quarta-feira, março 02, 2011

“Nós somos bombeiros, nós respondemos a emergências... Nós estamos respondendo a uma emergência das classes baixas.”

Além dos sindicatos, além de Wisconsin
Como americanos de variadas profissões, religiões e estados estão se unindo em oposição à lei anti-sindicatos em Wisconsin – e cultivando um movimento que vai muito além das fronteiras do estado.
Por Micah Uetricht
[01 de março de 2011 - 12h02]
Logo antes das 03h da manhã de ontem, enquanto eu me servia de um monte enorme de mantimentos doados, no Capitólio de Wisconsin, conheci Taylor Tengwall. Ele é um estudante do segundo ano na Universidade de Wisconsin (UW-Superior), que não tinha nenhuma ligação anterior com o movimento de trabalhadores – ou movimento algum, mais especificamente. “Eu nunca fiz uma coisa deste tipo em toda a minha vida”, me contou.
Ele primeiro chegou a Madison, há uma semana, com alguns amigos, esperando ir embora dois dias depois. Mas Tengwall diz que foi tão tocado pelo que viu que disse aos seus amigos para voltarem para casa sem ele.
“É a experiência mais tocante e transformadora de paradigmas que eu já vivi”, diz, aparentando estar totalmente disposto, apesar da alta hora da madrugada. “Cheguei aqui muito indignado e furioso. Muitas pessoas chegaram assim. E estas pessoas formaram algo pacífico e tão significativo”. Ele percebeu “nós temos o poder”, conta.
De bombeiros a líderes religiosos: um movimento de solidariedade
Trabalhadores do setor público e membros do sindicato correm o risco de perder grande parte de seus direitos na aprovação da Lei de Reforma do Orçamento, proposta em Wisconsin e que essencialmente retiraria todos os direitos de negociação dos sindicatos. E os membros dos sindicatos e suas lideranças certamente foram cruciais para a iniciativa de organização dos protestos. Mas não é necessário passar mais do que algumas horas em Madison conversando com manifestantes e ouvindo os depoimentos de moradores locais para perceber que este movimento já está para além dos sindicalistas.
Um impressionante e orgânico conjunto de estudantes, trabalhadores de colarinho branco, líderes religiosos, trabalhadores sindicalizados não atingidos pela lei e cidadãos comuns se reuniu em Madison. Eles inspiraram manifestações por todo o país, e até mesmo não-apoiadores dos sindicatos se juntaram com trabalhadores sindicalizados em solidariedade a Wisconsin ou para se levantarem contra propostas similares em seus próprios estados.
A maior parte da mídia se focou nas grandes multidões que lotaram a rotatória do capitólio e as ruas do lado de fora. Com dezenas de milhares de pessoas se juntando, estas cenas têm sido impressionantes de se testemunhar pessoalmente. Mas o terceiro andar do capitólio, uma cena muito mais tranquila e reservada se revelou. Legisladores democráticos têm organizado audiências sobre a lei, audiências com os moradores do estado, um por um, sobre como a lei os afetaria. A maioria não são membros dos sindicatos, mas simplesmente moradores de Wisconsin de todos os tipos.
Muitos deles são estudantes. Jessica Weber, uma estudante de graduação em Educação na UW-Platteville, tomou o microfone em frente a uma sala cheia. Ela sempre quis ser professora desde que era criança, explicou. Mas a Lei Walker a deixou “assustada".
“É como um tapa na minha cara”, Weber disse. “Wisconsin nunca me fez sentir assim antes; estou triste que haja pessoas que têm poder para fazer isto”.
Analyse Dickinson, uma estudante da UW-Madison, nascida em Michigan, pegou o microfone em seguida. Ela estava preocupada com o potencial da lei em criar o fenômeno que o estado experimenta atualmente: “drenagem cerebral,” a perda de pessoas escolarizadas para estados com trabalhos e condições de trabalho melhores. Mais importante, ela disse, é que a lei reorientaria as prioridades do estado para longe das pessoas de classe média e baixa e iria em direção a priorizar os ricos.
“Demonstra que Wisconsin é um estado onde as corporações são mais importantes que os trabalhadores”, ela disse. A oposição dela “se trata de respeitar os direitos daqueles que não podem comprar o poder”.
Esta é uma posição compartilhada por líderes religiosos por todo o estado e pelo país. Os rabinos da área de Madison publicaram uma declaração conjunta na quarta-feira, condenando a lei, e dizendo: “Como rabinos, isto é uma afronta aos nossos valores – a ordem judaica de proteger os trabalhadores, bem como os pobres e necessitados entre nós. Esta é uma afronta a nossa profunda estima pela educação, pelo apoio aos direitos das mulheres, e pela criação de comunidades sustentáveis. E é uma afronta a nossa crença de que estas questões devem ser debatidas aberta e justamente sobre séria avaliação pública.”
Líderes religiosos progressistas como reverendo Jesse Jackson saíram em protesto contra a lei, é claro, mas também o fizeram outros líderes religiosos locais não tão conhecidos por apoiar causas trabalhistas. Em Wisconsin e Illinois oferecem até mesmo “um lugar no céu” para os 14 senadores democratas que fugiram do estado de Wisconsin para evitar que a lei fosse votada (isto requereria a presença de ao menos um democrata no Senado do estado). Kim Bobo, diretor executivo da Coalizão InterFé pela Justiça Trabalhista, modificou uma antiga canção de protesto, que agora diz algo como “Me diga como é a religião / É assim que é a religião!”.
Trabalhadores sindicalizados cujos direitos não estão correndo riscos têm sido alguns dos participantes mais ativos. Alguns dos poucos trabalhadores públicos que não irão perder seus direitos de barganha coletiva com a lei são os agentes policiais e bombeiros. (Ambos os sindicatos apoiaram Walker para governador). Então a proeminente participação de bombeiros e policiais durante os protestos tem sido, de alguma forma, surpreendente.
Não deveria ser, eles dizem. “Nós não podíamos simplesmente ficar parados e deixar que isso acontecesse aos nossos irmãos e irmãs,” Mahlon Mitchell, Presidente Estadual dos Bombeiros Profissionais de Wisconsin disse ao Huffington Post. “Nós somos bombeiros, nós respondemos a emergências... Nós estamos respondendo a uma emergência das classes baixas.”
Nas enormes manifestações dentro da rotatória, nenhum outro grupo puxa palavras de ordem tão ásperas quanto os bombeiros.
“É poderoso”, diz Alex Hanna, um estudante da graduação em sociologia na UW-Madison e presidente da Associação dos Assistentes de Professores. “Todos sabem que eles estão aqui para mostra solidariedade. Isto realmente diz muito sobre o senso de camaradagem que este movimento como um todo produziu”.
Não estamos mais em Wisconsin
Durante a semana passada, manifestações de solidariedade se espalharam rapidamente para muito além de Wisconsin. Em grandes cidades como Nova York e Chicago, assim como nas pequenas como Juneau, no Alabama e Helena, em Montana, os cidadãos se manifestaram ou estão planejando manifestações em apoio aos trabalhadores de Wisconsin. No sábado, o MoveOn.org estava ajudando a coordenar manifestações similares nos capitólios de todos os 50 estados. Uma pesquisa da USA Today/Gallup descobriu que 61% dos americanos se opõem a ataques à negociação coletiva como o que está na lei de Wisconsin.
Mas nem todos os protestos são um simples apoio a Wisconsin; em muitos estados, trabalhadores estão protestando para se defender de ataques similares aos seus benefícios ou direitos de negociação. O Washington Post nomeou os pontos mais fortes do movimento em Iowa, Illinois, Indiana, Michigan, Ohio, Tennessee, Pennsylvania e Califórnia. Em Trenton, New Jersey, o presidente da Federação Americana de Trabalho e Congresso de Organizações Industriais (AFLCIO, por seu nome em inglês) disse aos manifestantes, “O que acontece em Wisconsin afeta todos os homens, mulheres e crianças na América. Nada menos que o destino de nossa classe média está em jogo.”
Em Columbus, Ohio, onde centenas protestaram contra a lei anti-sindicatos, os agentes de segurança do estado bloquearam os cidadãos do lado de fora do capitólio, com medo de uma ocupação ao estilo da que ocorre em Madison. Senadores do estado de Indiana seguiram o exemplo dos senadores de Wisconsin e fugiram do estado em protesto contra uma lei anti-sindicatos no próprio estado (o líder do senado de Indiana declara que, por hora, a lei está “morta”).
No sábado, estudantes e apoiadores dos sindicatos irão protestar em Topeka, Kansas – diferentemente de Madison, esta é uma cidade não conhecida por sua história de lutas trabalhistas e solidariedade. Ben Jefferies, um estudante de Economia na Universidade de Kansas, é um dos apoiadores de Wisconsin que está organizando o protesto.
“Um movimento forte dos sindicatos foi e ainda é essencial para a existência daquela classe média”, Jefferies disse. “É verdadeiramente uma amnésia cultural se as pessoas se esqueceram deste fato”. Ele está particularmente preocupado com a lei de Wisconsin porque ele já vivenciou o efeito de uma legislação similar que foi aprovada em seu próprio estado.
“O Kansas já perdeu muito do espaço legítimo que permite aos sindicatos de trabalhadores de setores públicos ou privados se fortalecerem”, ele disse. “A questão fundamental com esta lei é que retira o direito legítimo dos trabalhadores, de negociarem coletivamente, removendo um componente chave da democracia do trabalho. Se permitirmos que isso aconteça em um lugar, provavelmente se espalhará. É importante que apoiemos fortemente os direitos dos trabalhadores antes que aqueles que se opõe a estes direitos ganhem mais força.”
Micah Uetricht escreveu este artigo para a YES! Magazine, uma organização de mídia, americana, não-lucrativa, que junta idéias poderosas com ações práticas. Micah é um escritor contratado do CampusProgress.org e do GapersBlock.com, a um contribuinte freqüente para o In These Times. Ele vive em Chicago.
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