sexta-feira, setembro 25, 2015

A natureza ultraliberal do projeto golpista no Brasil

Os golpistas e seus economistas de plantão, por José Luís Fiori

O Jornal de todos Brasis
Do Valor
Por José Luís Fiori
 
"Uma vez me perguntaram se o Estado brasileiro é muito grande. Respondi assim: "Eu vou lhe dar o telefone da minha empregada, porque você está perguntando isto para mim, um cara que fez pós­doutorado, trabalha num lugar com ar­-condicionado, com vista para o Cristo Redentor. Eu não dependo em nada do Estado, com exceção de segurança. Nesse condomínio social, eu moro na cobertura. Você tem que perguntar a quem precisa do Estado". 
 
Luiz G. Schymura, "Não foi por decisão de Dilma que o gasto cresceu", Valor, 07/08/2015 
 
Duas coisas ficaram mais claras nas últimas semanas, com relação à tal da "crise brasileira". De um lado, o despudor golpista, e de outro, a natureza ultraliberal do seu projeto para o Brasil. Do ponto de vista político, ficou claro que dá absolutamente no mesmo o motivo dos que propõem um impeachment, o fundamental é sua decisão prévia de derrubar uma presidente da República eleita por 54,5 milhões de brasileiros, há menos de um ano, o que caracteriza um projeto claramente golpista e antidemocrático, e o que pior, conduzido por lideranças medíocres e de discutível estatura moral. 
Talvez, por isto mesmo, nas últimas semanas, a imprensa escalou um grupo expressivo de economistas liberais para formular as ideias e projetos do que seria o governo nascido do golpe. Sem nenhuma surpresa: quase todos repetem as mesmas fórmulas, com distintas linguagens. Todos consideram que é preciso primeiro resolver a "crise política", para depois poder resolver a "crise econômica"; e uma vez "resolvida" a crise política, todos propõem a mesma coisa, em síntese: "menos Estado e menos política". 
 
Não interessa muito o detalhamento aqui das suas sugestões técnicas. O que importa é que suas premissas e conclusões são as mesmas que a utopia liberal repete desde o século XVIII, sem jamais alcançá­-las ou comprová-­las, como é o caso de sua crença econômica no "individualismo eficiente", na superioridade dos "mercados desregulados", na existência de mercados "competitivos globais", e na sua fé cega na necessidade e possibilidade de despolitizar e reduzir ao mínimo a intervenção do Estado na vida econômica
 
É muito difícil para estes ideólogos que sonham com o "limbo" entender que não existe vida econômica sem política e sem Estado. É muito difícil para eles compreender ou aceitar que as duas "crises brasileiras" são duas faces de um conjunto de conflitos e disputas econômicas cruzadas cuja solução tem que passar inevitavelmente pela política e pelo Estado. 
 
Não se trata de uma disputa que possa ser resolvida através de uma fórmula técnica de validez universal. Por isto, é uma falácia dizer que existe uma luta e uma incompatibilidade entre a "aritmética econômica" e o "voluntarismo político". Existem várias "aritméticas econômicas" para explicar um mesmo déficit fiscal, por exemplo, todas só parcialmente verdadeiras. Parece muito difícil para os economistas em geral, e em particular para os economistas liberais, aceitarem que a economia envolve relações sociais de poder, que a economia é também uma estratégia de luta pelo poder do Estado, que pode estar mais voltado para o "pessoal da cobertura", mas também pode ser inclinado na direção dos menos favorecidos pelas alturas.
 
Agora bem, na conjuntura atual, como entender o encontro e a colaboração destes economistas liberais com os políticos golpistas?
 
O francês Pierre Rosanvallon dá uma pista, ao fazer uma anátomo-­patologia lógica do liberalismo da "escola fisiocrática" francesa, liderada por François Quesnay. Ela parte da proposta fisiocrático-­liberal de redução radical da politica à economia e da transformação de todos os governos em máquinas puramente administrativas e despolitizadas, fiéis à ordem natural dos mercados. E mostra como e por que este projeto de despolitização radical da economia e do Estado leva à necessidade implacável de um "tirano" ou "déspota esclarecido" que entenda a natureza nefasta da política e do Estado, se mantenha "neutro", e promova a supressão despótica da política, criando as condições indispensáveis para a realização da "grande utopia liberal", dos mercados livres e desregulados. 
 
Foi o que Rosanvallon chamou de "paradoxo fisiocrata", ou seja: a defesa da necessidade de um "tirano liberal", que "adormecesse" as paixões e os interesses políticos, e se possível, os eliminasse
 
No século XX, a experiência mais conhecida deste projeto ultraliberal foi a da ditadura do Sr. Augusto Pinochet, no Chile, que foi chamada pelo economista americano Paul Samuelson de "fascismo de mercado". Pinochet foi ­ por excelência ­ a figura do "tirano" sonhado pelos fisiocratas: primitivo, quase troglodita, dedicou­-se quase inteiramente à eliminação dos seus adversários e de toda a atividade politica dissidente, e entregou o governo de fato a um grupo de economistas ultraliberais que puderam fazer o que quiseram durante quase duas décadas.
 
No Brasil não faltam ­ neste momento ­ os candidatos com as mesmas características e os economistas sempre rápidos em propor e dispostos a levar até as últimas consequências o seu projeto de "redução radical do Estado", e se for possível, de toda atividade política capaz de perturbar a tranquilidade de sua "aritmética econômica".
 
Neste sentido, não está errado dizer que os dois lados deste mesmo projeto são cúmplices e compartem a mesma e gigantesca insensatez, ao supor que seu projeto golpista e ultraliberal não encontrará resistência, e no limite, não provocará uma rebelião ou enfrentamento civil, de grandes proporções, como nunca houve antes no Brasil.
 
Porque não é necessário dizer que tanto os líderes golpistas quanto seus economistas de plantão olham para o mundo como se ele fosse uma "enorme cobertura", segundo a tipologia sugerida na epígrafe, pelo Sr. Luiz Schymura. Um raro economista liberal, em entender a natureza contraditória dos mercados, e natureza democrática do atual déficit público brasileiro.
 
1) P. Rosanvallon, Le liberalisme économique. Histoire de l'idée de marché, Editions Seuil, Paris, 1988
 
José Luís Fiori, professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "História, estratégia e desenvolvimento" (2014) da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ. 
 

quinta-feira, setembro 24, 2015

Vaccari foi condenado por ter sido tesoureiro do PT

Sérgio Moro condena Vaccari e a democracia


É impossível aceitar a narrativa hipócrita de que as doações arrecadadas oficialmente sejam transformadas em propina somente quando é ao PT
A decisão do juiz federal Sérgio Moro em condenar João Vaccari Neto, apesar de não ter sido produzida qualquer prova no processo, não surpreende ninguém.
Vaccari foi condenado por ter sido tesoureiro do PT e arrecadado recursos legais e oficiais para o partido. Essa sentença apenas mostra a parcialidade de Moro no processo e a ilegalidade de condenar alguém com base na palavra de delatores.
Toda vez em que Moro cita a operação Mãos Limpas, comparando-a com a Lava Jato, deixa transparecer que fez tudo de caso pensado para estar neste lugar de protagonista, tamanha sua obsessão e perseguição.
Confira o trecho que resume a justificativa do juiz-celebridade:
“Parte da propina  foi direcionada a João Vaccari Neto, tesoureiro  do  Partido  dos  Trabalhadores,  o  que  foi  feito  na  forma  de  doações registradas perante a Justiça Eleitoral”.
Ora, não há prova! Moro condena com base interpretação e falas contraditórias de delatores.
Desde o início, Vaccari alertava: “estão tentando transformar doações legais em ilegais e criar um fato midiático”. E assim fizeram. Foram vários os espetáculos midiáticos, a começar pela clara tentativa de usar a operação para interferir no processo eleitoral de 2014.
Posteriormente, foi uma sucessão de absurdos e perseguições, que é impossível elencar em apenas um texto. Mas vamos a alguns episódios envolvendo o ex-tesoureiro do PT.
Quem se recorda da condução coercitiva desnecessária e do circo em que se transformou a CPI da Petrobras, quando Vaccari abriu mão do direito de permanecer calado e, ignorando as provocações de um jogo sujo e mesquinho que incluiu a aparição de ratos em plenário, reafirmou o que sustentou desde que envolveram seu nome e as contas do partido nas denúncias?
Quem se recorda da perseguição injusta e criminosa a seus familiares, que resultou até mesmo na absurda prisão de sua cunhada por engano? Quem se lembra da tentativa de criminalizar a compra da sua casa própria e a de sua filha?
Vaccari possui apenas uma conta corrente que, assim como as contas de sua esposa e filha, foi investigada na quebra de sigilo bancário e fiscal e nada de irregular foi encontrado.
Tudo foi amplamente respondido pela defesa. Não encontraram nenhum fiapo de prova contra o ex-tesoureiro do PT. Não há documentos, dinheiro apreendido ou contas no exterior que envolvam o Vaccari.

- Querem transformar doações legais em ilegais
- Novo indiciamento de Vaccari é vingança política
- Alegações finais da defesa comprovam que Vaccari é inocente
O ex-tesoureiro do PT agiu como determina a lei. Todas as doações foram feitas dentro dos critérios estabelecidos, por via bancária, mediante recibos, com transparência e com a devida prestação de contas às autoridades, conforme comprovado por documentos declarados à Justiça Eleitoral e aprovados pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Aliás, todos os partidos políticos do País funcionam assim, ou não? Os recursos arrecadados pelo PT em nível nacional são praticamente equivalentes aos recursos recebidos, por exemplo, pelo PMDB e PSDB, como já falamos várias vezes aqui neste Blog. Inclusive as mesmas empresas citadas na Lava Jato doaram para cerca de 20 partidos.
Diferente de Vaccari, que nunca coagiu qualquer empresário a fazer doação ao PT, a operação Lava Jato coagiu mais de 30 delatores até agora.
Ou manter alguém preso não é coação? Ou falar “entrega fulano e beltrano que vai dormir em casa” não é coação?
Na maioria dos países, a delação premiada é vista com muitas reservas, pois incute o princípio da traição. A Constituição do Brasil de 1988, resultado do processo de redemocratização, tem como princípio a humanização, a solidariedade e a presunção de inocência.
É um absurdo que a delação premiada passe a ser princípio para se fazer justiça em nossa sociedade.
É impossível aceitar a narrativa hipócrita de que as doações, arrecadadas oficialmente como prevê a lei, sejam transformadas em propina porque alguns setores da sociedade querem o fim do PT.
Condenar Vaccari, da forma como fez Moro, tentando criminalizar as doações oficiais de um único partido, é um atentado à democracia.
Dossiê comprova detalhadamente a inocência de Vaccari

Faltou combinar antes com os russos: os EUA e a situação na Síria


Depois de tentar retirar a Síria da área de influência de Moscou, armando terroristas, Washington reconhece agora que terá de negociar com a Rússia

Mauro Santayana

Tendo aberto a Caixa de Pandora na Síria, ao tentar retirar esse país da área de influência de Moscou, armando terroristas islâmicos para derrubar o governo - aliado russo - de Bashar Al Assad, e depois de destruir, nessa tentativa, a nação que tem mais refugiados hoje espalhados pelo mundo, Washington reconhece agora que terá de negociar com Moscou por meio de "discussões táticas práticas", para evitar "erros de cálculo" que possam colocar os EUA e a Rússia em conflito no teatro de operações sírio.

Incapaz de colocar tropas no local - seu negócio é brincar com joysticks, bombardeando apenas algumas posições do Estado Islâmico, um inimigo que eles próprios criaram, no Iraque e na Síria, dois países que estavam estáveis e em paz antes das recentes, em termos históricos, intervenções dos EUA e de seus aliados - Washington diz que quer evitar que algum soldado russo, existem vários deles no país, sediados na base naval russa de Tartus e na base aérea síria de Latakia - seja inadvertidamente ferido por ações militares "ocidentais", dirigidas contra os terroristas.

Na verdade, por trás das declarações norte-americanas - "queremos evitar problemas", afirmou o porta-voz do Pentágono, Peter Cook - está o reconhecimento tardio dos EUA, de três situações óbvias;

Primeiro, a da tremenda imbecilidade estratégica que os Estados Unidos cometeram, ao incentivar e armar terroristas "islâmicos" para derrubar um governo leigo e estável, propiciando a destruição de todo um povo e o surgimento de um exército de psicopatas, assassinos e estupradores, que dificilmente será controlado nos próximos anos.

Em segundo lugar, a de que, sem o auxílio dos russos, combatendo ao lado de Bashar Al Assad, será impossível tentar ao menos enfraquecer o ISIS, ou EI, na frente síria, ou manter ali, ocupados, parte de seus combatentes, aliviando a pressão sobre outras frentes nas quais os Estados Unidos e a OTAN estão mais diretamente envolvidos, como a do Iraque.

E, em terceiro lugar, o reconhecimento do poder russo na Síria, como país sob influência direta de Moscou, que era justamente o que os EUA tentaram desafiar desde o início.

Não teria sido mais fácil ter feito isso há três anos, antes de arrebentar com  toda a região, e de provocar a morte de centenas de milhares de homens, mulheres e crianças e o exílio forçado, na maior parte para campos de refugiados no meio do deserto, de - até agora - um terço da população síria?

Por outro lado, para não dar o braço a torcer, os EUA e a União Europeia anunciaram também, nesta semana, que estão pensando em "prorrogar" as sanções contra Moscou, para além de 2015.

Eles têm é que pesar as consequências, para, também por ali, não continuar atirando contra si mesmos, transformando o pé em uma peneira. O agravamento da situação na Rússia tem direta influência sobre a economia e as condições de vida na Ucrânia, que depende de Moscou, entre outras coisas, para não congelar no inverno como um imenso picolé, até a medula.

Como já lembramos antes, se houver um conflito de maior escala entre a Rússia e a Ucrânia, a União Europeia será invadida por nova onda de refugiados, ao Leste, diante da qual as "invasões bárbaras" de pobre emigrantes, vindos do Mediterrâneo, vão parecer - com o perdão da palavra - uma brincadeira.   


quinta-feira, setembro 17, 2015

Rússia expõe a estratégia clandestina dos EUA na Síria


O problema dos refugiados sírios vinha amadurecendo lenta e continuadamente e teria sido o pretexto perfeito para uma 'intervenção humanitária' comandada pelos EUA ["Bombardear para Proteger"] na Síria.  Mas a Rússia chegou antes, e o róseo plano norte-americano pode ter gorado.

As políticas dos EUA para o Oriente Médio vêm-se mantendo obcecadamente fixas em 'mudança de regime' na Síria há pelo menos uma década, desde a invasão do Iraque em 2003. (A agenda neoconservadora original planejava 'mudar' regimes no Iraque, Irã e Síria, mas deu em nada, quando os campos de matança no Iraque começaram a ditar a geopolítica.)

Não é difícil entender e acreditar que a inteligência russa, sim, pôs fim à trama diabólica dos EUA para criar um fato consumado em solo, na Síria. O pacto
faustiano entre Washington e a Turquia e a autorização do presidente Barack Obama para ataques aéreos na Síria (inclusive contra o Exército Árabe Sírio), o frenesi com que Grã-Bretanha e Austrália uniram-se às missões de bombardeios norte-americanos contra a Síria, declarações da OTAN, os incansáveis esforços dos EUA, por baixo dos panos, para minar o trabalho de Moscou para iniciar e pôr em andamento um processo de paz entre os próprios sírios – de todos os lados abundavam os indícios daquele sinistro plano político-militar.

Mas o suspense subiu à estratosfera, quando a inteligência russa entrou claramente em cena. Numa rara cena de 'revelação', domingo à noite, durante entrevista ao canal estatal de televisão – provavelmente pré-arranjada deliberadamente – o ministro de Relações Exteriores da Rússia semeou 'pistas' crucialmente importantes sobre a agenda norte-americana clandestina para a Síria escondida por trás da chamada luta para 'degradar e derrotar' o Estado Islâmico. Disse Lavrov:
  • "Espero não estar cometendo alguma indiscrição, se disser que alguns de nossos contrapartes, membros da coalizão, dizem que às vezes recebem informação sobre as posições de alguns grupos do Estado Islâmico, mas o comandante da coalizão – nos EUA, naturalmente – nunca entende que seja boa hora para atacar.
  • Ou nossos contrapartes norte-americanos, nunca, desde o início, contaram com coalizão muito coesa, ou, na verdade sempre quiseram atingir outros alvos, diferentes dos declarados. A coalizão formou-se de modo muito espontâneo: em apenas uns poucos dias, declararam que estava tudo pronto, alguns países já se haviam unido, e começaram alguns ataques.
  • Quem analise a aviação da coalizão verá coisas bem estranhas. O que suspeitamos é que, à parte os objetivos declarados de dar combate ao Estado Islâmico, há algo mais nos planos da coalizão. Não quero oferecer conclusões precipitadas – ainda não se entende claramente que impressões, informações ou superiores ideias o comandante acalenta – mas há sinais desse tipo e não param de chegar.


Lavrov é diplomata experiente e brilhantíssimo. De modo algum teria feito esses comentários movido por impulso instantâneo. Verdade é que a guerra à distância dos EUA contra a Síria ganhou um toque de terrível beleza.

Lavrov disse aos EUA, polidamente, que desistam de tentar impedir a Rússia de saltar na jugular do Estado Islâmico. E que, se não desistirem, choverá lama na cabeça de Obama.

Em palavras simples, Lavrov sinalizou a Washington que Moscou já sabe sobre o plano dos EUA de meter os terroristas do Estado Islâmico como sua pata de gato, mais dia menos dia, no baixo ventre macio da Rússia na Ásia Central e no norte do Cáucaso.

É claro que a inteligência russa sabe que centenas de combatentes viajaram da Rússia para se unirem ao EI. (De fato, Abu Omar Shishani, checheno étnico, é alto comandante do EI.) Dada essa sombria realidade, Moscou decidiu traçar sua linha vermelha. Concluiu que o EI é ameaça significativa às regiões russas de maioria muçulmana no norte do Cáucaso.

A seriedade com que Moscou está tratando a ameaça incipiente à sua segurança nacional está evidente na decisão do presidente Vladimir Putin de ir à Assembleia Geral da ONU no final desse mês, para fazer conclamação planetária a favor de os países cooperarem para derrotar o EI.

As duas vias paralelas – aprofundar o envolvimento militar na Síria também em solo e abrir uma via diplomática até o pódio da ONU – visam a derrotar a ação dos EUA que tenta repetir a estratégia da guerra fria, de blindar Washington e jogar o Islã militante contra a Rússia.

A diplomacia russa no passado recente trabalhou para desenvolver extensiva rede pelo Oriente Médio muçulmano. O esforço parece ter valido a pena. Interessante: Lavrov praticamente revelou, durante a entrevista pela televisão, ontem, em Moscou, que os aliados regionais dos EUA no Oriente Médio, eles mesmos, também já suspeitam das reais intenções de Washington quanto ao EI. É revelação deveras espantosa.

Lavrov também ergueu outra pontinha do véu, ao fazer saber aos norte-americanos que a inteligência militar russa está não apenas monitorando as operações da força aérea militar norte-americana no Iraque, mas, além disso, já analisou cientificamente os planos de voo dos aviões dos EUA e coisa-e-tal. Em resumo, os russos parecem já ter cacife de inteligência para comprovar algo que os iranianos dizem há muito tempo, a saber – que a aviação norte-americana está regularmente fornecendo suprimentos para o Estado Islâmico.

Fato é que o firme movimento militar russo na Síria colheu Washington de surpresa. A menos que ponha coturnos norte-americanos em solo sírio, as opções de Washington para forçar os russos a recuar são mínimas. Grécia e Irã já fizeram saber aos russos que garantirão direito de trânsito aéreo aos aviões russos em voo para a Síria. (Washington fez de tudo para que Atenas não autorizasse o trânsito dos aviões russos.)

Mas o mais duro golpe que está sofrendo a estratégia norte-americana de contenção contra a Rússia na Síria está vindo da dramática mudança na opinião pública de países europeus, obrigados a lidar com a questão dos refugiados sírios. O sistema de vistos Schengen, que era orgulho e símbolo da União Europeia, foi engavetado do dia para a noite, e reapareceram os postos de controle de fronteira  (Ver aqui e aqui).

A conclamação feita pela chanceler alemã Angela Merkel de que Europa e Rússia devem cooperar no caso da Síria é sinal claro do que está por vir. Obviamente, Moscou deve estar sentindo que o humor europeu vai-se tornando cada dia mais desfavorável a que os EUA mantenham a estratégia para conter a Rússia – e não só na Síria, como também na Ucrânia (Vide no meu blog Ukraine tensions easing, but EUA won’t let go easily [Diminuem as tensões na Ucrânia, mas EUA não admitirão facilmente nenhuma solução].)

O ponto é que os europeus não podem aceitar que estejam sendo convocados pelos EUA para dar conta dos cacos que voam para todos os lados do que restou da estratégia dos EUA de fomentar e insuflar uma guerra civil para derrubar o governo estável e democrático do presidente Bashar Al-Assad na Síria. O presidente Obama tem planos para preparar os EUA para aceitarem quota de 10 mil refugiados sírios no próximo ano – mas é menos que uma gota no oceano, considerando que 4 milhões de pessoas, 1/5 da população síria, foi obrigada a deixar o país desde o início da guerra em 2011.

Tudo isso parece estar-se convertendo no maior desastre de política exterior de toda a presidência de Obama. Os EUA estão presos entre a espada e o paredão. A Rússia dificilmente mudará um passo, apesar dos EUA, porque há interesses centrais da segurança nacional russa envolvidos na luta contra o EI, luta para a qual a Rússia precisa da participação da força militar do governo sírio.

Por outro lado, os aliados regionais dos EUA e os neoconservadores em casa pressionam Obama a ‘fazer alguma coisa’, ao mesmo tempo em que os aliados europeus já deixaram claro que querem o imediato fim do conflito na Síria.

A única via aberta para os EUA seria detonar, de vez, o EI; e enterrar o projeto de manipular grupos militantes islamistas como se fossem ferramentas naturais das políticas dos EUA na região e recursos para inflar estratégias de contenção contra a Rússia. Mas... cortar na carne da própria carne não há de ser assim tão fácil. *****

"Agora somos todos gregos"

15/9/2015, Chris Hedge* entrevista Leo Panitch** -- Days of Revolt, Telesur e The Real News Network
Vídeo (ing.) e transcrição (aqui traduzida)

CHRIS HEDGES, ENTREVISTADOR: Alô. Bem-vindos a esse "Dias de Revolta".

Estamos filmando a segunda parte de nossa discussão com o Professor Leo Panitch, (co)autor de
The Making of Global Capitalism, aqui em Toronto. E vamos examinar a guerra política movida pelo sistema bancário internacional e pela elite neoliberal contra todos nós, mas particularmente contra a Grécia, porque a Grécia está na linha de frente, e muitos dos mecanismos que estão sendo usados para controlar a Grécia, a partir do exterior, são mecanismos intimamente familiares para todos nós.

Professor Panitch, obrigado.

LEO PANITCH: Alô, Chris. É ótimo estar aqui.

HEDGES: Então, dia 16 de julho, o Parlamento grego – sei que você vai discutir a avaliação de Tariq Ali, mas, nas palavras dele, o Parlamento grego cedeu a própria soberania, para tornar-se um apêndice semicolonial dos EUA.

PANITCH: Eu estava lá, dia 16 de julho. Acho que não está correto, na medida em que a Grécia não tinha plena soberania antes de 16 de julho, e nem sei com certeza que estados a têm, exceto talvez o Império Norte-americano, e em certa medida a Alemanha, dentro da União Europeia. Pode-se até dizer que a Grécia não tem plena soberania desde a derrota da esquerda no final da 2ª Guerra Mundial.

HEDGES: É, com a Guerra Civil Grega.

PANITCH: E não significa que tampouco a teria tido, se se tivesse convertido em parte do Império Russo.

HEDGES: Certo.

PANITCH: É obviamente o caso de que todos os estados dentro da União Europeia, especialmente do sistema monetário europeu, cederam parte da própria soberania, claro, dado o equilíbrio de poder dentro da União Europeia (UE). Significa muito mais para estados na periferia no sul, e foi mais evidente para a Grécia depois da crise do euro que irrompeu em 2010. Assim, não, não acho que tenham cedido a própria soberania, de repente, naquele dia. E acho que o novo governo eleito no final de Janeiro sabia bem, na estratégia que estava querendo seguir, que só teria sucesso se o sucesso viesse dentro da soberania partilhada que é a UE.

HEDGES: Mas nesse sentido, é uma espécie de chantagem, de extorsão. O sistema bancário internacional e a UE sabem que poderiam destruir, que poderiam destruir facilmente a Grécia, a qual importa centenas de toneladas de comida – e não entendo por quê importa – da Europa Ocidental. Deveriam ser capazes de plantar a própria comida. Devem $1,2 bilhão a empresas europeias de produtos farmacêuticos, o que significa que, se saíssem do euro, absolutamente não teriam crédito. Não teriam como conseguir – já há falta de medicamentos nos hospitais. 60% – as pessoas falam de 50 a 60% de desemprego entre os jovens. Aposentados tiveram redução de 27% nas aposentadorias. Quero dizer: a Grécia está fisicamente em desintegração, Atenas está em desintegração.

E o que eles realmente – a mensagem que foi realmente enviada –, e por isso tenho alguma simpatia, e acho que você também, pelo SYRIZA – é que, se você simplesmente sai fora desse acordo, você vai acabar como Allende no Chile ou Fidel Castro em Cuba, quer dizer, com combustível racionado, filas para comprar pão, cortes de energia elétrica. E isso levou o ex-ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, a dizer que, na essência, os bancos funcionam como os tanques funcionaram, no golpe militar de 1967.

PANITCH: Como tese geral, acho que está absolutamente certa, e acho que, como discutimos na entrevista anterior, a natureza do imperialismo hoje é tal, que o poder financeiro e as instituições do estado que administram o poder financeiro são só o que realmente importa.

HEDGES: Esse, precisamente, é o ponto de que você fala em seu livro.

PANITCH: E acho que a Grécia mostra isso. O que aconteceu no caso grego é que a enorme dívida que o estado grego tem primariamente com bancos alemães e franceses foi paga àqueles bancos com empréstimos que foram feitos à Grécia pelas instituições, pela Europa e pelos estados europeus.

HEDGES: Ok, vamos voltar um pouco, porque...

PANITCH: Parece que o dinheiro chegou à Grécia e poderia ser usado pela Grécia, mas não, nem chegou nem poderia. [Fala entrecruzada] O que aconteceu foi que no caso americano o procedimento TARP foi usado para resgatar diretamente os bancos de Wall Street. No caso europeu, com a conversa dos alemães sobre moral hazard [
risco moral], eles não resgatariam diretamente os bancos. Forçaram a Grécia a resgatar os bancos. E carregavam o peso da dívida porque já haviam resgatado o Deutsche Bank.

HEDGES: É.

PANITCH: Claro que é um escândalo. Em termos éticos é aterrorizante. Mas – e aí está outra razão pela qual o SYRIZA merece parabéns – o SYRIZA compreende muito bem que o estado grego corrupto e clientelista, praticamente todo ele comandando por um partido social-democrata naquele momento, foi quem fez toda a desgraça; foi o partido PASOK que pôs a Grécia nessa situação. Eles se uniram ao euro. Eles fizeram os acordos, na UE, equivalentes ao
NAFTA, e assim, mediante projeções muito duvidosas, a agricultura grega foi integrada na agricultura europeia. Agora temos montanhas de pêssegos apodrecendo na Grécia. Certo?

HEDGES: É. Sabemos que foi Goldman Sachs, chegaram e ajudaram o governo grego anterior a dar uma cozinhada nas contas. Assim a Grécia pode entrar no euro. E penso também na importância que teve algo frequentemente ignorado – a profunda corrupção que havia entre o governo grego de então e os europeus – especialmente com a indústria de armas. O governo grego de então estava gastando 3,5% [do orçamento] me parece, para importar todos os tipos de equipamento automático de que não precisavam e aceitando todos os tipos de propinas. Quero dizer, houve colusão – entre um governo grego muito, muito corrupto e interesses financeiros e empresariais também muito corrompidos na Europa, que meteram a Grécia nessa confusão. E tudo foi mascarado ou ocultado pelo banco Goldman Sachs.

PANITCH: Sim, mas, Chris, se posso me expressar assim, há problema mais profundo que a corrupção em que estão envolvidos o Goldman Sachs ou a indústria de armas. O problema mais profundo é que o estado grego sempre foi estado clientelista e corrupto desde os anos 1830s. Em segundo lugar, a Grécia, como todos os nossos estados, envolveu-se bi desenvolvimento de movimentos de livre comércio e livre circulação de capitais ao longo dos últimos 20, 30 anos.

Daí o resultado de ter-se unido à UE, exceto pelo euro, é o que você destacou, a irracionalidade, certo, de o país ter-se especializado em pêssegos, em vez de diversificar a própria agricultura para produzir comida para o próprio povo grego.

HEDGES: Foi o que aconteceu na Índia.

PANITCH: Os gregos perderam a própria indústria de mobiliário! Há a indústria hoteleira que atende à indústria do turismo. É o grande item de exportação dos gregos, maior que azeite e vinho. Pois a indústria de mobiliário sempre forneceu os móveis para os hotéis gregos. Aquela indústria de móveis foi varrida pela UE.

Significa que, quando as pessoas dizem simplesmente que o problema é sair do euro e ir para a dracma, estão alimentando uma ilusão, porque a economia não pode sobreviver com a dracma. Precisaria de proteções, controles de importação, controles sobre os capitais etc., que tornem possível um tipo de reconstrução da produção e consumo com ampla base dentro da Grécia, o que não pode existir dentro do mercado comum da UE.

HEDGES: E nada disso aconteceu por acaso. E você... você acaba de descrever um sistema que, como você já disse corretamente, não se pode sustentar, a menos que receba esse tipo de estímulo.

PANITCH: Exatamente. A dificuldade é que, diferente de Cuba, onde a maioria da população eram camponeses de uma agricultura de subsistência em 1959, a vasta maioria dos trabalhadores gregos viveu sob padrões crescentes de vida durante os anos 1990s, e, de fato, também na primeira década dos anos 2000s, e se habituaram... Lembro que vi longas filas de pessoas querendo comprar ações, quando a bolsa começou a operar.

HEDGES: Sim, mas era riqueza artificial.

PANITCH: Claro. Quero dizer que a natureza do problema é essa. Mas o grau de integração é tal que, se você tentar desmontar todo o sistema agora, as pessoas não estão seguras de que queiram correr os riscos. E isso torna muito, muito difícil, a política disso tudo.

HEDGES: Não há dúvida de que, no fim das contas, nada disso é sustentável. Parece que desse aspecto ninguém discorda.

PANITCH: Sim, todos eles sabem disso. Todos sabem que não funcionará. E de fato não só o FMI já o diz abertamente. Schäuble, o ministro de direita das Finanças da Alemanha, chegou lá, naquelas reuniões finais e disse publicamente o que sempre fora sua opinião, que a Grécia deveria ser posta fora do euro. Schäuble perguntou a Varoufakis: quanto você quer para cair fora?

HEDGES: Foram – parece que ofereceram $50 bilhões para tirar Varoufakis das reuniões...

PANITCH: Certo. Agora, os alemães estão preocupados, principalmente, com fazer com que o BCE aja como o Banco Central Alemão (German Bundesbank), quer dizer, tratar a inflação como único problema, o desemprego como se não existisse, e, sobretudo, proteger o euro como se fosse o marco alemão. Tudo, para facilitar as exportações alemãs. Essa é a principal preocupação deles. Então, se a Grécia está no euro e está causando problemas para a Alemanha, querem ver a Grécia pelas costas. O acordo feito naquele fim de semana terrível, depois de terem vencido o referendum, foi baseado nisso.

E por fim, os social-democratas à volta da mesa, principalmente Hollande, disseram, OK, temos de dar à Grécia um pouco mais de espaço de manobra. Obama finalmente estava pressionando – e deveria ter pressionado muito mais do que pressionou. Schäuble foi àquela reunião e disse 'queremos os gregos fora daqui'. E em vez de as negociações acontecerem em torno de quanto espaço seria dado aos gregos para manobrarem, eles passaram a discutir o que fazer para manter os gregos; o palavreado draconiano que apareceu no memorandum foi o modo como eles resolveram essa discrepância.

HEDGES: Mas por quê? Quero dizer, se o arranjo não é sustentável – e acho que quanto a isso há unanimidade –, o que vai acontecer? Por que manter a Grécia?

PANITCH: Bem, é o 'risco moral' [ing. moral hazard]. Existe para mostrar – e também praticamente todos os programas de ajuste estrutural do FMI, programas que também realmente nunca funcionam – todos existem para mostrar que os povos têm de submeter-se à disciplina do capital financeiro, como você o chamou. Não significa que algum acordo vá ser realmente implementado, mas com certeza basta para deixar as pessoas mortas de medo.

HEDGES: É feito essencialmente para mandar um recado a Portugal e Irlanda e Espanha e...

PANITCH: ... e tem o efeito de dividir o SYRIZA, um dos mais importantes novos partidos da esquerda que surgiram nos últimos 20, 30 anos. Queriam muito conseguir isso.

HEDGES: Nesse sentido, pode-se dizer que o que está acontecendo na Grécia nada tem a ver com economia. É questão política [fala entrecruzada]

PANITCH: Oh, certamente, com certeza, é questão absolutamente política, embora muitos dos que estão agindo nessa questão tenham cabeça de caixa de banco e entendam que o sistema estatal é estruturado pela regra capitalista. Mas eles não se veem, eles mesmos, como capitalistas. Assim, se você diz 'vou taxar lucros, em vez de comida', eles dizem 'não é muito garantido que você consiga receita suficiente, de impostos sobre lucros'. Ninguém sabe como se comportará a taxa de crescimento. E eles podem contratar contadores e advogados para acharem vias para não pagarem impostos. Mas comer, todos têm de comer. Então, o melhor negócio é impor um imposto sobre venda de comida.

HEDGES: É. Acho que foi Ward Churchill, me parece, que os chamou de "Eichmann-zinhos".

PANITCH: Sim, isso mesmo.

HEDGES: Sempre se trata é de fazer o sistema funcionar.

PANITCH: Sempre. Hannah Arendt entendeu esse processo, por vários diferentes caminhos.

HEDGES: Nada tem a ver com se as pessoas comem mal, se são mal nutridas...

PANITCH: Exatamente.

HEDGES: Não tenho os números, mas... já há estudos sobre a má nutrição como problema real na Grécia.

PANITCH: E é preciso lembrar que terão de renegar os projetos humanitários que já estavam implantados. – Não acho que venham a renegar isso, embora o memorandum exija que os gregos reneguem, e a esquerda esbraveja que eles já renegaram. Mas ainda não renegaram e não acho que venham a renegar. Os programas de salvação humanitária que introduziram imediatamente, em fevereiro, logo depois de serem eleitos, ainda não foram cancelados, e isso teve impacto imenso sobre o povo, que é quem mais sofre.

HEDGES: O que a Grécia nos diz sobre o mundo em que vivemos?

PANITCH: Acho que a Grécia nos diz que no século 21, nos termos do velho debate sobre reforma ou revolução, a reforma já não é possível dentro do capitalismo. Os que tenham a ambição de humanizar o capitalismo – grande parte da esquerda norte-americana, inclusive a esquerda canadense, viviam todos sob a impressão de que a Europa representaria uma variante 'mais humana' de capitalismo.

HEDGES: Permita-me interrompê-lo, para chamar a atenção para um ponto que você conhece bem: os representantes da 'nova' esquerda, incluído o New Democratic Party, NDP, que pode vir a vencer as eleições canadenses, eram entidades criadas para suplantar eleitoralmente a esquerda radical, assim como a National Association for the Advancement of Colored People, NAACP, foi criada para esvaziar o Partido Comunista. Hoje, grande parte dos que se apresenta como esquerda nos EUA, também no Canada, são já entidades acomodatícias...

PANITCH: Não há dúvidas.

PANITCH: Mas o NDP divulga – e concorre às eleições com essa plataforma – a noção de que a UE seria prova de que pode haver um capitalismo viável, humano, igualitarista, que pode ser simultaneamente competitivo e justo, que pode alcançar os padrões neoclássicos da eficiência capitalista e ser igualitário. Pura fantasia. Nenhum capitalismo pode ser igualitário. Não é verdade que aconteça dentro da UE. Tudo que a esquerda norte-americana e europeia diz nessa direção está errado.

A UE segue pela mesma velha trilha neoliberal. A UE tem o neoliberalismo no DNA. Isso significa que o espaço para reformas, como se entenderam as reformas no século 20 a partir do New Deal, do estado de bem-estar adiante, é muito, muito, muito limitado.

HEDGES: No seu livro, você diz que essa, como se diz, 'humanização' da economia neoliberal foi causada pelo medo gerado pela possibilidade de um movimento revolucionário. Como já
discutimos no primeiro programa, você cita Roosevelt, que usa a palavra. E a erradicação daquele contrapeso permitiu, na essência, que a economia neoliberal se tornasse puramente predatória e destruísse os mecanismos liberais que, um dia, tornaram possíveis algumas reformas fragmentadas e incrementais; e entendo, como você diz muito corretamente, que sem aquele contrapeso não há ímpeto para nenhum tipo de reforma.

PANITCH: É. Mas a situação na verdade é ainda mais problemática. Porque a força dos movimentos pró-Trabalho, e porque passaram a apoiar partidos social-democratas e até o Partido Democrata nos EUA, que é onde isso tem mais efeito, seguiu o mesmo rumo por algum tempo, muitas daquelas reformas foram obtidas. E elas acabaram por minar o capitalismo. É o que se pode ver claramente quando trabalhadores não têm medo e, mesmo quando vivam sob condições de pleno emprego, ainda assim fazem demandas que, sim, pesam sobre o dinamismo do capitalismo e sua eficiência.

O que se vê é que não se trata de 'bandidos' que não querem ajudar o povo, gente sem ética, gente imoral, que se nega a reformar o capitalismo. O sistema já não estava funcionando na crise dos anos '70s. E dado que não estava funcionando e a esquerda, incluídos os sindicatos, não foi capaz de ir além daquelas reformas, que não passavam de acomodações ao capitalismo, como você disse, para propor e alcançar um novo conjunto de relações sociais, um novo modo de produzir e consumir mediante planejamento econômico democrático, claro, aí surgiu o espaço para os que estão salvando o sistema.

HEDGES: OK, mas foram os capitalistas que criaram esses [entre aspas] "reformistas" [fala cruzada].

PANITCH: Foram criação dos capitalistas, mas houve também um fracasso da esquerda. E é problema da esquerda hoje, que quando dizemos que não há espaço para reformar... Sejamos claros: o que significa dizer que precisamos de uma revolução, no século 21?

HEDGES: Boa pergunta, porque agora somos todos gregos e todos estamos com o arrocho [orig. 'austerity'] atravessado na garganta. Estamos reconfigurando a economia global para uma espécie de neofeudalismo. Assim sendo, como você dizia, o que significa revolucionar?

PANITCH: Eis por que todos que assistimos de longe, de fora da Grécia, devemos ter muito cuidado, extrema modéstia, ao atacar o SYRIZA, 'porque' teria 'cedido', 'traído', 'retrocedido' etc., etc. A situação é infernalmente difícil. Precisamos de muita modéstia comunista, de muita reflexão cuidadosa. Temos de construir – e foram 30 longos anos até construir o que o SYRIZA veio a ser. Temos de ter o tipo adequado de perspectiva de longo prazo para construir os tipos de organizações necessárias para ir além do ponto a que chegou o SYRIZA.

HEDGES: Você está falando de organizações revolucionárias, certo?

PANITCH: Sim, mas não sei o que, exatamente, deva significar a expressão "organizações insurrecionais".

Uma das coisas que a esquerda tem de aprender do século 20 é que o modo como a esquerda se autoespancava naquele tempo, discutindo 'reforma' versus 'revolução' muitas vezes significava discutir 'insurreição' versus parlamentarismo. E insurreição não levou tampouco a qualquer coisa que fosse assim tão extraordinariamente bom.

Por isso penso que temos de ultrapassar aquele velho debate e reformulá-lo por novas vias. Provavelmente, é assunto para outra conversa.

HEDGES: Sim, mas... que cara tem isso em que você está pensando?

PANITCH: Acho que... ao contrário do debate antigo, temos de tentar encontrar meios para fazer política eleitoral e parlamentar que tenham implicações revolucionárias. Penso que isso significa unir-se, como fez o SYRIZA, aos movimentos sociais, de um modo que supere o que tem sido o anarquismo dos movimentos sociais, a orientação contra-partidos, dos movimentos sociais.

HEDGES: Sim, mas... tradicionalmente, movimentos revolucionários constroem movimentos que têm uma expressão política. Mas o principal, o fator supremo, são os movimentos.

PANITCH: Acho que está certo, mas não foi o que se viu no início do século 20, quando sindicalistas e anarquistas eram muito anti-partidos e tinham uma noção de que revolução existe para pôr fim ao estado. E viu-se outra vez a mesma coisa no início do século 21, dados os desapontamentos com os partidos comunistas e social-democratas e com o Partido Democrata. Você viu uma forte corrente anarquista na esquerda, orientada para os protestos de rua. E por mais que eu ache que foi maravilhoso e impressionante, você pode fazer comícios e passeatas todos os dias até o Juízo Final e nem por isso conseguirá mudar o mundo, porque para mudar o mundo você tem de entrar no estado e transformá-lo.

Assim sendo, entendo que precisamos de um tipo de esquerda que empenha muito trabalho em pensar e em preparar-se para o trabalho de democratizar o estado, como se constroem capacidades populares para poderem conectar-se ao estado, para mudar o estado nas próprias comunidades locais, no modo como se relacionam uns aos outros na produção e no consumo.

Um dos defeitos do SYRIZA, o principal, me parece, é que não se organizaram com as redes de solidariedade para desenvolver planos alternativos para, digamos, transformar a agricultura grega, para que não houvesse as montanhas de pêssegos podres e ninguém dependesse dos subsídios que a Europa paga para os gregos comerem comida europeia e produzirem exclusivamente montanhas de pêssegos podres. Isso, me parece, o SYRIZA teria de desenvolver muito, muito mais. E foi o que critiquei antes.

HEDGES: E é bem verdade, por exemplo, dentro dos EUA ou Canadá ou em outros locais, onde se trata de retornar a um tipo de autonomia local – vê-se bem claro no movimento da comida – de mofo que se possa quebrar a espinha dorsal das forças centralizadas que distorcem a economia para criar colheitas privadas de dinheiro, e monocultura e tal. Por isso, em vários sentidos, essa é a grande pergunta: será que a coisa começa mesmo nos movimentos de base, você transformando sua cidade, sua sociedade, sua vila, a moeda local, e daí a coisa sobre cadeia acima?

PANITCH: Acho que não. Acho que é preciso considerar tudo isso, se me dão licença de usar essa palavra, mais dialeticamente. Acho que não pode acontecer sem que, ao mesmo tempo, estejam sendo feitas mudanças no plano nacional, porque, para só falar desse aspecto, algumas áreas locais que têm mais recursos que outras estarão mais bem posicionadas.

Mas em segundo lugar, porque o que se pode fazer no nível local é bem pouco, se não se promoverem mudanças simultaneamente nos níveis superiores, dado o grau de integração do local no global. Por tudo isso, penso que sejam coisas simultâneas. E absolutamente não acho que o tipo de política, a profundidade política da qual estamos falando, seja gerada apenas no nível local. Acho que é preciso que haja partidos políticos nacionais que assumam a responsabilidade por desenvolver no nível local a capacidade para pensar modos alternativos de produção, que não seja meramente autorreferente; e para pensar formas de representação a partir do nível local, ao nível regional e ao nível nacional, onde as desigualdades que existem e existirão entre diferentes localidades, dadas as diferenças de recursos, capacidades, etc., terão inevitavelmente de ser barganhadas, superadas, amenizadas, etc.

HEDGES: Acho que... você fala assim porque é canadense e não vive num sistema político fechado como nós, nos EUA. Quero dizer, ainda há possibilidade de um movimento de terceiro partido [orig. third-party movement]. Ainda há – e acho que, infelizmente, no plano nacional, fomos como cidadãos congelados. Mas cada país tem de responder à própria realidade.

PANITCH: Bem, minha ideia é que, até que a esquerda dos EUA consiga – se me permite o palavrão na televisão – dar algum jeito nessa merda, o que quer que nós façamos fora dos EUA será sempre muito limitado. Assim sendo, vocês lá têm de prestar atenção ao que podem fazer no plano nacional, como no local, do nosso ponto de vista.

HEDGES: Esperemos que, pelo menos, não arrastemos vocês para o buraco, junto conosco. [Despedidas, FIM DA TRANSCRIÇÃO].


* Chris Hedges publica em Thruthdig às 2as-feiras, e trabalhou durante quase 20 anos como correspondente estrangeiro na América Central, Oriente Médio, África e nos Bálcãs. É autor de nove livros, dentre os quais Empire of Illusion: The End of Literacy and the Triumph of Spectacle (2009), I Don't Believe in Atheists (2008) e o best-seller American Fascists: The Christian Right and the War on America (2008).

** Leo Panitch é diretor de pesquisa em Economia Política Comparada e professor-pesquisador emérito de Ciência Política na York University em Toronto. É autor de vários livros, os mais recentes dos quais são The Making of Global Capitalism: The Political Economy of American Empire e In and Out of Crisis: The Global Financial Meltdown and Left Alternatives. É também coeditor de Socialist Register, cujo volume de 2013 é The Question of Strategy.

domingo, setembro 13, 2015

"A aguda crise política no Brasil, alimentada por certos interesses econômicos estrangeiros e políticos domésticos, que não querem a continuidade de um governo popular, tem de ser compreendida no cenário internacional, ao qual o povo brasileiro está alheio. A mídia no Brasil está voltada, como nunca, a produzir escândalos e não dá quase nenhum espaço para as notícias internacionais ou simplesmente reproduzem as agências estrangeiras da Europa e dos Estados Unidos, a refletir os interesses de seus respectivos governos".

 


O cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira  :  "Aristóteles ensinou que uma democracia extrema podia levar a uma a tirania mais absoluta do que a dos oligarcas. E é o que se vê, atualmente, no Brasil. A tirania exercida por um juiz, abalando a economia e o regime, com a colaboração da Polícia Federal, que reconhecidamente recebe recursos da CIA e da DEA, e da mídia corporativa, em busca de escândalos para atender aos seus interesses comerciais".



"A aguda crise política no Brasil, alimentada por certos interesses econômicos estrangeiros e políticos domésticos, que não querem a continuidade de um governo popular, tem de ser compreendida no cenário internacional, ao qual o povo brasileiro está alheio. A mídia no Brasil está voltada, como nunca, a produzir escândalos e não dá quase nenhum espaço para as notícias internacionais ou simplesmente reproduzem as agências estrangeiras da Europa e dos Estados Unidos, a refletir os interesses de seus respectivos governos".



"A mídia mundial, na qual a brasileira, de um modo ou de outro está inserida, é corporativa e atende aos interesses econômicos e políticos, como um instrumento de operações psicológicas, indispensável a toda e qualquer guerra. Em meu livro A Segunda Guerra Fria, eu analiso como atualmente se processam os golpes de Estado, as chamadas “revoluções coloridas” ou “primavera árabe”, com demonstrações instrumentalizadas por ONGs, com agitadores adestrados na estratégia subversiva de Gene Sharp para promover a “cold war revolutionary”, com protestos, demonstrações, marchas, desfiles de automóveis etc., até derrubar o governo, como aconteceu na Ucrânia, no ano passado. 


O governo brasileiro devia investigar as atividades da USAID e da NED e determinar o registro de todas as ONGs, a origem de seus recursos e gastos".

http://www.ptnacamara.org.br/index.php/component/k2/item/24373-moniz-bandeira-sobre-s-p-s-a-servico-de-especuladores-subordinada-a-interesses-economicos-e-politicos

Colado aqui:


Moniz Bandeira sobre S&P´s: “ A serviço de especuladores, subordinada a interesses econômicos e políticos de Wall Street ‘’


monizbandeira
O cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira advertiu hoje (10) para o papel das agências de risco (rating) na desestabilização econômica de países emergentes , destacando que elas atuam mais a “serviço de especuladores, subordinadas aos interesses econômicos e políticos de Washington e de Wall Street’’. Segundo ele, é preciso analisar o rebaixamento da nota de risco do Brasil pela agência Standard & Poor’s., dos Estados Unidos, dentro de um cenário em que há vários interesses em jogo, contra o Brasil e o próprio governo Dilma.
‘’ O que ocorre no Brasil e contra o Brasil é uma campanha de interesses econômicos estrangeiros, devido a vários fatores, entre outros, sua inserção no banco do BRICS, com a Rússia e a China, associada aos interesses políticos domésticos, de uma oposição sem ética, sem compostura, servindo aos interesses antinacionais’’, disse, em entrevista concedida por e-mail ao PT na Câmara.
Como exemplo dos interesses que orientam agências como a S&P´s, citou o caso da reincorporação da Crimeia pela Rússia, seguindo-se o imediato rebaixamento da nota da Rússia. ‘Isto não significa que não haja no Brasil uma crise econômica, porém ela é muito mais agravada pela crise política e institucional, que abrange e envolve a Justiça e o Congresso’’, frisou Moniz Bandeira.
Ele também condenou os métodos da operação Lava-Jato, que, a seu ver, ajudam agências de risco a rebaixar a nota do Brasil. “Combater a corrupção é certo, mas o que estão a fazer é destruir a imagem do Brasil no exterior e contribuir para que outros interesses promovam a especulação econômica e as agências de risco aproveitem para rebaixar a nota do Brasil’’, afirmou.
Moniz Bandeira também defendeu o papel do ex-presidente Lula na abertura de espaço para a atuação de empresas brasileiras no exterior e condenou o instituto de delação premiada, que comparou a métodos da Gestapo, e criticou a forma com que é realizada a Operação Lava-Jato. “ A mim muito me admira como se permite que um juiz do Paraná e a Polícia Federal cometam tantos desmandos, ilegalidades, com prisões arbitrárias de grandes empresários, sem maior comprovação, a desmoralizar não apenas a Petrobras e as empresas estatais, mas também as grandes companhias nacionais, como a Odebrecht, as quais contribuem para a expansão do comércio do Brasil’’.
Leia a íntegra da entrevista:

P)A agência Standard & Poor´s rebaixou o grau de investimento do Brasil. O que o senhor poderia falar sobre isso?
R) O rebaixamento não pode surpreender. Já estava previsto. O que ocorre no Brasil e contra o Brasil é uma campanha de interesses econômicos estrangeiros, devido a vários fatores, entre outras coisas, sua inserção no banco do BRICS, com a Rússia e a China, associada aos interesses políticos domésticos, de uma oposição sem ética, sem compostura, servindo aos interesses antinacionais.
P) Essas agências de ''risco'' estavam envolvidas, nos EUA, em escândalos que levaram à crise 2008 . A própria S&P´s foi condenada recentemente a pagar multa de US 1, 37 bilhão por seus envolvimentos com os escândalos de Wall Street em 2008. Tem moral para fazer avaliação de uma economia com a brasileira?
R – As agências de risco pertencem aos bancos de investimentos dos Estados Unidos e seus critérios são mais políticos que econômicos. Estão a serviço de especuladores, subordinadas aos interesses econômicos e políticos de Washington e de Wall Street. Tanto isto é certo que, quando houve a reincorporação da Crimeia pela Rússia, logo ocorreu o rebaixamento da nota da Rússia. Isto não significa que não haja no Brasil uma crise econômica, porém ela muito mais agravada pela crise política e institucional, que abrange e envolve a Justiça e o Congresso.
P)-Por trás dessas avaliações haveria uma espécie de pressão para o Brasil adotar uma agenda neoliberal, com abertura econômica ainda maior ao capital estrangeiro?
R) Não creio. É uma simplificação. É claro, o Brasil está dentro do sistema interna capitalista, cada vez mais e mais globalizado, e tem de tomar certas medidas ortodoxas, para o reajuste fiscal. Porém, o governo deve necessariamente de intervir no câmbio, que constitui forte fator de pressão inflacionária, ao encarecer as importações de matérias primas etc. Há enorme especulação do mercado, devido à apatia do governo, da inexistente reação ante os desfeitos dos especuladores e da oposição. E isso ajuda o enfraquecimento do governo. A questão, portanto, é mais complexa e não apenas econômica. É política, em que interesses estrangeiros se entrançam com interesses domésticos, na oposição. E o governo está na defensiva, o que é muito ruim. A defensiva pode resultar na derrota.
A mim muito me admira como se permite que um juiz do Paraná e a Polícia Federal cometam tantos desmandos, ilegalidades, com prisões arbitrárias de grandes empresários, sem maior comprovação, a desmoralizar não apenas a Petrobras e as empresas estatais, mas também as grandes companhias nacionais, como a Odebrecht, as quais contribuem para a expansão do comércio do Brasil. Os chefes de governo de todos os países sempre promoveram, no exterior, as empresas de seu país. Por que o presidente Lula não podia abrir caminho em outros países para as construtoras nacionais? Quem está por trás de tamanha campanha contra o Brasil? A delação premiada é algo que se assemelha a um método fascista. Isso faz lembrar a Gestapo ou os processos de Moscou, ao tempo de Stalin, com acusações fabricadas pela GPU (serviço secreto).
No Brasil, um juiz determina, a Polícia prende, ameaça processar o indivíduo se não delatar supostos crimes de outrem, e assim, impondo o terror e medo, obtém uma delação em troca de uma possível penalidade menor ou outra dádiva qualquer. Não entendo como se permite que a Polícia Federal atue de tal maneira, ao arbítrio de um Juiz, que nenhuma autoridade pode ter fora de sua jurisdição. A quem servem? Combater a corrupção é certo, mas o que estão a fazer é destruir a imagem do Brasil no exterior e contribuir para outros interesses promovam a especulação econômica e as agências de risco aproveitem para rebaixar a nota do Brasil.
E o Ministério da Justiça, por que deixar que a Polícia Federal pratique tantas prisões arbitrárias, ilegais, sem que os presos tenham culpa judicialmente comprovada? Sinceramente, não entendo essa tibieza. Aqui, na Alemanha, onde moro há 20 anos, não mais seria possível. Só no tempo de Hitler. Aristóteles ensinou que uma democracia extrema podia levar a uma a tirania mais absoluta do que a dos oligarcas. E é o que se vê, atualmente, no Brasil. A tirania exercida por um juiz, abalando a economia e o regime, com a colaboração da Polícia Federal, que reconhecidamente recebe recursos da CIA e da DEA, e da mídia corporativa, em busca de escândalos para atender aos seus interesses comerciais.

P) O capitalismo financeiro global depende de certas estruturas de dominação- do centro para a periferia. Essas agências de risco são instrumentos de dominação, já que o que decidem tem repercussão na mídia e em fundos de investimentos que as têm como referência?
R – Claro. O dólar, como única moeda de reserva internacional, guarnecido pela OTAN, é que mantém a hegemonia dos Estados Unidos, que querem continuar como o único centro de poder e é contra essa situação que a Rússia e a China (acompanhadas pelo Brasil, Índia e África do Sul) se rebelam e trataram de constituir um banco, como alternativa ao FMI, instalado em Xangai.
P) Os Brics podem ser uma alternativa a essa estrutura de dominação que tem como centro Washington?
R – A aguda crise política no Brasil, alimentada por certos interesses econômicos estrangeiros e políticos domésticos, que não querem a continuidade de um governo popular, tem de ser compreendida no cenário internacional, ao qual o povo brasileiro está alheio. A mídia no Brasil está voltada, como nunca, a produzir escândalos e não dá quase nenhum espaço para as notícias internacionais ou simplesmente reproduzem as agências estrangeiras da Europa e dos Estados Unidos, a refletir os interesses de seus respectivos governos.
P) O Brasil quebrou três vezes com FHC, as notas das agências de rating na época do governo tucano, inclusive as dadas pela S&P´s , eram bem mais baixas do que as dada hoje ao governo Dilma. Mesmo assim a mídia brasileira coloca o Brasil numa situação de país que estaria à beira de um abismo, embora tenha US$ 370 bilhões em reservas e seja hoje o 4º maior credor dos EUA. Como o senhor analisa esse quadro?
R – Como disse antes, a mídia mundial, na qual a brasileira, de um modo ou de outro está inserida, é corporativa e atende aos interesses econômicos e políticos, como um instrumento de operações psicológicas, indispensável a toda e qualquer guerra. Em meu livro A Segunda Guerra Fria, eu analiso como atualmente se processam os golpes de Estado, as chamadas “revoluções coloridas” ou “primavera árabe”, com demonstrações instrumentalizadas por ONGs, com agitadores adestrados na estratégia subversiva de Gene Sharp para promover a“cold war revolutionary”, com protestos, demonstrações, marchas, desfiles de automóveis etc., até derrubar o governo, como aconteceu na Ucrânia, no ano passado. O governo brasileiro devia investigar as atividades da USAID e da NED e determinar o registro de todas as ONGs, a origem de seus recursos e gastos.
Paulo Paiva Nogueira/PT na Câmara