quinta-feira, março 31, 2011

A vida secreta dos economistas do sistema

Nos editoriais e aparições públicas, os economistas acadêmicos não costumam revelar seus investimentos em – ou contratos com – instituições financeiras privadas, que poderiam influir em suas recomendações políticas. Mas desde que dois investigadores expuseram uma série de potenciais conflitos de interesse entre membros de sua profissão, os economistas estão agora, pela primeira vez, levando em consideração regras éticas que os obrigariam a divulgar qualquer conexão entre suas finanças pessoais e as políticas públicas que eles defendem. O artigo é de Mica Uetricht.

Se os norteamericanos soubessem que alguns dos economistas que defendem publicamente as desregulações financeiras, que contribuíram para desencadear a Grande Recessão, aproveitaram-se de sua implantação, sentiriam-se mais interessados por elas?

É difícil saber, porque nos editoriais e aparições públicas, os economistas acadêmicos não costumam revelar seus investimentos em – ou contratos com – instituições financeiras privadas, que poderiam influir em suas recomendações políticas. Mas desde que dois investigadores expuseram uma série de potenciais conflitos de interesse entre membros de sua profissão, os economistas estão agora, pela primeira vez, levando em consideração regras éticas que os obrigariam a divulgar qualquer conexão entre suas finanças pessoais e as políticas públicas que eles defendem.

No ano passado, os economistas Gerald Epstein e Jessica Carrick-Hagenbarth, da Universidade de Massachusetts Amherst, publicaram um trabalho intitulado “Economistas financeiros, interesses financeiros e recantos obscuros dessa combinação”. Sugeriam uma causa da crise até então não explorada: os economistas não previram o colapso porque muitos deles estavam se beneficiando das políticas que levaram ao desastre. “Os economistas, como muitos outros, tinham incentivos perversos para não reconhecer a crise”, escrevem Epstein e Carrick-Hagenbarth no trabalho que foi publicado pelo Instituto de Investigação de Economia Política, de tendência de esquerda, de sua universidade.

O estudo examinou 19 economistas financeiros, acadêmicos e anônimos, cujas opiniões foram proeminentes nos meios de comunicação durante a promoção de reformas financeiras e depois do colapso do mercado. Treze dos acadêmicos tinham interesses ou contratos com instituições financeiras, cujos investimentos poderiam aumentar de valor se e quando as sugestões dos economistas se convertessem em política. Oito destes treze não revelaram tais conflitos de interesse.

Epstein disse que o silêncio dos economistas acerca dos perigos da desregulação pode ser atribuído em parte aos interesses econômicos destes acadêmicos: “Se você é um economista financeiro e ganha milhares de dólares trabalhando para uma empresa financeira, que pode estar menos inclinada a empregar-te caso se pronuncie publicamente a favor de uma reforma financeira, vai pensar duas vezes antes de defender tal reforma”.

Em 2006, a Câmara de Comércio da Islândia pagou a Frederic Mishkin, professor da Columbia Business School e ex-governador do Conselho de Administração do Federal Reserve (o banco central dos EUA), 124 mil por participar de um estudo sobre a situação financeira da Islândia, no qual explicou muitos dos fatores que logo iam provocar a implosão da economia do país. O documento Inside Job (“Trabalho interno”), vencedor de um Oscar, explica que, em seu currículo, Mishkin mudou o título do estudo “Estabilidade financeira na Islândia” por “Instabilidade financeira na Islândia”.

A American Economics Association (AEA), organização profissional de economistas acadêmicos, não tem regras éticas que proíbam ou exijam a manifestação deste tipo de conflito de interesse, além de alguns requerimentos a respeito de trabalhos apresentados à publicação da organização. De fato, normalmente o organismo não tem nenhum tipo de código ético oficial.

Epstein e Carrick-Hagenbarth distribuíram uma carta em janeiro, assinada por quase 300 economistas, defendendo a criação desse código. “Acreditamos que seria um passo importante e necessário para reforçar a credibilidade e a integridade da profissão”, dizia a carta.

Parece que teve algum efeito. Em sua conferência de janeiro em Denver, a AEA anunciou a criação de um comitê para desenvolver regras éticas. (Ironicamente a identidade dos membros do comitê manteve-se secreta, ainda que, segundo Epstein, o organismo vá revelar seus nomes em futuro próximo). Representantes da AEA não quiseram fazer comentários sobre o progresso do comitê.

Outras ciências sociais, como a sociologia, têm cláusulas éticas que requerem uma clareza total acerca de conflitos de interesse potenciais em discursos públicos, artigos e publicações acadêmicas. Epstein sabe que um código ético para economistas não consertará a economia do país. Mas sua reclamação é um passo na direção de políticas financeiras mais morais. “Um código de ética não é uma panaceia”, diz. “Mas pode ajudar a criar um ambiente no qual a economia e os economistas possam se considerar mais responsáveis”.

(*) Micah Uetricht, antigo editorialista de In These Times, é membro da redação da revista eletrônica de Chicago Gaspers Block e Campus Progress. Já escreveu também para Alternet, YES!, Labor Notes, Truthout.org e The Indypendent. Atualmente vive em Chicago e pode ser contatado em micah.uetricht@gamil.com.

Tradução: Katarina Peixoto

A Rainha Hilária da Líbia

31/3/2010, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MC31Ak02.html 

O impasse na Líbia pode arrastar-se por semanas, se não por meses. Nesse caso, cresce a possibilidade da balkanização. Pensem numa Líbia Leste, capital Benghazi, rica em petróleo e sob governo-fantoche lá posto pelos EUA (um Hamid Karzai líbio, como o presidente do Afeganistão). Seria uma espécie de Arábia Saudita norte-africana (a Casa de Saud adoraria).

E pensem numa Líbia Oeste, capital Trípoli, empobrecida, irada e governada por Muammar Gaddafi e filhos. Se acontecer, estaremos de volta aos anos 1950s: a Líbia como a nova Coreia. Ou, ainda pior, de volta aos anos 1960s: a Líbia como o novo Vietnã.

Vietnã? Não surpreende que um paranóico consórcio EUA-franco-inglês faça de tudo para derrubar Gaddafi. Não querem meio Bolinho Primavera: querem o Kebab inteiro.

O discurso da rainha
O novo fazedor de governos líbios é fazedora, uma rainha, a secretária de Estado Hillary Clinton. Qualquer dúvida que ainda houvesse de que o Departamento de Estado trabalha freneticamente para construir um novo fantoche-governo, apimentado com colaboradores anglófonos, desapareceu depois da conferência de Londres sobre a Líbia.

A oposição “oficial” líbia se autodenominava tautologicamente “Conselho Nacional Interino de Transição” [ing. Interim Transitional National Council]. Agora é “Conselho Nacional Interino” [ing. Interim National Council (INC). Quem correr à procura de abrigo, ao simples som da sigla INC está antecipadamente justificado. A sigla traz aterradoras memórias do Iraqi National Congress [Congresso Nacional Iraquiano] inventado por Washington[1], com as fabulosas e fabuladas “armas de destruição em massa”, na antevéspera da invasão do Iraque em 2003.

E quanto ao novo comandante militar do INC Khalifa Hifter – ex-coronel do exército líbio que passou quase 20 anos em Vienna, Virginia, não distante da CIA em Langley? Os progressistas adorarão saber que seus românticos “rebeldes” são agora comandados diretamente por homem da CIA.

Na conferência de Londres, o INC lançou em grande estilo seu muito atenta e profissionalmente redigido manifesto político – “Uma visão da Líbia democrática” [ing. A vision of democratic Líbia, 29/3/2011, Guardian
http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2011/mar/29/vision-democratic-libya-interim-national-council]" – no qual juntaram todas as frases certas e acertados ruídos: liberdade de expressão, eleições presidenciais e parlamentares e, crucialmente importante, a promessa de “um estado que recebe força e energia de nossas mais fortes crenças religiosas na paz, verdade, justiça e igualdade”.

É linguagem em código – extremamente polida – para fazer referência ao islã na Líbia pós-Gaddafi (sem fazer arrepiar as penas seculares ocidentais). Além da redação em inglês impecável, a coisa toda grita o que de fato é “peça vil de propaganda preparada por redatores profissionais de Relações Públicas ocidentais”. O Conselho jura que a plataforma foi redigida originalmente em árabe. Mas, não. Definitivamente não é trabalho do Google Translator.

Portanto, o INC declara que o oriente entregará ao ocidente, como paga pelos Tomahawks, Tornados e Rafales, uma democracia secular. Outro poderia dizer que uma coalizão de oportunistas e militares desertores surfou a onda da radicalização de massas no norte da África, lucrou com a falta de lideranças políticas na classe média e entre os trabalhadores e conseguiu montar uma aliança militar com o imperialismo ocidental. Qual das duas versões é mais plausível?

No momento, o INC está sendo exibido em todo o planeta, para ser visto como fantoche do ocidente – totalmente dependente de apoio político e militar. Bem vindos à Líbia convertida em mais uma base de operação avançada ao estilo do Pentágono – para vantagem do próprio Pentágono (via AFRICOM), das majors ocidentais do petróleo, e de todos os tipos imagináveis de negócios escusos anglo-franco-norte-americanos (ver “Não há business como o guerra-business”, Asia Times Online, 30/3/2011, em português em
http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/03/nao-ha-business-como-o-guerra-business.html). Bem vindos à nova Líbia que abrigará uma base militar dos EUA e acolherá exercícios da OTAN e não gastará dinheiro do petróleo em projetos de desenvolvimento na África subsaariana.

Como importantes atores internacionais – os países BRICSs e a Alemanha – já alertaram, a resolução n. 1.973 do CSONU está sendo mais torcida que um biscoito pretzel. A rainha hilária já diz abertamente que é legal armar os “rebeldes”. Outra soldada da brigada feminina de combate da rainha hilária, a embaixadora dos EUA na ONU Susan Rice, disse que os EUA “não descartaram” armar os rebeldes – repetindo exatamente as palavras do presidente Barack Obama. Impressionadíssimo, o ministro de Relações Exteriores da Grã-Bretanha William Hague macaqueou as anteriores. Idem, o Qatar.

Enquanto isso, a OTAN assumiu. Literalmente. A partir da 3ª-feira, os ataques aéreos da OTAN serão comandados do Centro de Operações Aéreas Combinadas da base de Poggio Renatico na Itália, 40 quilômetros ao norte de Bologna. Mas isso é só o começo.

O almirante James Stavridis, comandante supremo aliado da OTAN para a Europa disse em audiência no Senado em Washington que a OTAN não considera usar forças terrestres na Líbia post-Gaddafi – não, pelo menos, por hora. Mas como a OTAN instalou forças de paz nos Bálcãs, Stavridis acrescentou, "a possibilidade de um regime de estabilização existe”.

E eis aí, então, o pacote completo: um regime-fantoche do ocidente; coturnos ocidentais de ocupação “no solo”; um raquítico protetorado ocidental. Adeus à soberania da Líbia. E, isso, só umas poucas horas depois de Obama ter apaixonadamente declarado ao mundo que se tratava de missão humanitária.

É preciso uma completa suspensão da capacidade de duvidar, para conseguir acreditar que um governo Obama que continua a disparar aviões-robôs armados contra civis no Afeganistão, no Paquistão, no Iêmen e – agora e então – também na Somália, estaria muito gravemente preocupado com proteger civis líbios.

A ‘democrática’ Israel pode bombardear 1.500 civis libaneses em 2006 ou assassinar quase 1.500 civis no inverno de 2008/2009  em Gaza – e a ninguém ocorreu arrancar resoluções da ONU nem disparar Tomahawks dos céus, nem se ouviram arrogantes imperialistas humanitários a invocar, em massa, qualquer R2P (“responsabilidade de proteger”).

Em 1999, a OTAN quase destruiu Belgrado para “proteger civis” no Kosovo. Imediatamente depois, o Kosovo converteu-se em protetorado infinitamente corrupto governado por uma máfia das drogas. Legiões de neoconservadores diziam que a razão real pela qual os EUA invadiram o Iraque foi “proteger” iraquianos contra o ditador do mal Saddam e criar democracia (mediante choque e pavor).

Fato indiscutível é que Washington – dessa vez com ajuda anglo-francesa – está bombardeando mais uma capital árabe e muçulmana. E por milagre – se alguém ainda acredita no que diga o Pentágono – com zero de “danos colaterais”.

E quanto à Costa do Marfim?
Na Costa do Marfim, está-se a um passo de verdadeiro genocídio. Já há quase um milhão de refugiados internos. A “comunidade internacional” – que atualmente parece ser formada só de EUA, França, Grã-Bretanha, alguns poucos países da OTAN e umas poucas ditaduras árabes, com o Qatar como a superstar – não deu um pio.

Laurent Gbagbo perdeu as eleições presidenciais na Costa do Marfim, mas não reconheceu a derrota. Controla gigantesca milícia armada até os dentes – e vão usar todas as armas que têm contra eleitos e intelectuais da oposição e líderes da sociedade civil. Todos os que tenham apoiado o candidato eleito, Alassane Ouattara, são alvos declarados.

Alguém ouve aí ecos de Gaddafi? Melhor que isso: aí se ouvem ecos de Rwanda em 1994, de Uganda em 2008 e do Congo durante os anos 1990s. Não algumas centenas de civis mortos, mas centenas de milhares de civis mortos (no caso do Congo, provavelmente quase quatro milhões). Nem um cacarejo sobre alguma “responsabilidade de proteger”, emitido pela “comunidade internacional”.


Se o consórcio EUA-franco-inglês estivesse realmente interessado no fim da violência na Líbia, a única solução sensível teria sido despachar para lá uma comissão de investigação da ONU para conhecer os fatos em campo. Hoje, ninguém sabe com precisão quantos civis foram mortos pelas forças de Gaddafi nem quantos ataques aéreos foram disparados por seu exército. E ninguém tampouco sabe quantos negros africanos foram estuprados e assassinados pelos “rebeldes” que identificam todos os negros como mercenários de Gaddafi.

Gaddafi já aceitara a inspeção por uma comissão independente da ONU. A primeira medida de quem deseja exercer a “responsabilidade de proteger” não é bombardear cidades com Tomahawks. É buscar mediadores, exigir um cessar-fogo e iniciar negociações.

O primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan está correto, quando diz que essa guerra “humanitária” vai-se rapidamente convertendo num “segundo Iraque” ou em “mais um Afeganistão”. Também disse que a Turquia está conversando com Gaddafi e com o INC. Faz todo o sentido que – como membro da OTAN – a Turquia tenha exigido para si o controle do porto e do aeroporto de Benghazi, para acelerar a distribuição de ajuda humanitária. Se algum cessar-fogo houver, terá sido por exclusivo mérito da Turquia – que continua a trabalhar incansavelmente para estabelecer um corredor humanitário, com apoio dos italianos. O neonapoleônico presidente francês libertador de árabes Nicolas Sarkozy sentir-se-á pessoalmente ofendido com qualquer tipo de paz.

A Turquia é também importante ponte com a União Africana – que foi absolutamente marginalizada pelo consórcio EUA-França-Grã-Bretanha. França e Grã-Bretanha, já absolutamente paranóicas com as ondas de migrantes da África e, agora, também da Líbia – não têm condições para fazer qualquer trabalho de mediação. A Itália – que já enfrenta ondas e ondas de novos migrantes na ilha de Lampedusa – está, pelo menos, tentando trabalhar no front humanitário com a Turquia.

Nada garante que os esforços de mediação da Turquia tenham qualquer resultado positivo. A intervenção militar estrangeira movida por Pentágono/AFRICOM/OTAN contra a Líbia – “legitimada” por um muito duvidoso mandato-cobertura da ONU – está-se revelando um golpe-de-mestre contrarrevolucionário.

Que ninguém se engane sobre o alvo de tudo isso: esmagar a Grande Revolta Árabe de 2011, quebrar-lhe o impulso de avançada, mostrar quem manda, apresentar um neocolonialismo siliconado. Para saber como está planejado e desenvolve-se, basta prestar atenção ao discurso da Rainha Hilária.

terça-feira, março 29, 2011

São Luís... uma cidade contra o povo




Honrando o nome que vem da monarquia,
São Luís é uma cidade contra o povo.
Uma cidade contra a democracia.
As ruas não têm calçadas.
Os bairros não têm praças.
As praças não têm bancos e nem jardins.
Cidade das superquadras caóticas.
Da lei do mais forte, do mais boçal.
A cidade do carro contra o pobre,
contra o povo.
Quase tudo foi privatizado.
Só o povo resiste...

+ da Vila Vudu... tá tudo conectado


O colapso da globalização
28/3/2011, Chris Hedges, Truthdighttp://www.truthdig.com/report/item/the_collapse_of_globalization_20110328/

Os levantes do Oriente Médio, a agitação e a guerra que destroçam países, hoje, como a Costa do Marfim, o descontentamento que faz ferver a Grécia, a Irlanda, a Grã-Bretanha e todas as lutas dos trabalhadores em estados como Wisconsin e Ohio anunciam o colapso da globalização. São a voz de um mundo no qual recursos vitais, como comida e água, empregos e segurança, são cada dia mais escassos e mais difíceis de encontrar. Anunciam a certeza de miséria sempre crescente para centenas de milhões de pessoas que se veem presas em estados fracassados, sofrendo violência cada dia maior e vendo aumentar, só, a miséria e o medo.

Tudo o que milhões e milhões veem no futuro é controle draconiano cada dia maior, cada dia mais violência e força. – E quem duvide veja o que está sendo feito hoje contra o soldado Bradley Manning – controle, violência e força, que a elite das corporações usa para arquitetar a desgraça de milhões de seres humanos.

Temos de abraçar, e abraçar imediatamente, uma nova ética radical de simplicidade e rigorosa proteção de nosso ecossistema – com atenção especial ao clima – ou estaremos pendurados à vida por um fio, pela ponta dos dedos. Temos de reconstruir movimentos sociais radicais que exijam que os recursos do Estado e da nação sejam empregados para prover o bem-estar dos cidadãos e que a mão pesada do Estado seja usada para proibir a ação deletéria da elite do poder das corporações. Temos de ver os capitalistas das corporações, que assumiram controle integral sobre nosso dinheiro, nossa comida, nossa energia, nossa educação, nossa imprensa, nosso sistema de saúde, nosso governo e nossa democracia, como nossos inimigos mortais a serem derrotados.

Nutrição adequada, água limpa e segurança básica já estão muito além do alcance de talvez mais da metade da população do mundo.

Segundo o Fundo Monetário Internacional, os preços dos alimentos subiram 61% globalmente desde dezembro de 2008. O preço do trigo explodiu, mais do que dobrou nos últimos oito meses. Quando metade da nossa renda é gasta em comida – como em países como Iêmen, Egito, Tunísia e Costa do Marfim, aumentos dessa magnitude trazem consigo, consequência inevitável, desnutrição e fome.

Nos EUA o preço dos alimentos subiram 5% nos últimos três meses, em números anualizados. Há cerca de 40 milhões de pobres nos EUA, que gastam 35% da renda que lhes resta depois de pagos os impostos, para comer. Os preços dos combustíveis sobem, à medida que as mudanças climáticas atingem a produção agrícola e as populações são acossadas pelo desemprego, os norte-americanos também nos vemos envolvidos na mesma e sempre crescente agitação global. Já são inevitáveis, nos EUA, agitações sociais e “guerras do pão”. Mas nada disso significa nem jamais significará mais nem melhor democracia.

As instituições liberais – inclusive a imprensa, as universidades, os movimentos de trabalhadores e o Partido Democrata –, que se negam a encarar para desmascarar todos os delírios utópicos de que o mercado poderia educar seus líderes e os eleitores, liberaram as corporações, os bancos e as empresas de investimentos para que prossigam o assalto aos cidadãos. Hoje, especulam com commodities, fazem aumentar o preço dos alimentos e matam milhões de pessoas, de fome. Hoje, para manter altos os preços do carvão, do petróleo, do gás natural, dedicam-se a combater a divulgação e até a pesquisa de fontes alternativas de energia e matam milhões, obrigados a respirar gases de efeito estufa.

As instituições liberais – inclusive a imprensa, as universidades, os movimentos de trabalhadores e o Partido Democrata – liberaram o agrobusiness para destruir todos os sistemas de agricultura local, sustentável, e plantar soja e milho em todo o planeta, para produzir etanol.

As instituições liberais – inclusive a imprensa, as universidades, os movimentos de trabalhadores e o Partido Democrata – autorizam a indústria da guerra a drenar metade de tudo que o estado teria para gastar, e a gerar trilhões de déficits e a lucrar com as guerras no Oriente Médio, guerras que nem os EUA nem qualquer “coalizão” têm qualquer chance de vencer.

As instituições liberais – inclusive a imprensa, as universidades, os movimentos de trabalhadores e o Partido Democrata – autorizam as grandes corporações a escapar de todos os controles sociais, até dos mais básicos, a escapar de todas as regulações, para construir, em vez de instituições democráticas, uma espécie de neofeudalismo global.

Ninguém jamais elegeu diretamente acionistas de grandes corporações ou os especuladores de Wall Street, mas são eles que detêm o poder de produzir a nossa comida e de dirigir nossa vida social e política. E nada disso mudará, enquanto os EUA não derem as costas aos delírios do Partido Democrata, não aprenderem a denunciar as ortodoxias que se infiltraram nas universidades e na imprensa dos EUA, lá metidos pelos apologistas do mercado e das grandes corporações.

A única salvação que resta aos norte-americanos é construir outra oposição ao estado governado pelas corporações e por Wall Street, uma oposição a ser construída de baixo para cima. Não é fácil de fazer, nem se faz rapidamente. Antes, os norte-americanos têm de aceitar o status de párias econômicos e sociais e políticos – sobretudo hoje, quando a franja mais lunática do establishment político nos EUA parece ganhar mais poder, a cada dia, e parece governar sem oposição.

O estado Wall Street nada tem a oferecer nem à esquerda nem à direita, além do medo. E usa o medo – medo do humanismo secular e medo do cristianismo fascista e medo dos muçulmanos fascistas – para fazer, do eleitor, seu cúmplice passivo. Enquanto o medo paralisar os EUA, nada será jamais alterado.

Friedrich von Hayek e Milton Friedman, dois dos principais arquitetos do capitalismo sem regulações jamais poderiam ter sido levados a sério. Mas a propaganda das grandes corporações e o dinheiro das grandes corporações, na universidade e na imprensa, fazem milagres e converteram essas figuras marginais na história do pensamento, em reverenciados profetas nas universidades, nos think tanks, nas ‘consultorias’, na imprensa, nos corpos legislativos, nas cortes de justiça e nos conselhos de administração das próprias corporações.

Hoje, quando Wall Street já só sobrevive porque mamou nas tetas do Tesouro dos EUA até secá-las, ainda se ouve pelas televisões e se lê nos jornais a cantilena desacreditada daquelas teorias econômicas. Wall Street insiste na especulação que já fez sumir 40 trilhões de dólares da riqueza do mundo. O mercado já fracassou. E ainda somos ensinados, por todos os sistemas de informação, a repetir o mantra de que o mercado ‘sabe’.

É como se não importasse, como John Ralston Saul escreveu, que todas as promessas da globalização tenham sido desmascaradas e já se saiba que são mentiras. É como se não importasse que a desigualdade econômica tenha aumentado e que praticamente toda a riqueza do mundo esteja hoje concentrada em poucas mãos. É como se não importasse que as classes médias – o único coração vivo de qualquer democracia – esteja sumindo nos EIA e que os direitos e o salário dos trabalhadores estejam despencando, ao mesmo ritmo em que foram demolidas todas as organizações e todas as regulações de proteção ao trabalho e ao trabalhador.

É como se não importasse que, nos EUA, as corporações tenham usado a desregulação do trabalho como mecanismo para massiva evasão de impostos – tática que permite que conglomerados como a General Electric já praticamente nem paguem impostos. É como se não importasse que os conglomerados globais explorem até a morte os ecossistemas dos quais a espécie humana depende para viver.

A barreira de mentiras disseminadas pelos sistemas de propaganda das grandes corporações, propaganda que se faz pela imprensa e pelas universidades, sistemas nos quais as palavras são substituídas por imagens, infográficos e música, é absolutamente impermeável à verdade. O único deus cujo poder jamais é desafiado pela razão é o deus mercado. E os dissidentes dessa religião de loucos – seja Ralph Nader seja Noam Chomsky – são banidos como hereges.

O objetivo do estado Wall Street não é alimentar, vestir, dar teto às massas, mas concentrar todo o poder econômico, social e político, e toda a riqueza, nas mãos do minúsculo estrato das próprias corporações globais.  É inventar um mundo no qual os ‘altos executivos’ ganham 900 mil dólares por hora, enquanto famílias de quatro membros têm de trabalhar, todos, para sobreviver. Essa desigualdade só pode ser mantida, se as corporações se dedicarem a enfraquecer o estado, as organizações sociais, as organizações políticas e a destruir todas as instituições democráticas. Universidades privadas, escolas privadas, exércitos de mercenários, sistema privatizado de saúde para enriquecer as corporações e matar os doentes – com privatização de todos os serviços públicos, do padre-pastor da paróquia aos agentes da inteligência, tudo para gerar lucros para a besta privada, à custa de vidas humanas públicas, sociais, a nossa vida.

A dizimação dos sindicatos, o enviezamento de toda a educação social, convertida a educação em training vocacional sem sentido, e o desmonte dos serviços sociais, converteu os EUA em estado escravo dos objetivos das grandes corporações globais. A intrusão das corporações na esfera pública destruiu o conceito de bem comum. Apagou a linha que separava o interesse público e o interesse privado. Criou um mundo que só sabe procurar a autossatisfação de autointeresses.

Os ideólogos da globalização – Thomas Friedman, Daniel Yergin, Ben Bernanke, Anthony Giddens – são produtos atrozes do poder autocentrado, autorreferente, materialista, das corporações no poder. Usam a ideologia utopista da globalização como justificativa moral para o que não é senão autorreferência, auto-obcecação da elite, em seus privilégios. Não questionam o projeto imperial dos EUA, a miséria crescente dentro dos EUA, a desigualdade dentro dos EUA, não veem as diferenças em segurança e em riqueza que há entre aquele pequeno grupo e o resto dos seres humanos que há no planeta. Abraçaram a globalização porque essa ideologia, como outras ideologias teológicas, justificam o privilégio e o poder de uns, e a desgraça e a miséria de outros. Como outros fundamentalistas religiosos, os crentes fiéis fundamentalistas que cultuam o mercado dizem que a globalização não é uma ideologia, mas a expressão de verdade incontroversa. Desmascarar a fraude, é pecado.

E, porque a verdade sempre foi ocultada, toda a ideologia econômica e política da globalização foi excluída das discussões públicas. A globalização foi vendida ao mundo como qualquer outro produto, sem defeitos, só com qualidades. A discussão que não se fez publicamente, socialmente, nos tempos triunfalistas da globalização, muito menos se fará agora, em tempos do colapso.

A defesa da globalização marca um ponto de ruptura perturbadora, na vida intelectual dos EUA. O colapso da economia global em 1929 desacreditou os ideólogos da desregulamentação dos mercados. Abriu espaço para visões alternativas, muitas das quais fruto dos movimentos socialistas, comunistas e anarquistas que houve um dia nos EUA e, então puderam ser ouvidos. Os EUA reagiram à realidade política. A capacidade de criticar cânones políticos e econômicos resultaram no New Deal, que desmantelou monopólios, mas desmantelou também as regulações a que estavam submetidos bancos e grandes corporações.

Mas hoje, porque as corporações controlam todo o sistema de comunicação de massa, e porque milhares de economistas, professores de administração de empresa, analistas de finanças, jornalistas e gerentes de empresa apostaram seus currículos, sua credibilidade e suas carreiras profissionais na utopia global, os cidadãos, entre si, só discutem bobagens, trivialidades, ou falam sobre o que não entendem. Como se os EUA ainda seguissem o conselho de Alan Greenspan, que dizia que Ayn Rand, romancista de quinta categoria seria grande “guru econômico”, ou de Larry Summers, cujo programa de desregulação dos bancos, quando foi secretário do Tesouro do presidente Bill Clinton, ajudou a capar alguma coisa como 17 trilhões em salários, aposentadorias e poupanças pessoais.

Candidatos à presidência como Mitt Romney dizem aos cidadãos que cortes de impostos devidos pelas grandes empresas as forçariam a “repatriar”, de volta para os EUA, os lucros e empregos que “exportaram”. Essa foi ideia de um gerente de fundo de investimentos que fez fortuna a partir de um programa de demitir empregados e é bom exemplo de a que ponto de minúcia chegou a máscara racional que se encontrou para encobrir a irracionalidade do discurso político da globalização.

Civilizações em declínio muitas vezes preferem qualquer esperança, por absurda que seja, à verdade. A mentira torna a vida mais suportável. Por isso os apologistas da globalização ainda encontram defensores. E seu sistema de propaganda construiu uma vasta cidade-Potemkin chamada de “entretenimento”. As dezenas de milhões de norte-americanos empobrecidos, acossados pela miséria, são invisíveis. Não chegam às televisões. Como outros milhões de pobres, que vivem em favelas, em todo o mundo. Não os vemos sofrer e morrer. Discutimos outras coisas, sempre tolices. Discutimos incansavelmente teorias absurdas. Investimos nossa energia emocional em “reality shows” que celebram o excesso, o hedonismo, a boa forma física. A vida opulenta e ociosa de uma oligarquia, oferecida como se fosse uma espécie de espelho macabro: 1%, a oligarquia nos EUA, come mais vitaminas que os 90% restantes da população, somados. (...) O curto circuito de todos os valores e a perversão da consciência social pela “ideologia global”, ideologia das corporações, do estado Wall Street, desenharam uma paisagem na qual figuras “corporativas” como Donald Trump podem pensar em concorrer à presidência: dado que sabe acumular quantidades astronômicas de dinheiro privado... com certeza será presidente sábio. (...)

Os propagandistas da globalização, do globalismo, creem no crescimento natural dessa imagem, em mundo culturalmente analfabetizado. Fala-se sobre teoria política e economia, em frases clichês, ocas. Mobilizam-se os desejos mais irracionais, os medos. Selecionam-se alguns números, alguns dados isolados, para usá-los como demonstração... do que se queira demonstrar. Pregam e ensinam a ignorância, como se fosse saber: a globalização fez dos EUA, potência. Somos grandes. A mentira é verdade. Guerra é paz.

Enquanto os EUA não acordarem desse sono de autoilusão, continuaremos andando na direção errada. É hora de os EUA acordarem e começarem a agir. Temos de reencontrar nossa perdida potência, a prática norte-americana de atos de desobediência civil, contra o estado Wall Street, contra o estado dominado pelas corporações. Temos de nos separar de todas as instituições liberais que servem às corporações, da imprensa, das universidades e dos partidos do establishment corporativo – é hora, sobretudo, de os norte-americanos nos separarmos do Partido Democrata que já nos está empurrando para uma guerra global – antes que nos empurre, de vez, para uma catástrofe global.

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sábado, março 26, 2011

a Vale foi a primeira grande empresa a cortar 1.300 trabalhadores em dezembro de 2008, quando o governo tomava medidas anti-cíclicas na frente do crédito, do consumo e do investimento. A Petrobrás não demitiu. Ao contrário, reafirmou seus investimentos no pré-sal, que hoje somam mais de US$ 200 bilhões até 2014.

Posted: 24 Mar 2011 11:57 PM PDT
Carta Maior

“O conservadorismo brasileiro, é forçoso reconhecer, não abandona seus heróis e mitos. Roger Agnelli, colocado na presidência da Vale do Rio Doce pelo tucanato, em 2001, é um deles. A Vale foi privatizada por R$ 3,3 bilhões, em 1997. Atualizado, o valor corresponde ao lucro líquido da empresa obtida apenas em um trimestre (o 3º) de 2010. Um negocião. Agnelli é o herói pró-cíclico desse épico neoliberal. Compõe a galeria dos executivos 'matadores' de um capitalismo reflexo, imediatista, em que as coisas dão certo quando tudo dá certo. Esses centuriões atingem seu apogeu no ciclo de alta da acumulação, quando euforia, especulação e irresponsabilidade se mesclam fornecendo o pavio para o estouro inevitável do paiol econômico na etapa seguinte, em que empregos e riquezas são dizimados para o 'ajuste responsável'.

Nesse momento, as baterias midiáticas desviam o foco dos agnellis para martelarem 'o corte das despesas públicas' . O importante então é salvar a banca e as corporações e não desperdiçar recursos em programas, projetos ou obras do interesse da sociedade que envolvam despesas e investimentos públicos e privados prejudiciais aos retornos dos acionistas. Agnelli deu certo esburacando o país para saciar a fome das siderúrgicas chinesas e japonesas. Hoje o Brasil é um paradoxo mineral: exporta ferro e importa trilhos. Zero de agregação de valor.

Enquanto o mundo mastigava avidamente o minério de teor de ferro mais elevado do planeta, Agnelli foi de vento em popa incensado pela mídia a cada balanço, seguido de robustas rodadas de distribuição de lucros aos acionistas. Bastou o primeiro soluço da crise mundial para que o herói pró-cíclico reagisse de forma reflexa e, como um réptil invertesse o bote: a Vale foi a primeira grande empresa a cortar 1.300 trabalhadores em dezembro de 2008, quando o governo tomava medidas anti-cíclicas na frente do crédito, do consumo e do investimento. A Petrobrás não demitiu. Ao contrário, reafirmou seus investimentos no pré-sal, que hoje somam mais de US$ 200 bilhões até 2014.

Se um herói pró-cíclico dirigisse a Petrobrás e um tucano ocupasse o Planalto, o óleo do pré-sal teria o mesmo destino do minério da Vale: embarque imediato pelo portão do entreguismo; nenhuma preocupação em agregar valor local, impulsionar a industrialização brasileira ou criar um fundo para investir no futuro da sociedade. O mandato de Agnelli na presidência da Vale termina agora. O que está em jogo na sua sucessão é o confronto entre essas duas lógicas: a do interesse público brasileiro e a da coalizão mercadista.” 

‘troféu de caça', um civil inocente; o militar norte-americano ria inclinado sobre o corpo e com uma mão torcia o rosto ensangüentado para as câmeras

ÓCIO IMPERIAL 
"o cabo Jeremy Morlock, da Quinta Brigada de Ataque do Exército americano em Kadahar contou que começou a matar civis desarmados junto com seus colegas depois do Natal de 2009, segundo ele, com o apoio de seu sargento, Calvin Gibbs. Morlock, aparentemente, tem o hábito de cortar os dedos dos inimigos que mata; ele confessou que havia matado por esporte durante seu rodízio no Iraque." (Página 12/IHU , sobre o cabo Jeremy Morlock, condenado a 24 anos de prisão. Seu caso veio à tona quando a revista Der Spiegel publicou fotos em que ele  ostentava um ‘troféu de caça', um civil inocente; o militar norte-americano ria inclinado sobre o corpo  e com uma mão torcia o rosto ensangüentado para as câmeras, como fazia com os  alces que abatia no seu Alasca natal)
(Carta Maior; Sábado, 26/03/2011)
 
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