quinta-feira, maio 18, 2006

Violência sem fim?

José Dirceu
Ex-ministro-chefe da Casa Civil
[18/MAI/2006]

O segundo artigo que escrevi como colaborador do JB, em 24/2/2006, tinha esse título e tratava, exatamente, da guerra que estávamos e "estamos perdendo para o crime organizado e o narcotráfico, conseqüência da guerra já perdida, no passado, para a pobreza e a desigualdade".

Os acontecimentos do final de semana no Estado de São Paulo só demonstram que a situação é muito mais grave. Estamos, na verdade, vivendo uma guerra civil, já que o crime organizado quer impor-se como uma força paralela ao Estado de Direito e usa a população civil, desarmada, como escudo para sua ofensiva de ataques e atentados.

Quando o crime organizado ataca o Estado, suas instituições judiciais e força policial, os meios de transportes, o comércio e os bancos, impõe-se como força militar, paralisando os sistemas social e econômico e exige, da sociedade e do governo, uma resposta à altura. Caso contrário , teremos uma escalada de ações criminosas e militares de organizações como o PCC e congêneres, numa tática de avanços, negociações e de recuos já conhecida dos especialistas na luta contra o terror político ou, simplesmente, criminoso.

A verdade é que a iniciativa está nas mãos do crime organizado. O que vemos, hoje, é o Estado na defensiva, acuado. O governo de São Paulo não se preparou para as medidas – a transferência de presos – que adotou com o objetivo de paralisar a ação criminosa do PCC. Mais grave, recusou a oferta de apoio dos órgãos federais de segurança nacional, o Exército e a Força Nacional.

Um apoio que, certamente, reduziria as dimensões da tragédia que deixou 124 mortos até terça-feira, pois o papel das forças federais de segurança pública, já testado no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, com sucesso imediato e tático, é o de deter, é o de colocar na defensiva e, quando possível, destruir a força militar do crime organizado. A partir daí, criam-se as condições para que o Estado possa tomar medidas de caráter social e político para enfrentar a luta, de longo prazo, contra as organizações criminosas.

A ação do governo de São Paulo foi desastrosa e desastrada. Informado de que o PCC reagiria, não tomou medidas preventivas nem alertou a sociedade que, desprevenida, foi vítima dos ataques criminosos, da desinformação e dos boatos que formaram caldo de cultura para espalhar o pânico e o terror.

Sem um pronunciamento firme das autoridades estaduais, que lhe conseguisse dar segurança, a população viu-se desamparada e refém da barbárie que tomou conta das ruas e que cobrou dezenas de vidas das forças policiais, despreparadas e indefesas frente à fúria e a covardia da ação do PCC.

Pior foi o comportamento político-eleitoral do atual governador de São Paulo, Cláudio Lembo, que recusou o apoio do governo federal, sem nenhuma justificativa de segurança pública ou de estratégia para enfrentar a ação do PCC. Assim, assistimos, ali, à capitulação do Estado ao crime organizado. Segundo o noticiado pela imprensa, o governo de São Paulo travou negociações secretas com o PCC e fez, na prática, um armistício com a organização criminosa, o que deteve sua ação. E, na reação aos ataques, suspeita-se da ação criminosa, também, do Estado, no assassinato a sangue frio da mãe e do irmão de um dos líderes do PCC, o "Capetinha".

A discussão das medidas para quebrar os tentáculos do crime organizado – tema de meu próximo artigo – é uma reedição do que ocorreu em 2001, logo após a mega-rebelião que envolveu os presídios de São Paulo, quando Geraldo Alckmin era governador.

Medidas não implementadas, não por dificuldades técnicas, mas por falta de vontade política como, por exemplo, a interrupção da comunicação, via telefones celulares, entre os presídios e as ruas.

As antenas celulares continuam a garantir comunicação aos presídios instalados fora das áreas urbanas, quando poderiam ser desligadas sem maiores prejuízos à população, e só oito presídios foram equipados com sistemas bloqueadores de telefonia celular.

A ação irresponsável e relutante das autoridades do governo de São Paulo diante da crise anunciada, e a não adoção de medidas consistentes ao longo dos anos estão na base da guerra civil que tomou presídios e ruas das cidades paulistas. Que se imponha o interesse nacional e o poder do Estado. O resto é politicalha contra o povo.

José Dirceu escreve às quintas-feiras nesta página.

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