quarta-feira, julho 24, 2019

O modo lúmpen de estar no mundo



Por Cristóvão Feil (*)
27/04/2004 00:00

Zygmunt Bauman exalta a capacidade da narrativa dos romancistas de iluminarem os meandros da experiência humana de estar no mundo. O grande sociólogo contemporâneo, nascido na Polônia, faz essa constatação para espicaçar a academia e o que ele considera a alienação de alguns profissionais de ciências sociais. Para Bauman, a literatura consegue alcançar os interstícios, as frinchas da realidade, onde a pesquisa sociológica jamais chegou. Para ele, os literatos são capazes de “reproduzir a não-determinação, a não-finalidade, a ambivalência obstinada e insidiosa da experiência humana e a ambigüidade de seu significado”. E para ilustrar cita Borges, Tolstói, Balzac, Dickens, Dostoiévski, Kafka, Thomas Morus. Mas poderia ter citado um conterrâneo seu, que, a exemplo dele, fez a sua vida profissional na Inglaterra e, portanto, em língua inglesa, que foi Joseph Conrad.

Conrad é o autor de “O coração das trevas”, alegoria (uma seqüência de metáforas) sobre as conquistas coloniais do capitalismo concorrencial do século 19. Barra pesada. Se Marx, n’O Capital, já havia ido fundo nas denúncias ilustrativas das desumanidades do moderno sistema produtor de mercadorias nas suas fases de acumulação primitiva e concorrencial, Conrad agudiza sua literatura até o ponto do horror. O personagem narrador é Marlow, protagonista de uma aventura que penetra “nos sombrios domínios do inferno particular” de uma empresa privada, exploradora de marfim na África. Homens-bagaço sugados à exaustão. Canibais recrutados como mão-de-obra informal e que, impedidos da dieta alimentar correspondente a sua condição antropológica, dedicam-se a engolir carne podre de hipopótamo, e cujo salário se resume a três pedaços de arame por semana, preciosa moeda de troca naqueles “confins de ermas solidões”. Conrad cria nesse romance um personagem mítico chamado Kurtz (depois decalcado no filme de Coppola, Apocalypse Now [1979], completamente fora desse contexto), um sujeito internado no coração das trevas, uma ponta de lança do capitalismo, agente avançado da modernidade burguesa no seio da barbárie, cuja fortaleza-sede é decorada com cabeças humanas genuínas, para mostrar com quem estão falando. “Toda a Europa contribuíra para a confecção de Kurt” – escreve Conrad. Ele é a síntese mais acabada do etos da modernidade. A Sociedade Internacional para a Supressão dos Costumes Bárbaros (e só falta Conrad completar, debochadamente, “...e pró adoção de modernos barbarismos”) confiou a Kurtz o preparo de um relatório sobre a África. O relatório contém pérolas do tipo: “nós os brancos, considerando o progresso que já tínhamos alcançado, devemos forçosamente ser encarados por eles (os selvagens) como seres sobrenaturais”; “chegamos a eles investidos dos poderes de uma divindade”; para concluir com a aterradora sentença de morte – “Exterminemos todos os bárbaros!”. As semelhanças fundamentalistas com a presente conjuntura mundial não são mera coincidência.

Bem antes de Michel Foucault, Conrad já denunciava, através de sua literatura, o discurso da “luta de raças” funcionar como princípio de eliminação, de segregação e, finalmente de normalização da sociedade (Foucault)...

Veja, também, que Conrad aponta o uso astucioso do imaginário mágico-mítico das populações autóctones. Kurtz, o homem-síntese da Europa civilizada, da Europa duas vezes desencantada-desmagificada-racionalizada-intelectualizada (Max Weber), tanto pela ética religiosa judaico-cristã, quanto pelo espírito do racionalismo científico, não hesita em lançar mão de expedientes considerados primitivos, como a idolatria e o sobrenatural, com objetivos de submissão, conquista e normalização.

Alguns comentadores (nem chegam a ser críticos) afirmam levianamente que Kurtz enlouquece na selva, que perde o juízo, tendo em vista a selvageria e a barbárie com as quais convive por anos a fio. Nada mais etnocêntrico. Como se a hipotética “loucura” viesse de fora, como se fosse inoculada pela relação promíscua com os selvagens. Considerar assim seria uma simplificação grosseira, além, de irrelevante. Como indivíduo, ele, de fato, fica sensivelmente abalado com o que provocou naquele lugar: “O horror! O horror!” Mas como agente social da modernidade burguesa, Kurtz tem as taxas de lucidez e as taxas de demência em doses flutuantes de equilíbrio e controle racionais para, tanto impor sua vontade de predador da Natureza (humana, animal e vegetal), quanto para – com método e determinação – traficar espíritos, força de trabalho semi-escrava e mercadorias com objetividade de propósitos sincronizados a uma rede de negócios comerciais na distante Europa. Onde está a loucura disso? Muito ao contrário, sente-se o tom permanente da acuidade, da expertise, da logística complexa e da organicidade sistêmica em todas essas ações gerenciais de predação da Natureza, nas suas várias formas de vida. É a “arte da guerra” a serviço da rapinagem comercial. E a rapinagem não é somente de elefantes e seus cobiçados marfins, ela corrompe por igual o ambiente inteiro, dissolvendo, sobretudo, o homem e a sua cultura. A cogitada “loucura” de Kurtz é como o procedimento do feiticeiro – lembrado por Marx, no Manifesto – que, incapaz de controlar os poderes ocultos desencadeados por seu feitiço, vê-se vítima de seus efeitos. Os danos causados, no limite, levam perigo ao próprio empreendimento colonial europeu, seus patrões. A “loucura” é – a rigor – um lento processo de lumpenização do personagem. Kurtz não enlouquece, transforma-se num lúmpen. Em alguém que se descola de sua classe e, incapaz de voltar ao seio de uma vida burguesa, torna-se um marginal imprudente que coloca em risco a mecânica do sistema. Simbolicamente, ele seria o lúmpen fundamental, o lúmpen essencial.

Como um Fausto lúmpen pós-moderno, se envenena com as emanações maléficas de seus próprios feitos. Se o Fausto de Göethe era moderno, o Fausto lúmpen representa a pós-modernidade. Vive os limites fisiológicos do dia-a-dia. Como um cão que desconhece o seu futuro, o lúmpen pós-moderno só tem o presente. Vive tão-somente a unidimensional existência fisiológica, como qualquer animal.

O trem do capitalismo já passou pela estação da modernidade e transita agora pela estação da pós-modernidade. Cada vez menos setores, classes e indivíduos cabem nesse sinistro trem da história. Abandonados pelo caminho, vão sobrando todos os rejeitos do moderno sistema produtor de mercadorias. O lúmpen é a escumalha que fica no rastro desse itinerário perverso. O grande personagem pós-moderno é o lúmpen, “o lixo de todas as classes”, “massa desintegrada” (Marx), desgovernada que é vomitada pelo sistema, todos os dias. Cresce como cogumelo na vida social contemporânea. Estamos em plena invasão lúmpen, fenômeno dinâmico que produz um etos, uma cultura e perfis sociológicos que lhes correspondem. Há punhados de exemplos. O mais recente no Brasil é o da proliferação dos bingos, jogo-lúmpen que servia de fachada para toda a sorte de atividade marginal e anti-social. Felizmente o governo federal teve a coragem de fazer cessar essas usinas de lumpesinato. Em que pese, o causador dessa proibição ter sido outro personagem lúmpen que assola a República, o do barbabé-quadrilheiro que trafica influências e recursos públicos para fins pessoais e privados. A crescente criminalização da vida social é uma derivação da dinâmica lúmpen. O crime passa a constituir-se em força produtiva e meio de vida para milhões de pessoas. Manifesta-se, no plano econômico, de múltiplas e criativas formas: “acordos e cartéis, abusos de posição de liderança, dumping e vendas casadas, delitos de iniciados e especulação, absorção e desmembramento de concorrentes, balanços falsos, manipulações contábeis e de preços de transferências, fraude e evasão fiscal por filiais off shore e sociedades virtuais, desvio de créditos públicos e mercados fraudados, corrupção e comissões ocultas, enriquecimento ilícito e abuso de bens sociais, vigilância e espionagem, chantagem e delação, violação do direito do trabalho e da liberdade sindical, da higiene e da segurança, das cotizações sociais e ambientais” (Brie). A vanguarda é o lúmpen.

A lavagem de fundos ilícitos pelos principais bancos dos Estados Unidos constitui uma fonte importante de fluxos externos para aquele país. Uma subcomissão do Senado americano calculou essa cifra em torno de 500 bilhões de dólares/ano. São recursos de múltipla origem: desde o narcotráfico, máfia russa e japonesa até o caixa dois de companhias multinacionais, depósitos de paraísos fiscais “legalmente” tolerados. Tráfico de tudo: novos narcóticos sintéticos, cocaína, armamento pesado, órgãos humanos, alta prostituição, falsificação de grifes (muitas vezes pelos próprios proprietários, com o intuito de aproveitar o crescente mercado-lúmpen informal em todas as grandes cidades do mundo), pirataria na informática e na indústria fonográfica, o tráfico de animais (só este tráfico, movimenta anualmente cerca de 20 bilhões de dólares), etc.

Toda a inteligência e logística estatal norte-americana do serviço secreto que era empregado na Guerra Fria onde opera, hoje? Ganha um doce quem disser que é na nova guerra econômica pela americanização de fundos legais e ilegais (fundos-lúmpen), tanto faz. A moeda é uma mercadoria vil que procura proteção máxima; e os EUA podem dispor de meios para garantir-lhe segurança e rentabilidade.

O comércio mundial anual situa-se, hoje, “ao redor de 5 trilhões de dólares, calcula-se que 20% por via do crime, ou 1 trilhão de dólares” (Brie). Essa riqueza-lúmpen é administrada lisa e serenamente pelos grandes bancos do planeta, por grandes escritórios de advocacia, mega-corretores, intermediários diversos, gerentes e diretores de trustes e fiduciárias, constituindo um bolão-lúmpen que é lavado todos os dias, em quantidades parcelares, pela chamada economia legal. Essa mega lavanderia-lúmpen cobra pedágio em vidas humanas. A Rocinha é apenas um exemplo nacional que ilustra essa internacional-lúmpen da violência naturalizada.

O crescimento mundial da dinâmica lúmpen é um indicativo evidente da enfermidade estrutural do sistema produtor de mercadorias. Os filhos de Kurtz proliferaram e querem ser vanguardas da anomia social. O modo lúmpen de estar no mundo é o último capítulo da saga Iluminista. A montanha liberal pariu ratos que roem a humanidade do homem. À esquerda acomodada, restam apenas podres poderes.

Na foto: Joseph Conrad


(*) Cristóvão Feil é sociólogo e ensaísta. 

 

Esse conceito de lumpen-burguesia é um conceito fundamental para entender o Brasil pós golpe 2016. Aquela sessão da câmara de 17 de abril de 2016, comandada por Eduardo Cunha e pela Globo, é a evidência máxima do conceito de lumpen-burguesia.


Xadrez da natureza do governo Bolsonaro, por Luis Nassif


Peça 1 – elite, povo e lumpem

Uma das peças centrais do governo Bolsonaro é o desmonte de qualquer forma de proteção social e de regulação capitalista da economia. Embrulha tudo isso na embalagem do empreendedorismo e da liberdade de atuação das empresas.
Mas não se trata nem de um representante da elite, nem do proletariado, nem do empreendedorismo. A divisão é outra: é entre a economia formal e a economia da zona cinza, ou irregular ou criminosa.

LEIA TUDO AQUI: https://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-da-natureza-do-governo-bolsonaro-por-luis-nassif/

MAIS...

O retorno da fome e a lumpen-burguesia nacional




O Brasil do golpe do pato amarelo e de Temer vai retornando ao mapa mundial da fome.
Um vexame internacional. O próprio golpe, executado em nome do combate às “pedaladas fiscais”, logo a seguir “destipificadas” pelos algozes de Dilma, foi um vexame!
Mas não se enganem. A nossa burguesia – ou pelo menos grande parte dela – é indiferente a isso. Nesse momento está comemorando a deflação e a diminuição de assalariados em aeroportos. E pressionando o Congresso Nacional para fazer as reformas trabalhista e previdenciária.
Mas nada é tão ruim que não possa piorar, nossa burguesia é entreguista. E lá se vai o pré-sal, um sinal ao Império para que os ianques saibam: os súditos fiéis retomaram o galinheiro tupiniquim!

LEIA TUDO AQUI: https://jornalggn.com.br/noticia/o-retorno-da-fome-e-a-lumpen-burguesia-nacional/. 

MAIS... 

Origem e apogeu das lumpen-burguesias latino-americanas


13 de Maio de 2016, por Jorge Beinstein


Elites econômicas e decadência sistêmica [1]

O salvamento do México. Após a chegada de Maurício Macri à presidência em alguns círculos acadêmicos argentinos desencadeou-se a reflexão acerca do "modelo económico que a direita estava a tentar impor. Tratou-se não só de bisbilhotar os curricula vitae de ministros, secretários de Estado e outros altos funcionários como também, sobretudo, da avalanche de decretos que desde o primeiro dia de governo foi precipitada sobre o país. Procurar uma coerência estratégica nesse conjunto era uma tarefa árdua que a cada passo se chocava com contradições que obrigavam a abandonar hipóteses sem que se pudesse chegar a um esquema minimamente rigoroso. A maior delas foi provavelmente a flagrante contradição entre medidas que destroem o mercado interno para favorecer uma suposta onda exportadora, evidentemente inviável diante do recuo da economia global. A outra foi a subida das taxas de juro que comprimem o consumo e os investimentos à espera de uma ilusória chegada de fundos provenientes de um sistema financeiro internacional em crise – que a única coisa que pode oferecer é a montagem de bicicletas especulativas . 


Alguns optaram por resolver a questão adoptando definições abstractas tão gerais quanto pouco operacionais ("modelo favorável ao grande capital", "restauração neoliberal", etc), outros decidiram continuar o estudo mas cada vez que chegavam a uma conclusão satisfatória surgia um novo fato que deitava-lhes abaixo o edifício intelectual construído e, finalmente, uns poucos, dentre os quais me encontro, chegaram à conclusão de que procurar uma coerência estratégia geral nessas decisões não era uma tarefa fácil nem tão pouco difícil e sim simplesmente impossível. A chegada da direita ao governo não significa a substituição do modelo anterior (desenvolvimentista, neokeynesiano, ou como se queira qualificar) por um novo modelo (elitista) de desenvolvimento e sim, simplesmente, o início de um gigantesco saqueio onde cada bando de salteadores obtém o botim que consegue no menor tempo possível e logo depois de conseguido luta por mais à custa das vítimas mas também, se necessário, dos seus competidores. A anunciada liberdade do mercado não significou a instalação de uma nova ordem e sim a implantação de forças entrópicas. O país burguês não realizou uma reconversão elitista-exportadora, na verdade submergiu-se num gigantesco processo destrutivo. 

LEIA TUDO AQUI: http://www.iela.ufsc.br/noticia/origem-e-apogeu-das-lumpen-burguesias-latino-americanas 

O hacker de Sérgio Moro - Resumo da ópera, Moro acha que consegue escapar usando mais uma vez a PF e a Globo no padrão lavajato. No caso da PF está usando recursos públicos para enganar a sociedade. Até quando?

BODES E TRAMBICAGENS DA LUMPEN-BURGUESIA BRASILEIRA


Polícia Federal prende célula do Estado Islâmico que planejava atentado na Olimpíada


Grupo de jovens brasileiros se organizava para comprar armas; um dos investigados havia jurado lealdade ao EI - na revista Época da Globo -

FILIPE COUTINHO E DIEGO ESCOSTEGUY
21/07/2016 - 11h00 - Atualizado 21/07/2016 22h54 
 
MAS...
 
Um fiasco olímpico

Deflagrada 15 dias antes da Olimpíada, Operação Hashtag foi marcada por suspeitas de infiltrações, denúncia anônima e espetáculo; ação levou à primeira condenação por terrorismo no Brasil – e a um linchamento -  Especial: Wikileaks – Cablegate
Especial: Olimpíada 2016

“Dez suspeitos de terrorismo na cadeia.” A frase de abertura do Jornal Nacional, da TV Globo, o de maior audiência no país, no dia 21 de julho de 2016, duas semanas antes da abertura da Olimpíada do Rio, apresentou aos telespectadores a fase ostensiva da Operação Hashtag, da Polícia Federal (PF). Naquela quinta-feira, dez suspeitos de “planejar ataques durante a Olimpíada” haviam sido presos em dez estados brasileiros, segundo o telejornal. A notícia ocupou 14 minutos do noticiário, com imagens de suspeitos algemados sendo transferidos para o presídio de segurança máxima de Campo Grande (MS), entremeadas por diversas intervenções do então ministro da Justiça Alexandre de Moraes, cuja fala dominou a edição do dia.

Moraes convocara, horas antes, uma entrevista coletiva em Brasília para detalhar uma operação que, naquele momento, seguia sob segredo de Justiça. O caráter de urgência que impregnava a fala do ministro, e o próprio tom do noticiário naquela noite, parecia, porém, não condizer totalmente com os fatos narrados. LEIA TUDO AQUI: https://apublica.org/2017/05/um-fiasco-olimpico/
 
E... 
 
O Brasil já tem um bode espiatório para chamar de hacker e mostra que já viramos Fahrenheit 451

https://www.apostagem.com.br/2019/07/23/o-brasil-ja-tem-um-bode-espiatorio-para-chamar-de-hacker-e-mostra-que-ja-viramos-fahrenheit-451/
 
ENQUANTO ISSO... 

Bolsonaro entrega o controle da BR Distribuidora. Vende-se a mãe, aos pedaços


Segunda maior empresa brasileira em faturamento.
Oito mil postos de combustível.
14 mil grandes clientes diretos – empresas aéreas, asfaltos, transporte, produtos químicos, etc…
Essa era a estatal BR Distribuidora, sobre a qual o Brasil perdeu o controle acionário.
Segundo a Época, “a Petrobras acaba de vender 35% da BR Distribuidora por US$ 2,5 bilhões, cerca de R$ 9 bilhões, para 160 investidores de diferentes países, a exemplo de Reino Unido, Canadá e Estados Unidos, entre outros”.
Como Temer já havia vendido 28% da empresa em 2017, numa operação na Bovespa, agora 63% da empresa – e, claro, o seu controle – o Estado brasileiro perde participação nos lucros – imensos – da empresa.
Em 2018, R$ 3,2 bilhões.
Grande negócio, mas não para o povo brasileiro.
A Petrobras, dizem eles, não vai ser vendida. É sagrada como mãe.
Por isso a picam aos pedaços: vende-se campos de petróleo, gasodutos e, agora, a distribuição, segmento mais lucrativo.
Na visão da corja entreguista – inclusive a militar – que está no poder, não se pode vender a mãe, mas os pedaços da mãe, pode.

http://www.tijolaco.net/blog/bolsonaro-entrega-o-controle-da-br-distribuidora-vende-se-a-mae-aos-pedacos/
 

Cenas de racismo, injúria, asneiras, censura, virulência... Bolsonaro e ...

terça-feira, julho 16, 2019

Bob Fernandes traz quem falta na “Vaza Jato”: os delegados da PF de Moro. Veja

Em um vídeo postado há pouco no seu canal do Youtube, o jornalista Bob Fernandes traz à cena algo que está um terceiro ou quarto plano nas últimas revelações sobre a Lava Jato: o papel da Polícia Federal, o braço operacional de parceria espúria firmada em Curitiba entre a “Força Tarefa” e Sérgio Moro.
Fernandes lembra que todos os “chefões” da PF no período áureo da Lava Jato foram guindados por Moro a postos de comando nacional da instituição ou a cargos do Ministério.
Ele repassa e explica caso das gravações clandestinas, feita por ordens dos delegados, em celas de prisioneiros da PF, das quais, com certeza, saíram informações que seriam, adiante, muito úteis, ainda que ilegais, à ação do MP.
Vale, como sempre, ouvir Bob Fernandes: organiza e esclarece o pensamento, em meio a esta chuva de revelações deprimentes.

http://www.tijolaco.net/blog/bob-fernandes-traz-quem-falta-na-vaza-jato-os-delegados-da-pf-de-moro-veja/

A Polícia Federal de Moro comanda... a Polícia Federal... E Procuradores...

UM DIA DE MATAR... O BRASIL RESPIRA POR APARELHOS

Toffoli, de punitivista a garantista, conforme o réu



O amor ao poder, como outros amores, é lindo. Amansa, torna o coração generoso, ameniza a fúria e atenua os gestos.
O ministro Dias Toffoli, nos tempos recentes um furioso punitivista, subitamente converteu-se ao garantismo judicial.
Não pode mais haver, por conta do caso Flávio Bolsonaro, investigação sobre movimentações bancárias suspeitas registradas pelo Coaf sem que, antes, tenha havido para isso uma autorização judicial fundamentada.
Do outro lado, também se fez a paz: os bolsominions, que sugeriam ir à guerra para que não se tirasse o Coaf das mãos de Sérgio Moro porque isso seria dar proteção aos “corruptos” estão bem quietos e felizes, porque hão de parar, por um tempo, com esta história desagradável de laranjais bolsonaristas.
http://www.tijolaco.net/blog/toffoli-de-punitivista-a-garantista-conforme-o-reu/


Sem verbas para pagar as contas, UFMT tem luz cortada

Como resultado dos cortes nas verbas da Educação pelo governo Jair Bolsonaro, a UFMT enfrenta dificuldades para pagar as despesas básicas; com 6 contas em aberto, a universidade teve a luz cortada nesta terça (16)
UFMT 1
 https://www.brasil247.com/brasil/sem-verbas-para-pagar-as-contas-ufmt-tem-luz-cortada


Cortes de Bolsonaro miram educação, defesa nacional, estatais, habitação e cidadania

Um estudo divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos de Brasília apresentou um retrato dos setores mais atingidos pelo contingenciamento de R$ 31 bi no orçamento federal, até junho; os dados mostram que as áreas mais atingidas foram educação, defesa nacional, habitação, as estatais brasileiras e os direitos de cidadania




Policiais agridem estudantes na porta do MEC

https://www.youtube.com/watch?v=LwivrGj0LT8&feature=youtu.be


O simbólico e o abismo: ou porque devemos temer a destruição da Lava a Jato, por Fernando Horta

Ninguém aceita pacificamente a morte dos seus deuses. Ainda mais aqueles que lucram, vivem e se diferenciam socialmente do resto pela existência deste mundo simbólico.

https://jornalggn.com.br/artigos/o-simbolico-e-o-abismo-ou-porque-devemos-temer-a-destruicao-da-lava-a-jato/


Mais um ministro do STF cai na Vaza Jato: desta vez, é Barroso https://www.brasil247.com/poder/em-nova-conversa-moro-e-deltan-falam-sobre-jantar-com-luis-roberto-barroso?utm_source=notification-mobile&utm_medium=notification#.XS5X79IKAOg.whatsapp. A OAB deveria tentar explicar para o público em geral como se sente um advogado que tenha uma causa nas mãos desse grupelho. É melhor entregar logo os pontos ou fingir que se defendeu pra reduzir a pena?


Editor do Intercept diz que Fux, Fachin e Barroso precisam provar que não são capachos da Lava Jato

Depois de Fux ("In Fux we trust") e Fachin ("Aha uhu o Fachin é nosso") já terem aparecido nos diálogos, agora é a vez de Barroso. 


DELATOR DA ODEBRECHT FALA QUE FOI COAGIDO A DENUNCIAR LULA

DELTAN VAI AO BEACH PARK #meteoro.doc

Ministério da Saúde suspende contratos para fabricar 19 remédios do SUS; mais de 30 milhões serão afetados - PARA ENTENDER A GRAVIDADE DA SUSPENSÃO - Já o representante de um laboratório de São Paulo, que falou com o Estado sob a condição de não ter o nome divulgado, disse que a suspensão das parcerias vai criar um problema de saúde e afetar uma cadeia econômica “imensa”, expondo o Brasil à insegurança jurídica. Ele cita como exemplo uma planta industrial no valor de R$ 500 milhões, construída em uma parceria de um laboratório privado com o Instituto Butantã e financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Essa planta toda fica obsoleta. Toda cadeia econômica está severamente afetada”, disse. O presidente da Bahiafarma e da Associação dos Laboratórios Oficiais do Brasil (Alfob), Ronaldo Dias, vê retrocesso para a indústria nacional de medicamentos e um risco para a saúde de milhões de pacientes. O laboratório é um dos que tiveram seus contratos suspensos. “É um verdadeiro desmonte de milhões de reais de investimentos que foram feitos pelos laboratórios ao longo dos anos, além de uma insegurança jurídica nos Estados e entes federativos. Os laboratórios não têm mais como investir a partir de agora. A insegurança que isso traz é o maior golpe da história dos laboratórios públicos.” O representante do setor destaca que as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) também funcionam como um regulador de preço no mercado. Ele explica que a Bahiafarma, por exemplo, vende insulina a um preço três vezes menor que laboratórios estrangeiros. Dias ressalta que um processo de compra de medicamento no Ministério da Saúde costuma demorar até 11 meses para ser concluído. Por isso, haveria até risco de desabastecimento.


Ministério da Saúde suspende contratos para fabricar 19 remédios do SUS; mais de 30 milhões serão afetados
Presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), durante audiência com Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde. Foto: Marcos Corrêa/PR
Blog da Saúde

Ministério da Saúde suspende contratos para fabricar 19 remédios do SUS; mais de 30 milhões serão afetados

LEIA TUDO AQUI - https://www.viomundo.com.br/blogdasaude/ministerio-da-saude-suspende-contratos-para-fabricar-19-remedios-para-o-sus-mais-de-30-milhoes-serao-afetados.html

quinta-feira, julho 11, 2019

Dicas do Dowbor - Julho

Car@s,

As instituições são essenciais, constituem as regras do jogo da sociedade. O arcabouço institucional que herdamos ainda da II Guerra Mundial nos deu os 30 anos de ouro. A partir de 1980, com Reagan e Thatcher, iniciou-se uma fase de globalização e financeirização, e a apropriação da política pelas corporações, fase que temos chamado de neoliberalismo. Joseph Stiglitz, um dos pensadores mais importantes da atualidade, é direto: “Depois de décadas de renda estagnada ou mesmo em queda para aqueles abaixo dos mais ricos, o neoliberalismo deve ser declarado morto e enterrado”. Em termos econômicos, sociais, políticos e éticos, estamos buscando um novo pacto, um tipo de New Deal global. Uma onda conservadora avança, mas demonstra os seus limites: as soluções não estão no retorno ao passado, que é o que muitos desorientados e inseguros buscam. Temos de construir novas regras do jogo, que correspondam às profundas transformações que vivemos, em particular na dimensão tecnológica.  Enfrentar o futuro é mais produtivo do que buscar nichos do passado, mas não há modelos disponíveis para as novas realidades. Os textos abaixo buscam inovações.

1) Joseph Stiglitz – Hora de enterrar um sistema fracassado – Outras Palavras tradução – jun. 2019 – 3p.
Outras Palavras traz a tradução do artigo de Joseph Stiglitz, "Nobel" de economia e ex-economista chefe do governo Clinton e do Banco Mundial, com posição dura sobre o desastre do neoliberalismo. Texto curto muito importante, considerando de onde vem. http://dowbor.org/2019/06/stiglitz-hora-de-enterrar-um-sistema-fracassado-outras-palavras-traducao-jun-2019-3p.html/ . Anexei o link do original inglês, pela importância do texto: http://dowbor.org/2019/06/joseph-stiglitz-after-neoliberalism-project-syndicate-may-30-2019.html/


2) Roosevelt Institute – New rules for rthe 21st century – 2019 – 77 p.
Na mesma linha, mas de forma muito mais ampla, o Roosevelt Institute produziu um excelente relatório de 70 páginas, sistematizando as principais propostas para que o sistema que vivemos volte a funcionar. Apresento aqui minha resenha de 4 páginas com os pontos mais relevantes, mas acho que a leitura do próprio relatório é muito importante. http://dowbor.org/2019/04/roosevelt-institute-new-rules-for-the-21st-century-2019-77p.html/

3) New Left Economics: how a network of thinkers is transforming capitalism – Andy Beckett – Guardian 25-06-2019, 5p.
Com a acumulação dos desastres ambientais, a tragédia da desigualdade e o caos da financeirização, constatamos uma necessidade de repensar a economia de maneira criativa. De certa forma, a complexa sociedade do século 21 não pode ser gerida com as simplificações do neoliberalismo. A articulação dos interesses econômicos, sociais e ambientais, e um outro equilíbrio entre corporações, estado e sociedade civil organizada estão no centro deste repensar das teorias econômicas. O artigo de Andy Beckett apresenta algumas das principais discussões na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, mas a discussão hoje é muito mais ampla. A própria economia que ensinamos está profundamente desatualizada, e novas ideias são bem-vindas. Reformulando Margareth Thatcher, há sim alternativas. http://dowbor.org/2019/06/new-left-economics-how-a-network-of-thinkers-is-transforming-capitalism-andy-beckett-guardian-25-06-2019-5p.html/
O suíço Jean Ziegler é um dos melhores conhecedores das nossas transformações econômicas e sociais, uma autoridade mundial. As suas análises ajudam muito na compreensão dos desafios que enfrentamos. Quando relatou a situação social no Brasil, no quadro das Nações Unidas, há alguns anos, causou indignação do governo ao denunciar o nível de violência atingido, comparável a países em guerra. Não tem papas na língua, e vai direto ao essencial. Sobre a Suíça, escreveu um livro de grande impacto chamado "La Suisse lave plus blanc", sobre o papel dos bancos. http://dowbor.org/2019/05/ziegler-assim-as-corporacoes-alimentam-a-ultradireita-outras-palavras-2p.html/

5) Ivo Lesbaupin, Mauri Cruz (Orgs) – Novos Paradigmas para Outro Mundo Possível – Usina Editora-Abong – São Paulo, 2019 – ISBN 978-85-88502-17-8
No Brasil também surgem muitas análises inovadoras, visões estratégicas. Os nossos paradigmas de análise se deslocam, e este livro que pensa as dinâmicas sociais e econômicas, questões básicas do bem-estar das pessoas, do meio-ambiente e dos valores que nos orientam, ajuda muito. Organizado por Ivo Lesbaupin e Mauri Cruz, traz nomes fortes como Leonardo Boff, Roberto Malvezzi, Marcos Arruda, Pablo Solón e vários outros. O meu artigo, A Burrice no Poder, (páginas 9 a 34) aborda os vários desafios: as soluções vão muito além da economia. https://drive.google.com/file/d/1kQL6xXYSpPJMzXxTkbGo0H4Ykh0AKLw1/view


6) Entrevista Dowbor – A emergência da inversão: menos glorificação dos bilionários e mais bem-estar das famílias – IHU On-Line – Edição 537 – 11.06.2019 – 5p.
O capitalista de antigamente explorava os trabalhadores mas produzia, gerava produto e pagava impostos. A destruição do planeta é obra de uma minoria planetária que é improdutiva, desvia os recursos necessários para a reconversão das nossas economias para a sustentabilidade ambiental e a inclusão social. A fragilidade do atual sistema dominante consiste precisamente no fato de ser economicamente, socialmente e ambientalmente disfuncional. Como muitos economistas importantes que nada têm de esquerda hoje proclamam, de Joseph Stiglitz no Roosevelt Institute até Martin Wolf no Financial Times, este sistema perdeu a sua legitimidade. http://dowbor.org/2019/06/entrevista-dowbor-a-emergencia-da-inversao-menos-glorificacao-dos-bilionarios-e-mais-bem-estar-das-familias-ihu-on-line-edicao-537-11-06-2019.html/


7) Maria Amélia Corá e Rodrigo Motta (Orgs.) – Intersetorialidade e Redes: A trajetória do intelectual Luciano Prates Junqueira – Labrador Universitário, São Paulo 2019 – ISBN 978-85-87740-92-2
Luciano Junqueira pensa organizações sociais de maneira integrada. Intersetorialidade, potencial das redes horizontais, impactos das novas tecnologias, sistemas participativos de gestão social, inovações no terceiro setor fazem parte desse universo de pesquisa sobre uma sociedade que busca novos rumos. “Intersetorialidade e Redes” é uma bela iniciativa que reuniu vários pesquisadores que trabalham na mesma linha de Luciano e decidiram prestar esta homenagem da melhor forma: apresentando pesquisas. Meu texto é uma curta nota (2p.) com toda simpatia pelo colega que sempre foi, veja em: http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2019/06/19-Luciano-Junqueira-Artigo.docx

8) Esther Dweck – Quando a economia é vista como ciência exata, saídas para crises são restritas a dados numéricos – IHU On-Line – 573 – 11.06.2019 – 3p.
Esther Dweck é professora e pesquisadora, e tem amplo conhecimento de economia aplicada, adquirido no Ministério de Planejamento, onde foi secretária do orçamento federal. Nesta entrevista ao IHU, ela vai direto ao ponto: “É preciso colocar no centro de um novo modelo de desenvolvimento a redução da desigualdade de renda e aumento do investimento social, ambos fundamentais para acelerar o crescimento econômico de forma mais inclusiva e ambientalmente sustentável.” Conhecimento e bom senso. http://dowbor.org/2019/06/esther-dweck-quando-a-economia-e-vista-como-ciencia-exata-saidas-para-crises-sao-restritas-a-dados-numericos-ihu-on-line-573-11-06-2019.html/
9 ) Ladislau Dowbor e Zysman Neiman – Um Brasil sustentável: redução da desigualdade – Unifesp, Rasp, Um Brasil – 2018 – 47 min.
A desigualdade constitui o principal desafio e vetor de deformações da nossa sociedade. Permeia a nossa política, a economia, a educação, a segurança, e gera um clima de guerra permanente. Somos país onde a polícia mata 14 pessoas por dia. Não dá para esconder o sol com a peneira. Enfrentar a desigualdade é o ponto de partida para a construção de um país civilizado. Estou disponibilizando esse debate, de 47 minutos, porque entender quais são a principais dimensões da desigualdade, e os mecanismos da sua reprodução, é essencial. E evidentemente as medidas a tomar. http://dowbor.org/2019/06/ladislau-dowbor-e-zysman-neiman-um-brasil-sustentavel-reducao-da-desigualdade-unifesp-rasp-um-brasil-2018-47-min.html/

10) Veinte años – Isaac et Nora – 2019 – 3min.
Mesmo num blogue que se quer sério e científico como este, cabe um pouco de arte e poesia. Escutem esta ingênua canção, são dimensões que nos fazem cada vez mais falta. http://dowbor.org/2019/06/veinte-anos-isaac-et-nora-2019-3min.html/

quarta-feira, julho 10, 2019

José Luís Fiori - DOIS TEXTOS FUNDAMENTAIS PARA ENTENDER O BRASIL E O MUNDO



Onde estamos e para onde vamos?
Uma “potência acorrentada”.
por José Luís Fiori

“Em qualquer momento da história é possível acovardar-se e submeter-se, mas, atenção, porque o preço das humilhações será cada vez maior e insuportável para a sociedade brasileira”
 J.L.F.  “História, estratégia e desenvolvimento”, Editora Boitempo, São Paulo, 2014, p: 277

Fatos são fatos:  na segunda década do século XXI, o Brasil ainda é o país mais industrializado da América Latina e é a oitava maior economia do mundo; possui um estado centralizado e uma sociedade altamente urbanizada e é o principal player internacional do continente sul-americano. E apesar de sua situação atual, absolutamente desastrosa, segue sendo um dos países do mundo com maior potencial pela frente, se tomarmos em conta seu território, sua população e sua dotação de recursos estratégicos. Mais do que isto: goste-se ou não, entre 2003 e 2014, o Brasil  teve uma política externa que procurou aumentar os “graus de soberania” do país, frente às “grandes potências” e dentro do sistema internacional como um todo, através de alianças estabelecidas fora do continente americano, sobretudo no caso da criação do grupo econômico do BRICS, obedecendo uma estratégia internacional de longo prazo,  definida e exposta em documentos oficiais que foram aprovados pelo Congresso Nacional.  Seu objetivo explícito era aumentar e projetar a influência diplomática e o poder político e econômico do Brasil dentro do seu “entorno estratégico”, incluindo América do Sul, África Subsaariana Ocidental, Antártida e a própria Bacia do Atlântico Sul. O Brasil já havia ingressado no pequeno grupo dos estados e economias nacionais que exercem liderança dentro de suas próprias regiões e era necessário começar a atuar como uma potência em ascensão, porque dentro deste grupo de países existe uma lei de ferro: “quem não sobe, cai”. Por isso mesmo, já naquele momento, o Brasil começou a experimentar as consequências de sua nova postura, ingressando num novo patamar de competição, cada vez mais feroz, com países que lutam entre si permanentemente para galgar novas posições na hierarquia do poder e da riqueza mundial.
Este foi um momento crucial da história recente do Brasil: para seguir em frente e aproveitar aquela oportunidade estratégica, era indispensável a consolidação de uma coalisão de poder interna, sólida, homogênea e decidida, com capacidade efetiva de aproveitar as brechas e avançar com decisão nos momentos oportunos. Havia que olhar para a frente e pensar grande, para não se amedrontar nem ser atropelado pelos concorrentes e pela própria história. Mas em todo momento as portas sempre estiveram abertas, e sempre foi possível acovardar-se e recuar, apesar de que o preço do recuo fosse cada vez maior. E foi exatamente isto que aconteceu: uma parte da elite civil e militar do país, e da própria sociedade brasileira, decidiu recuar e pagar o preço de sua decisão. Optaram pelo caminho do Golpe de Estado, e depois redobraram sua aposta, numa coalisão formada às pressas que culminou com a instalação no Brasil de um governo ‘paramilitar’ e de extrema-direita, que nesse momento está se propondo mudar radicalmente o rumo da política externa do país, com o abandono de algumas posições tradicionais do Itamaraty e com a denúncia raivosa da política externa seguida pelo Brasil entre 2003 e 2014. Tudo em nome de uma cruzada contra uma espécie de ectoplasma que eles chamam de “marxismo cultural” e que foi inventado pela ultra-direita norte-americana e da “salvação da civilização judaico-cristã”, segundo o novo chanceler brasileiro que acumula asnices diárias que são objeto da risota mundial. Foi assim que, logo de partida, o novo governo apoiou a intervenção militar na Venezuela, que havia sido anunciada pelos Estados Unidos, e que acabou se transformando numa “invasão humanitária” que foi um gigantesco fracasso e representou uma humilhação para o Itamaraty, que acabou sendo alijado – pela primeira vez na história da América do Sul –  de uma negociação fundamental para  o continente e que foi realizada na Noruega, entre o governo e a oposição venezuelana.  Simultaneamente, o novo governo se propõe levar à frente, de forma rápida e atabalhoada, uma desmontagem “selvagem” – do tipo que foi feita na Rússia dos anos 90 – de todos os principais instrumentos estatais de proteção e defesa da população, do território, e dos recursos naturais, industriais e tecnológicos brasileiros.

Mas existe uma coisa que chama a atenção no meio da balbúrdia: o fato de que não exista ninguém dentro deste novo governo que consiga dizer minimamente qual é o seu projeto para o Brasil! Qual é afinal o seu objetivo para o país, no médio e longo prazo?  O núcleo central do governo simplesmente não fala, nem pensa, só agride e repete frases de efeito.  Os militares aposentados que estão no governo – da chamada “geração Haiti” – dão murros, esbravejam, ficam apopléticos, e quando falam, os que falam, costumam dizer coisas desconexas e inoportunas. Os religiosos fundamentalistas recitam versículos bíblicos, e parece que vivem cegados por suas obsessões sexuais. Os juízes e procuradores que participaram do golpe de estado e da “operação Bolsonaro”, parece que só falam entre si e com seus tutores norte-americanos, não conseguindo enxergar um palmo além do seu nariz provinciano. E por fim, os financistas e tecnocratas de Chicago, amigos do ministro da economia, não conhecem o Brasil nem os brasileiros e parecem robôs de uma ideia só. Mesmo assim, é possível deduzir o que está na cabeça daqueles que efetivamente financiaram e seguem tutelando este verdadeiro bando de indigentes mentais, a partir dos artigos e manifestações que aparecem nos seus jornais e revistas periódicas.

Durante a República Velha, as oligarquias agrárias e as elites financeiras brasileiras sempre admiraram e invejaram o sucesso do modelo “primário-exportador” argentino de integração com a economia inglesa, bem sucedido durante a segunda metade do século XIX. E mesmo depois da crise de 30 e da Segunda Guerra Mundial, muitas lideranças políticas e empresariais, e muitos economistas, como Eugenio Gudin, seguiram defendendo este modelo para o Brasil, mesmo quando a Argentina já tivesse entrado em crise e iniciado o seu longo declínio que chega até os nossos dias. Basta dizer que em pleno período desenvolvimentista, Roberto Campos, que foi presidente do BNDE e ministro do governo militar de 1964, chegou a dizer em algum momento que o seu sonho seria fazer do Brasil um grande Canadá. O mesmo sonho que ainda embala a cabeça dos empresários e banqueiros que financiaram e que ainda sustentam o Sr. Guedes dentro do governo do capitão Bolsonaro. Sua proposta e sua agenda foi sempre a mesma, e segue sendo repetida como uma ladainha religiosa: é necessário abrir, desregular, privatizar e desindustrializar a economia brasileira, para radicalizar o velho modelo argentino e alcançar um novo estatuto nas relações do Brasil com os Estados Unidos e com a União Europeia. Um estatuto parecido com o dos velhos Domínios da Grã-Bretanha, como foi o caso exatamente do Canadá, mas também da Austrália e da Nova Zelândia, até avançado Século XX. Territórios que gozavam de uma condição diferente das demais colônias britânicas, porque mantinham seus governos e sua vida política interna autônomas, mas tinham sua economia, sua defesa e sua política externa controladas pela Inglaterra. E este é hoje, sem dúvida, o projeto e a utopia dos segmentos da elite econômica brasileira que decidiram apostar o seu futuro neste governo, que já se transformou numa verdadeira excrecência histórica. Um projeto que não é “teoricamente” impossível, mas que enfrentaria grandes obstáculos reais, situados dentro e fora do Brasil. O Brasil é um país continental, com uma população desigual e muitas vezes superior a dos velhos domínios britânicos, com uma economia muito mais desenvolvida e heterogênea, e com grupos de interesse poderosos e que serão literalmente destruídos, caso avance este projeto ultraliberal. Por outro lado, os Estados Unidos, hoje sob um governo que pratica uma política econômica de tipo nacionalista e protecionista, não se submete e não aceita nenhum tipo de negociação ou acordo que entre em conflito com os seus “interesses nacionais”, econômicos e estratégicos. Muito menos ainda, assumiria a responsabilidade da tutela econômica de um país com as dimensões do Brasil, sob um governo absolutamente caótico, e com uma economia agroexportadora que compete com a economia americana e, em particular, com os grupos do meio-oeste que foram essenciais para a vitória eleitoral de Donald Trump.

Mas existe uma outra dimensão deste “Projeto Dominium”: a troca da condição  de aliado militar regional, que o Brasil sempre ocupou durante o século XX, pela condição de “protetorado militar” dos Estados Unidos: um território autônomo que abre mão de ter sua própria  política de defesa, e de segurança nacional em troca da proteção  militar de um estado mais forte, neste caso, dos Estados Unidos. Aceitando obrigações que podem variar muito, dependendo da natureza do seu relacionamento com seu protetor e, também, da sua localização geográfica e geopolítica dentro do sistema internacional. Isto já aconteceu, de certa forma, no caso da participação brasileira, ao lado dos Estados Unidos, na invasão de Santo Domingo, em 1964. Mas em nenhum momento do século passado, soldados brasileiros ocuparam posições dentro da hierarquia interna de um comando militar regional dos Estados Unidos, como estão se propondo fazer neste momento. Nem tampouco jamais no século passado foi sequer cogitado a abertura de bases militares estrangeiras dentro do território brasileiro. Nesse sentido, existe uma grande diferença que precisa ser sublinhada, porque o projeto econômico do Dominium tropeça com obstáculos materiais e com interesses de grupos que são reais e muito pesados. Mas o projeto do “protetorado militar” é perfeitamente viável do ponto de vista material, e conta com a simpatia das Forças Armadas norte-americanas, mas ele depende de uma decisão soberana da sociedade e do estado brasileiro, e não apenas das Forças Armadas. E esta decisão tem limites jurídicos e morais, políticos e constitucionais, até porque quem financia a existência das Forças Armadas é o povo brasileiro, com o objetivo de que cuide de sua soberania, nos termos da sua Constituição. E não cabe moralmente a um governo, por mais direitista que seja, exigir que suas Forças Armadas se submetam ao comando de outro estado que não seja o brasileiro.
Em síntese, do ponto de vista econômico, já não é factível – em pleno Século XXI –  transformar o Brasil numa Nova Zelândia, mas é perfeitamente possível, do ponto de vista militar,  acorrentar a nação e submeter os brasileiros à humilhação de bater continência para  a bandeira de outro povo. Uma traição que deixará uma mancha na história do Brasil causando-lhe um dano irreparável, a menos que a nação brasileira levante-se e volte a caminhar com suas próprias pernas. Quando esta hora chegar, entretanto, será necessário tomar decisões radicais em linha com um novo projeto de longo prazo que se sustente com seus próprios apoios internos, sem recuar nem esmorecer. Lembrando sempre que todos os povos que conseguiram superar grandes catástrofes, para chegar a ser grandes nações tiveram primeiro que desacorrentar suas próprias mãos, e assumir o controle de sua soberania, para poder definir seus próprios objetivos e construir o seu próprio futuro.

Julho de 2019

José Luís Fiori – Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Economia política Internacional, PEPI, coordenador do GP da UFRJ/CNPQ, “O poder global e a geopolítica do Capitalismo”;, coordenador adjunto do Laboratório de “Ética e Poder Global”; pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis, INEEP.  Publicou, “O Poder global e a nova geopolítica das nações”, Editora Boitempo, 2007 ; “História, estratégia e desenvolvimento”, Boitempo, em 201 ; e,  “Sobre a Guerra”, Editora Vozes Petrópolis, 2018.

O Plano Nacional de Defesa (PND), e a  Estratégia Nacional de Defesa  (END), aprovados pelo Congresso Nacional, em 2005 e 2008, respectivamente.


+++


O capitalismo feliz



A história do desenvolvimento capitalista dos séculos XIX e XX registra a existência de alguns países com altos níveis de desenvolvimento, riqueza e qualidade de vida, e com baixa propensão nacional expansiva ou imperialista. Como é o caso das ex-colônias britânicas, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, e dos países nórdicos, Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia. Todos apresentam taxas de crescimento alta, constante e convergente, desde 1870, só inferior a da Argentina, até a 1º Guerra Mundial. Hoje são economias industrializadas, especializadas e sofisticadas; a Noruega tem o 3º maior renda per capita, e o maior índice IDH (0.943), do mundo; a Austrália tem a 5º renda per capita, e o 2º melhor IDH do mundo (0, 929); e quase todos tem uma renda média per capita entre 50 e 60 mil dólares anuais. A Noruega é considerada hoje o país mais rico do mundo, em “reservas per capita”, e foi considerada pela ONU, em 2009, como “o melhor país do mundo para se viver”. E a Dinamarca já foi classificada – entre 2006 e 2008 - como “o lugar mais feliz do mundo”, e o segundo país mais pacífico da terra, depois da Nova Zelândia, e ao lado da Noruega.

Canadá, Austrália e Nova Zelândia foram colônias de povoamento da Inglaterra, durante o século XIX, e depois se transformaram em Domínios da Coroa Britânica, até depois da 2º Guerra Mundial. Mas até hoje são nações ou reinos independentes que fazem parte Commonwealth, e mantém o monarca inglês como seu chefe de estado. Como colônias e domínios funcionaram sempre como periferia da economia inglesa, mesmo depois de iniciado seu processo de industrialização, mantendo-se – em média - a participação do capital inglês, em até 2/3 da formação bruta de capita destes três países. E todos eles estabeleceram relações análogas com a economia norte-americana, depois do fim da Segunda Guerra. Neste século e meio de história, o Canadá – como caso exemplar – esteve ao lado da GB e dos EUA na 1º e 2 º Guerras Mundiais, alem de participar Guerra dos Boers e da Guerra da Coréia e de ser um dos membros fundadores da OTAN, em 1949. Participou das Guerras do Golfo, do Iraque, do Afeganistão e da Líbia, e participa diretamente do sistema de defesa aeroespacial norte-americano. E o mesmo aconteceu, em quase todos os casos, com a Austrália e a Nova Zelândia.

Por outro lado, os países nórdicos foram expansivos, e a Suécia em particular, foi um grande império dominante, dentro da Europa, até o Século XVIII. Mas depois de sua derrota para a Rússia, em 1720, e depois da sua submissão dentro da hierarquia de poder europeia, os estados nórdicos se transformaram em pequenos países, com baixa densidade demográfica e alta dotação de recursos naturais, funcionando como pedaços especializados e cada vez mais sofisticados do sistema produtivo europeu. A Suécia ficou famosa pelo “sucesso” de sua política econômica anticíclica ou “keynesianas”, depois da crise de 1929, mas de fato logrou superar os efeitos da crise graças à suas condição de sócia econômica, e fornecedora de aço e equipamentos para a máquina de guerra nazista, que também ocupou a Dinamarca e exerceu grande influencia sobre a região, durante toda a Segunda Guerra Mundial. Depois da guerra, a Dinamarca e a Noruega se tornaram membros da OTAN, e a Dinamarca segue sendo uma passagem estratégica para o controle do mar Báltico.

Por sua vez, a Suécia participou das Guerras do Kosovo e do Afeganistão, e foi fornecedora de armamentos para as forças anglo-saxônicas, na Guerra do Iraque. Por último, a Finlândia, que fez parte da Suécia, até 1808, e da Rússia, até 1917, acabou ocupando um lugar fundamental dentro da Guerra Fria, até 1991, e ainda ocupa uma posição estratégica até hoje, no controle da Bahia da Finlândia, e da própria Rússia.

Por tudo isto, apesar de que estes países tenham origens e trajetórias diferentes, é possível identificar algumas coisas que eles têm em comum:

i. São pequenos ou tem uma densidade demográfica muito baixa

ii. Tem excelente dotação de recursos, alimentares, minerais ou energéticos.

iii. Todos ocupam posições decisivas no tabuleiro geopolítico mundial.

iv. E todos se especializaram em serviços ou setores industriais de alta tecnologia, e em alguns casos, dentro da industria militar.

Alguns diriam que se trata de um caso típico de “desenvolvimento a convite”, mas isto quer dizer tudo e nada ao mesmo tempo. O fundamental é que o sucesso econômico destes países não se explica por si mesmo, porque desde o século XIX, os “domínios” operaram como “fronteiras de expansão’ do “território econômico” inglês, e como bases militares e navais do Império Britânico. E os países nórdicos, depois que foram submetidos, se transformaram em satélites especializados do sistema de produção, e do poder expansivo europeu. E hoje, finalmente, todos estes sete países operam como pequenas “dobradiças felizes” da estrutura militar e do poder global dos Estados Unidos.

https://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/O-capitalismo-feliz/26682