Aprendendo com Zidane
Por Valter Pomar
Na segunda-feira, 17 de julho, o jornal O Globo publicou na primeira página a seguinte manchete: “PT propõe a Lula decálogo para esfriar a campanha”. Na linha fina, o jornal complementou: “Partido quer evitar erros que possam levar eleição ao segundo turno”.
Também na primeira página, o jornal publicou as tais “recomendações do PT”, que seriam as seguintes: “I.Não expor o candidato a situações de risco. II.Evitar viagens para estados com divergências entre aliados. III.Evitar dar entrevistas e fazer coletivas. IV.Só falar com a imprensa quando tiver um tema específico e definido pela campanha. V.Não comentar assunto negativo para o governo, deixando esta função, de preferência, para os ministros. VI.Falar sempre de temas positivos. VII.Não participar de debates. VIII.Explorar mais a postura de presidente do que de candidato. IX.Evitar a presença física no comitê de campanha. X.Esfriar a campanha, participando de poucos atos públicos, pois uma disputa acirrada e dinâmica só interessa aos adversários.”
Acontece que estas recomendações não são do PT, nem tampouco da coordenação da campanha Lula. Como Ricardo Berzoini deixou claro, em nota oficial: “as supostas orientações publicadas pelo jornal em nada correspondem às nossas avaliações e diretrizes de campanha”.
Só posso imaginar em que fontes bebeu O Globo, para apresentar como sendo do PT e/ou da campanha orientações como “não expor o candidato a situações de risco”. Tirante viver, fazer política e disputar eleição, todas as outras “situações de risco” devem mesmo ser evitadas. Mas incluir isto num pomposo decálogo é simplesmente ridículo, como também é ridícula a recomendação, extraída de algum manual de auto-ajuda neurolinguística, sobre “falar sempre de temas positivos”.
O ponto alto do tal decálogo está nos itens: “evitar viagens para estados com divergências entre aliados”; “explorar mais a postura de presidente do que de candidato”; “evitar a presença física no comitê de campanha”; “esfriar a campanha, participando de poucos atos públicos, pois uma disputa acirrada e dinâmica só interessa aos adversários”. Noutras palavras: fingir-se de morto, não fazer campanha, fugir do povo e perder a eleição. Não admira que O Globo tenha dado espaço para isto.
É claro que a campanha de 2006 é diferente das anteriores, pois temos um candidato que exerce simultaneamente a presidência da República. Mas é um erro achar que podemos “esfriar a campanha” e jogar na retranca, pois isso favorecerá os nossos adversários, que estão em plena ofensiva, buscando o tempo todo fazer gol.
Um exemplo disto é o ataque feito recentemente por Bornhausen, Alckmin e Serra, afirmando existir uma relação entre o PT e o “Primeiro Comando da Capital”. Nossa reação a esta barbaridade foi excessivamente elegante, quando a gravidade da ofensa exigia uma reação muito mais contundente.
Sobre isto, O Globo atribuiu a Marcelo Deda, futuro governador de Sergipe, o seguinte raciocínio: “o presidente Lula tem que ter uma postura de estadista, mesmo em campanha. Em momento algum ele pode correr o risco do efeito Zidane. É preciso tranqüilidade para evitar as provocações dos adversários. O partido é que terá que responder a eventuais ataques (....) A melhor forma de responder a qualquer baixaria é pôr o nível para cima. Não podemos perder o controle. Zidane foi magnífico em toda a Copa, mas perdeu o controle nos minutos finais. Temos que administrar a vantagem e não perder o controle nunca”.
Acontece que a eleição de 2006 não é a Copa. O juiz da eleição é o povo. O povo não gosta, nem quer ver baixaria. Mas o povo também não gosta de sangue de barata. Se alguém sofre uma acusação gravíssima e reage de maneira tíbia, a conclusão do povo pode ser: covardia ou culpa no cartório.
Reagir com dureza, frente a um golpe abaixo da linha da cintura, não exige perder o controle. Aliás, não me parece que Zidane tenha “perdido o controle” quando resolveu derrubar o jogador italiano, numa cabeçada muito bem calculada.
Não sei se a seleção francesa ganharia a partida, caso Zidane tivesse permanecido no jogo. Mas como estamos numa eleição e não na Copa, penso que devemos entender por quais motivos a maioria do povo francês (e grande parte dos torcedores em todo o mundo) aplaudiu o gesto do jogador. Que, recentemente, pediu desculpas, mas acrescentou não se arrepender, pois se arrepender seria dar razão às ofensas que recebeu e que motivaram sua reação.
Não precisamos dar cabeçada em ninguém, nem precisa ser necessariamente nosso candidato a responder com contundência, mas temos que responder à altura os ataques que sofremos. Ao contrário do que diz o “decálogo” de O Globo, para administrar a vantagem que temos, será preciso esquentar a campanha.
Valter Pomar é secretário de Relações Internacionais do PT.