordo de livre comércio com os EUA. E mais negócios com a Rússia – a chave é a energia – e com os BRICS em geral. Digam o que digam os jornais, fato é que os think-tanks alemães já estão trabalhando com uma eurozona de duas pistas.

O povo quer alívio monetário / The people want quantitative easing
O filme, de título muito adequado, Girlfriend in a Coma [Namorada em Coma],[4] dirigido por Annalisa Piras e escrito em coautoria com Bill Emmett, ex-editor de The Economist, tentou dar conta, com algum sentido, dos vícios e virtudes da Itália.

E mesmo assim, não só via Prada ou Maserati, presunto de Parma ou vinhos Brunello, a Itália continua a ter lampejos de brilho: o melhor aplicativo do mundo – Atom, que permite personalizar as funções de um telefone celular, sem que você tenha de entender de alta programação de computadores – foi criado por quatro jovens de 20 e poucos anos, em Roma, como La Repubblica noticiou.[5]

O filósofo Franco Berardi – que nos anos 1970s participou do movimento italiano dos autonomistas – avalia corretamente que o que a Europa vive hoje é consequência direta dos anos 1990s, quando o capital financeiro sequestrou o modelo europeu e o engessou sob o neoliberalismo.

Subsequentemente, pode-se argumentar, consistentemente, que os Mestres do Universo financeiro usaram o período pós-crise financeira de 2008 para superturbinar a desintegração da União Europeia via um tsunami de cortes nos salários, precarização dos empregos para os mais jovens, achatamento das aposentadorias e privatização hardcore de tudo. Não surpreende que cerca de 75% dos italianos tenham dito “não” a Monti e Merkel.

O resumo da ópera é que os europeus – dos países do Club Med a algumas economias do norte – tenham-se cansado de ter de pagar as dívidas acumuladas pelo sistema financeiro.

O movimento de Grillo per se – apesar de seus 8,7 milhões de votos – não consegue, obviamente, governar a Itália. Algumas de suas (vagas) ideias têm enorme apelo entre as novas gerações, sobretudo no que tenham a ver com calote unilateral na dívida pública (vejam os exemplos de Argentina, Islândia e Rússia), a estatização dos bancos e uma renda “de cidadania” para todos, de 1.000 euros por mês. Daí em diante, haveria referendo e mais referendo, sobre acordos de livre comércio, participação na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e, claro, permanecer ou não na eurozona.

O que o movimento de Grillo já fez é mostrar o quanto a Europa é ingovernável sob o mantra de Monti-Merkel, da austeridade. Agora, a bola está no campo da elite financeira europeia. Muitos não se incomodariam de deixar que a Itália converta-se numa nova Grécia.

Assim, voltamos ao início. A única saída é uma reformulação política da União Europeia. No pé em que estão as coisas, a Europa assiste, impotente, a morte do estado de bem-estar, sacrificado no altar da Recessão. Assim a Europa vai rumando para a irrelevância global – apesar do Real Madrid e do Bayern de Munique.

A Queda da Casa de Europa pode vir a ser história de horror, além de qualquer coisa imaginada por Poe[6] – com elementos (já visíveis) de fascismo, exploração neo-Dickensiana de trabalhadores e guerra social, civil, ampla. Nesse contexto, a lenta reconstrução de uma Europa com base social pode tornar-se sonho movido a ópio.

O que Dante faria dessa matéria bruta? Roberto Benigni, nascido na Toscana, está atualmente lendo e comentando em profundidade os cantos XI até XXII – do Inferno de Dante, ponto alto da Divina Comédia. Assisti, boquiaberto, pela televisão, RAI – a praça em frente à fabulosa igreja Santa Croce em Florença, absolutamente lotada – à perfeição cósmica das palavras do Maestro que dão sentido a tudo isso.

Se, pelo menos, seu espírito iluminasse esses vendilhões do Inferno, de Monti a Merkel, de Silvio aos banqueiros da Europa Central – e alinhassem o Homem outra vez às estrelas e mostrasse o caminho a essa Europa atormentada.


[1] Sobre a expressão, que designa, na gíria dos EUA, no registro pejorativo: (a) alunos que adiam a formatura na escola secundária, para continuar a comer de graça na escola; (b) quem se muda da casa dos pais, mas continua a voltar diariamente para comer e lavar a roupa, ver http://www.urbandictionary.com/define.php?term=comeback%20kid [NTs].
[6] Referência ao conto magistral de Poe, “A queda da casa de Usher”. O conto pode ser lido em português em http://www.beatrix.pro.br/index.php/a-queda-da-casa-de-usher-edgar-allan-poe/ [NTs].

da Vila Vudu

quarta-feira, março 06, 2013

El comandante deixou o prédio [1]


6/3/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online

Parece filme, a história de um homem do povo que cresce, contra todas as probabilidades até se tornar o Elvis político da América Latina. Muito maior que Elvis, na verdade, presidente que venceu 13 de 14 eleições nacionais democráticas. Chance zero de alguém ver esse filme premiado com algum Óscar – nem, jamais, de ser produzido em Hollywood. A menos, é claro, que Oliver Stone convença a HBO a fazer um especial para a televisão a cabo e DVD.

Que inspirador, que iluminador assistir às reações dos líderes mundiais à morte de El Comandante Hugo Chávez da Venezuela. O presidente do Uruguai Jose Mujica – homem que rejeita 90% do salário, porque insiste que precisa de muito menos para atender às suas necessidades básicas – mais uma vez lembrou que, para ele, Chávez sempre foi “o líder mais generoso que jamais conheci”; e elogiou a “fortaleza da democracia” da qual Chávez foi grande construtor.

Compare-se isso com o presidente dos EUA Barack Obama – no que parece ser requentamento, tipo corta-cola, de circular interna da Casa Branca – reafirmando o apoio dos EUA “ao povo venezuelano”.

Estaria apoiando o mesmo “povo venezuelano” que elegeu e reelegeu Chávez, sem interrupção, desde o final dos anos 1990s? Ou é apoio só ao “povo venezuelano” que vive a entornar Martinis em Miami, enquanto demoniza Chávez como perigoso comunista do mal?

El Comandante pode até já ter deixado o prédio – o corpo derrotado pelo câncer –, mas a demonização post mortem prosseguirá para sempre. Uma das razões disso salta aos olhos. A Venezuela é dona da maior reserva de petróleo do mundo. Washington e aquela cidadela kafkiana, em ruínas, também conhecida como União Europeia vivem a cantar All You Need is Love, sem parar, aos pés daqueles fantasmagóricos, espectrais, feudais petromonarcas do Golfo Persa (nunca, claro, para “o povo”), em troca do petróleo deles. Mas, diferente disso, na Venezuela, El Comandante Chávez apareceu lá com a ideia subversiva de usar a riqueza do petróleo para, pelo menos, minorar o sofrimento dos venezuelanos. O turbocapitalismo ocidental, como é bem sabido, não faz redistribuição de riqueza nem dá força e poder a valores comunitários.

Odeio você, cabron
Segundo o Ministro de Relações Externas, o vice-presidente Nicolas Maduro – e não o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, íntimo dos chefes militares – assumirá a presidência até as próximas eleições, a serem realizadas dentro de 30 dias. Tudo autoriza a prever que Maduro será eleito. A oposição política na Venezuela é uma piada em formato de colcha de retalhos. Pode-se começar a pensar em chavismo sem Chávez – para imenso desgosto e ira infinita da vasta indústria pan-americana e pan-europeia de odiadores de Chávez.

Não aconteceu por acaso, que El Comandante tenha-se tornado imensamente popular entre “o povo”, não só em vastas regiões da América Latina mas, também, em todo o Sul Global. Esse “o povo” – e não é o mesmo “o povo” de que Barack Obama fala – viu claramente a correlação direta que há entre o neoliberalismo e a expansão da miséria (hoje, milhões de europeus estão duramente conhecendo o mesmo gosto amargo). Especialmente na América do Sul, foi a reação popular contra o neoliberalismo que desencadeou – mediante eleições democráticas – uma onda de governos de esquerda na última década, da Venezuela à Bolívia, Equador e Uruguai.

O governo Bush detestou tudo isso – para dizer o mínimo. Nada pôde fazer contra Lula no Brasil – operador inteligente que vestiu terno neoliberal (Wall Street o adorava), mas manteve o coração progressista. Washington – incapaz de pensar fora da caixa dos vícios dos golpes e mais golpes dos anos 1960s e 1970s – supôs que Chávez seria o elo fraco. Assim aconteceu, em abril de 2002, o golpe chefiado por uma facção de militares, que pôs no poder (digamos!) um rico empresário venezuelano. O golpe, apoiado pelos EUA, durou menos de 48 horas; Chávez foi devidamente reimpossado, apoiado pelo “o povo” (o verdadeiro) e grande parte do Exército.

Exatamente por isso, nada há de surpreendente em Maduro ter anunciado, algumas horas antes da morte de El Comandante, que dois empregados da embaixada dos EUA estavam sendo expulsos do país: o adido David Delmonaco e o adido-assistente Devlin Costal. Delmonaco foi acusado de fomentar – e o que mais essa gente “fomenta”?! – um golpe, com alguns grupos de militares venezuelanos. Esses gringos não aprendem!

Há entre os chavistas imensíssima suspeita de que El Comandante tenha sido envenenado – e bem se pode prever algum tipo de replay talvez um pouco mais complexo do que aconteceu a Yasser Arafat em 2004. Pode ter sido envenenado por Polônio-210 radiativo, como no caso de Arafat. A CIA, menina dos olhos de Hollywood, talvez tenha também algumas ideias sobre mais esse assassinato.

Estou todo mexido... [2]

Está aberto o veredicto sobre que exato tipo de revolucionário foi Chávez. Sempre elogiou todos, de Mao a Che, no Pantheon revolucionário. Sem dúvida foi líder popular muito habilidoso, com fino olhar geopolítico para identificar os padrões centenários de subjugação da América Latina. Daí suas repetidas referência à tradição revolucionária hispânica, de Bolívar a Martí.

O mantra de Chávez era que a única saída para melhor futuro na América Latina teria de ser a integração; daí os muitos e muitos mecanismos que criou e impulsionou, da ALBA (Aliança Bolivariana) a Petrocaribe, do Banco do Sul à UNASUL (União dos países latino-americanos).

Quanto ao seu “socialismo do século 21”, que escapava de todas as camisas-de-força ideológicas, fez mais para explorar o verdadeiro espírito dos valores comuns e partilhados – como um antídoto contra a putrefação do capitalismo financeiros super turbinado – que toneladas de análises acadêmicas neomarxistas.

Não surpreende que, para a gangue e asseclas de Goldman Sachs, Chávez pareça mais perigoso que a Peste Negra. A Venezuela comprou jatos Sukhoi de combate; criou e aprofundou laços estratégicos com dois grandes BRICS, Rússia e China – além de outros atores em todo o Sul Global; mantém mais de 30 mil médicos cubanos em treinamento de medicina preventiva, vivendo em comunidades pobres –, o que gerou uma explosão de jovens venezuelanos estudando medicina.

Números impressionantes contam grande parte da história que tem de ser conhecida. O déficit público na Venezuela não passa de meros 7,4% do PIB. A dívida pública alcança apenas 51,3% do PIB – muito abaixo da média da União Europeia. O setor público – ao contrário do que pretendem as apocalípticas acusações de “comunismo!” – equivale a apenas 18,4% da economia, menos que a estatizada França e que toda a Escandinávia. Em termos de geopolítica do petróleo, as quotas são estabelecidas pela OPEC; assim, o fato de que a Venezuela esteja exportando menos para os EUA implica que está diversificando seu portfólio de clientes (e exportando mais e mais para a China, parceira estratégica).

E eis o grande trunfo: a pobreza desgraçava 71% dos cidadãos venezuelanos em 1996. Em 2010, a porcentagem já fora reduzida para 21%. Para análise séria da economia venezuelana na era Chávez, vide http://venezuelanalysis.com/analysis/7513.

Anos atrás, foi preciso que aparecesse um romancista soberbo, como Garcia Marquez, para ver e explicar que o segredo de El Comandante estava em ele ser o grande Comunicador; era um deles (do seu “povo”, não no sentido de Barack Obama); da aparência física às atitudes e maneirismos, à cordialidade, ao palavreado (o mesmo se aplicava a Lula, em relação a muitos brasileiros).

Assim sendo, enquanto Oliver Stone sonda o mercado cinematográfico, temos de esperar por algum Garcia Marquez, que eleve Chávez ao Walhalla literário. Uma coisa é certa: em termos da narrativa do Sul Global, a história recordará que El Comandante, sim, deixou o prédio. Mas, depois dele, o prédio nunca mais foi o mesmo.


[1] A expressão tradicional, já idiomática, é Elvis has just left the building [Elvis deixou o prédio], expressão que se usava, ao final dos concertos de Elvis Presley, para que a multidão se dispersasse. Frank Zappa usou a expressão como título da trilha de abertura do álbum “Broadway the Hard Way” (ouve-se em http://www.youtube.com/watch?v=mvNV5IxxB4A) [NTs].
[2] Orig. All shook up, rock and roll que Elvis Presley gravou em 1957, que se ouve em http://letras.mus.br/elvis-presley/31545/ (mais sobre a canção em http://en.wikipedia.org/wiki/All_Shook_Up ) [NTs].

da Vila Vudu