sexta-feira, julho 07, 2006

Integração: a hora da verdade




José Dirceu,
ex-ministro-chefe da Casa Civil

[06/JUL/2006]

O maior desafio que o Brasil enfrentará, em sua agenda de desenvolvimento de política externa, será a integração da América do Sul e suas relações com México, América Central e Caribe. Também está evidente que não existirá integração sem um entendimento estratégico entre Brasil e Argentina, sobre políticas macroeconômicas de longo prazo, políticas industriais regionais e uma moeda única.
Para esse projeto, precisamos de uma agenda econômica nova, que privilegie o crescimento, para que o Brasil possa promover e estimular uma segunda etapa do Mercosul, passando da atual parceria comercial a uma união estratégica. Outro salto necessário é implantar, o mais rápido possível, o Parlamento Regional. É preciso, ainda, extinguir a dupla cobrança da TEC e criar o Fundo para a Convergência Estrutural, que poderá ser a base para um Banco Sul Americano, cujo alicerce está assegurado pela recuperação do BNDES como banco de desenvolvimento e da Corporacion Andina de Fomento – CAF.
Sem esse salto, não avançaremos nas demais frentes, que incluem a rápida incorporação da Venezuela ao Mercosul, a consolidação das relações com a Bolívia e com o Chile e maior união com a Comunidade Andina, o CAN.
Há quem ainda olhe essa agenda com ceticismo embora, nesse ano, o comércio com a Argentina, por exemplo, tenha atingido seu ápice histórico. É preciso entender que não há viabilidade de um projeto sustentável de crescimento para o Brasil fora da integração regional. E não se trata apenas de escala de mercado. Precisamos progredir na construção da agenda energética, para criar um sistema sul-americano de transmissão de energia elétrica, construir o gasoduto sul-americano e fazer investimentos conjuntos, público-privados, na mineração e nos transportes.
Temos tido oportunidades e crises, como as das papeleiras, entre Uruguai e Argentina, e o contencioso do gás entre Brasil e Bolívia, dois exemplos que demonstram a debilidade do Mercosul para resolver litígios, sem instrumentos reconhecidos pelas partes. Por isso, temos que acelerar a construção de instituições políticas e jurídicas supranacionais, para dirimir os conflitos de interesses, estabelecendo-se compensações para a parte perdedora.
É preciso perguntar: a quem interessa uma crise entre a Petrobras, o Brasil e a Bolívia? Não interessa ao Brasil, já que a Petrobras é auto-suficiente e se pode abastecer de gás internamente e em outros países. É um grave erro do governo boliviano transformar o Brasil em inimigo pois a longo prazo, somos o maior parceiro da Bolívia. Nada justifica o contencioso e a saída está em um acordo que contemple os interesses dos dois países.
O que nos afasta de uma integração, nos moldes da ALCA, e a muitos dos países do Mercosul, é que ela não oferece ingredientes e insumos para uma expansão acelerada do desenvolvimento e impõe restrições a que isso aconteça. Basta ver o caso do México: as exportações para os EUA cresceram, mas o país se arrasta em taxas medíocres de expansão do PIB. A população vive num apartheid social que só fez se agravar.
O exemplo europeu, em contrapartida, ensina que um processo de integração econômica requer medidas compensatórias para os países menos desenvolvidos, ou com menos recursos naturais e isso implica fundos de investimentos e financiamentos bancados pelo Mercado Comum. A vontade política nesses processos é decisiva e a América do Sul conta, hoje, com governos progressistas, aos quais cabe acelerar a trajetória de integração rumo a políticas industriais comuns e a fundos de financiamento que suportem projetos multilaterais de desenvolvimento.
Temos pressa. Há brechas se abrindo no caminho da integração. Países menores, sem parque industrial, que dependem da exportação de matérias-primas, não podem esperar, eternamente, que a integração sul-americana saia do papel. Além de terem demandas urgentes, seus governos estão sendo pressionados, por poderosos interesses internos e externos, a firmarem acordos bilaterais com os Estados Unidos, como o demonstram os acordos de livre comércio (TLC) fechados pelo Peru e negociados pela Colômbia com aquele país.
Se queremos a integração sul-americana, precisamos dar respostas aos impasses do Mercosul. Caso contrário, as forças antiintegração prevalecerão.