quinta-feira, abril 27, 2006

Varig


José Dirceu
Ex-ministro-chefe da Casa Civil
[27/ABR/2006]

Depois de três longos anos, a crise da Varig continua sem solução. Pior: agrava-se a cada dia, ameaçando a própria sobrevivência da companhia. Todas as tentativas de recuperação , via fusão, compartilhamento operacional, novos sócios, venda, fracassaram, não apenas pela resistência da Fundação Ruben Berta, do Conselho Curador e das diferentes entidades que representam seus pilotos e funcionários. Fracassaram, em alguns casos, pela fragilidade, pelo aventureirismo ou pela inviabilidade legal de propostas que acabaram servindo, apenas, para depreciar mais o patrimônio da empresa e seu principal ativo, a marca Varig.
O governo tem feito sua parte, não apenas oferecendo alternativas, invariavelmente rechaçadas pela Fundação Ruben Berta e, muitas vezes, pela própria direção da empresa. Mas a verdade é que são os créditos oficiais – na prática, verdadeiros empréstimos – concedidos pela Br Distribuidora, pela Infraero e pelo Banco do Brasil, que ainda mantêm a Varig no ar. Sem esse aval do governo, há muito os demais credores teriam pedido a falência da empresa, o mesmo destino da Vasp e da Transbrasil.
Todavia, o maior benefício prestado, pelo governo, à Varig, e às empresas brasileiras de um modo geral, foi a aprovação da nova Lei de Falências, agora Lei de Recuperação das Empresas. A legislação permitiu à companhia aérea, sob a autoridade do poder judiciário e da assembléia de credores, apresentar um plano de recuperação e se manter viva.
Como principal credor – ainda que seja também importante devedor devido às distorções tarifárias registradas no Plano Cruzado – o governo, não pode se eximir da responsabilidade na reestruturação da empresa, assumindo-a diretamente, de forma profissional e com base em decisão da Justiça.
Claro que há riscos nesse processo, dirão os privatistas de plantão. Neste momento, porém, nenhum risco se equipara ao da extinção da companhia, com o esfarelamento de todos os seus créditos fiscais, mais dívidas junto à Infraero, o BB e a BR. Não se trata, apenas, de preservar uma bandeira nacional nos céus da globalização – fato por si só estratégico num planeta convulsionado por guerras, terrorismo e incertezas territoriais. Trata-se, sobretudo, de manter o mercado interno livre de monopólios sob comando externo, numa área delicada, assegurando-se, assim, os interesses e direitos de passageiros e empresas que utilizam serviços.
A Varig não pode mais continuar sujeita a essa interminável novela de consultorias milionárias, de propostas inviáveis e obscuras, muitas vezes biombo para sócios ocultos no exterior, em dissimulada violação da legislação nacional. Seus funcionários e pilotos já entenderam que o risco maior é o desaparecimento desse patrimônio estratégico. Aceitam, portanto, o que parecia impossível: o sacrifício de cortar na própria carne, com redução de salários, planos voluntários de demissão e, mesmo, a venda ou a fusão da companhia, o que antes rechaçavam categoricamente.
Atingimos, portanto, um ponto de mutação na crise. Há maturidade para uma solução definitiva. Cabe à autoridade judicial orientar um plano de recuperação e reorganização, para posterior venda da companhia a investidores ou empresas nacionais, sem excluir a participação de empresas ou de capitais estrangeiros, dentro dos parâmetros da lei.
Todavia, quem tem que dirigir e coordenar esse processo é o maior credor, delegado da assembléia dos credores e do poder judiciário, ou seja, o governo federal, a União. O argumento de que não cabe, ao Estado, apoiar, subsidiar ou financiar empresas de aviação, é contestado pela própria realidade mundial. Todos os governos têm apoiado, subsidiado e, muitas vezes, literalmente resgatado do abismo, suas companhias aéreas em dificuldades. Mesmo nos Estados Unidos, onde as empresas são privadas, o apoio do governo é direto, permanente, ultrapassa a casa das dezenas de bilhões de dólares e não é contestado por ninguém.
A natureza específica da aviação comercial, que se entrelaça às questões de soberania e de segurança nacionais, exige legislação específica, bem como regime tributário apropriado e apoio institucional direto. Sempre foi assim e, agora, com o acirramento dos conflitos geopolíticos, esse entendimento, por parte da sociedade, é ainda mais urgente.

JORNAL DO BRASIL
José Dirceu escreve às quintas-feiras nesta página.