terça-feira, maio 16, 2006

O crime acelera no vácuo do governo estadual

Por João Felício

A onda de violência coordenada que atingiu São Paulo nos últimos dias deixou à mostra, com evidência pouco comum, o vazio institucional instalado não só no governo estadual, mas também na prefeitura.
À primeira vista, o fato de o comandante da Polícia Militar ter exercido, de fato, o papel de representante do Estado durante a entrevista coletiva de ontem à noite e, mais discretamente, ao longo de todo o dia, pode parecer um sintoma do pânico instalado.
Mas, visto da perspectiva de 12 anos de governo do PSDB, esse vazio institucional pode muito bem ser encarado como uma das raízes, e das mais importantes, da guerra urbana que o Estado acompanhou, atônito.
Cláudio Lembo, alçado à condição de governador, mostrou não estar à altura da tarefa. A recusa em aceitar a ajuda federal e a patética declaração "está tudo sob controle", somadas à inacreditável afirmação de que o governo estadual sabia havia 20 dias do risco da ação criminosa, não deixam dúvida de que a troca de comando no governo foi tão atabalhoada quanto a transferência de presos e o interrogatório realizado no Deic, apontados como o motivo do ataque a policiais e sociedade.

Embora a grande imprensa tenha se recusado a lembrar momentos comprometedores do ex-governador e atual candidato a presidente, boa parte da população não se esquece de que, em 2001, Geraldo Alckmin prometeu instalar bloqueadores de celular em todas as unidades prisionais. Agora, mais uma vez, a existência de celulares dentro dos presídios foi apontada como ferramenta de organização do crime organizado.

Mesmo que os jornais tenham preferido ocultar as imagens de entrevista coletiva de novembro de 2002, em que o diretor do Deic, delegado Godofredo Bittencourt, anunciou que o PCC havia acabado, boa parte da população não se esqueceu da bravata.

Nesse cipoal de desinformação, merece destaque a cobertura feita pelo Jornal dos Trabalhadores, nosso programa diário de rádio, que, ao contrário da grande imprensa, lembrou desses fatos constrangedores nas edições de ontem e de hoje. Foi o único veículo de comunicação que teve a coragem de questionar a autoridade do atual secretário de Segurança e sugerir que ele deixe o cargo.

A prefeitura da capital também foi poupada pela imprensa, mas o fato é que nada se viu de extraordinário, por parte do prefeito Gilberto Kassab, para ajudar no policiamento da cidade. A Guarda Civil Metropolitana não anunciou nenhuma ação coordenada com a PM.

As tristes mortes de civis e policiais, incluindo entre eles um bombeiro e um guarda florestal, não podem, evidentemente, ser atribuídas a uma única razão. Este Brasil complexo, cheio de contrastes e injustiças, sempre às voltas com lutas políticas que inviabilizam mudanças consistentes e de longo prazo, é terreno fértil para episódios vergonhosos como o que assola São Paulo.

Mesmo assim, é revoltante assistir o ex-governador Alckmin, cândido, declarar que seu governo foi implacável no combate ao crime e ainda sugerir que a culpa é do governo federal. Segundo informação de primeira página do jornal O Globo desta terça-feira, o governo paulista cortou R$ 174 milhões do orçamento da segurança nos últimos cinco anos. Tamanho cinismo do ex-governador deveria ser tipificado no Código Penal.

Neste momento, a atitude que devemos adotar é de apoiar o combate emergencial ao crime e a retomada do que se convencionou chamar normalidade. Mas não podemos esquecer de imensas trapalhadas do governo estadual de São Paulo, incluindo a denúncia da Folha de São Paulo de ontem, informando que emissários de Cláudio Lembo negociaram com o crime organizado uma saída para crise, enquanto recusava ajuda federal.

A solução para esse monstro guardado no armário, sempre à espera de um momento de lá sair e apavorar a sociedade, exige muitas e diversificadas ações, algumas talvez sequer imaginadas até o momento. Não resta dúvida, no entanto, de que justiça social e distribuição de renda, com o suporte de políticas públicas abrangentes e continuadas, é condição essencial.

A CUT, que defende a mudança do modelo prisional brasileiro, já presta sua parcela de contribuição para que ela ocorra, através da aplicação do programa de alfabetização para adultos Todas as Letras em diversas unidades prisionais no país, não importando qual o partido ocupa prefeituras ou estados. O espírito que nos orienta nessa ação bem que poderia servir de exemplo.

João Felício é presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e secretário Sindical Nacional do PT.