domingo, abril 16, 2006

De "marmiteiros", deslumbramentos e antropólogas tucano-pefelistas uspeanas

Só tenho a 'corrigir', no artigo do Nassif, a idéia de que D. Ruth não se teria 'deslumbrado'. Claro que ela se deslumbrou. Mas esse negócio de antropóloga uspeana deslumbrada ainda não está bem discutido nem na antropologia uspeana -- o que explica que o Nassif, sempre tão brilhantemente inteligente, tenha-se deixado engambelar, nisso.

D. Ruth sempre apareceu com ar deslumbrado, nas recepções mais luxuosas, sempre usando jóias emprestadas ou do tipo que a minha avó classificaria como "jóia ruim", quer dizer, dessas subjóias, em que o 'design' metido a moderno disfarça a insuficiência cenográfica da jóia (para os padrões da aristocracia; o único que há, aliás, em matéria de jóias) e expõe a arrogância presunçosa de quem pensa que basta ser antropóloga uspeana pra enganar rico (qualquer rico) ou pobre inteligente.

Nos casos em que uma mulher não tenha jóias SUAS, a única coisa correta a fazer -- dizia a minha avó -- é NÃO USAR JÓIAS. Quem não tem jóias NÃO USA JÓIAS. E pronto.

Elegância é cada um exibir-se com os atavios legítimos que lhe caibam. Surpresa, mesmo, é o presidente Evo Morales, a minha avó analfabeta e eu-euzinha sabermos disso, decor e salteado, e D.Ruth, tão antropóloga tucano-pefelista uspeana (1) não saber; e (2) meter-se a besta de querer enganar A MINHA AVÓ e EU.

Em 2006, ao lado da rainha da Inglaterra, que parecia uma árvore de Natal decorada com águas marinhas (mas que eram MUITO DELA, e a rainha podia pendurar-se nelas, se quisesse, em vez de pendurá-las em si), D. Marisa NÃO USOU JÓIAS e o presidente Lula, TOTALMENTE CHIQUE, usava, na lapela, apenas, uma minibandeirinha do Brasil. ISSO é ser chique. Além do mais, a rainha da Inglaterra, com fantasiar-se de árvore de natal de águas marinhas brasileiras, quis HOMENAGEAR o seu hóspede.

Nisso, a rainha da Inglaterra foi tão civilizada quanto os índios aimorés (almoçadores de bispos Sardinhas), que também vestiam as cores do visitante, para homenageá-lo. A capacidade e a competência para honrar o diferente é saber e competência CULTURAL. Quem tem, tem. Quem não tem, não aprende só por, vez ou outra, fantasiar-se de "Doutor Honoris Causa", para as câmeras de televisão.

Não há nada de chique -- sequer há alguma coisa de CIVILIZADO -- em FHC, o imbecil, pôr-se a ZOMBAR da Rainha da Inglaterra, às gargalhadas, ao lado desse arqui-imbecil que atende pelo nome de Jô Soares.

D. Eliane Cantanhede, D. Lillian Witte-Fibe e D. Danuza Leão (argh!) não comentaram a elegância do presidente Lula e de D.Marisa, nem na posse nem na recepção na Inglaterra, em 2006, porque NUNCA OUVIRAM FALAR em ser chique-chique-mesmo, seja rico seja pobre. Esse pessoal só engana, ainda, o bas-fond da Barão de Limeira e o Jabor (mas o Jabor, afinal, até EU engano! [risos]).

Na posse do presidente Lula, D. Ruth estava HORROROSAMENTE mal vestida, com uma rôpa-lá, dessas roupas de pré-Lu-Alckmin deslumbrada, metidas a griffosas, roxa e amarela, TOTALMENTE inadequada para a tarde quentíssima, em Brasília.

D. Marisa, sim, estava TOTALMENTE elegante e bem vestida. Até D. Ruth viu isso -- o que acentuou ainda mais o ar de "mas-quem-é-que-eles-pensam-que-são-para-ME-despejar-do-MEU-palácio?!", estampado na cara (emburradíssima) de D. Ruth, no dia da posse do presidente Lula. As imagens existem, é claro, e estão aí para serem analisadas pela antropologia pós-tucanaria uspeana, que há de vir. Que virá.

No máximo, no caso de D. Ruth, em matéria de deslumbramentos, dever-se-ia considerar que ela, mais do que ninguém, conhece e sempre conheceu bem o biltre que é aquele marido dela. Assim, pode-se dizer que D.Ruth SEMPRE enfrentou o mesmo monstro, motivo pelo qual ela dificilmente teria muito com o que se 'deslumbrar' mais ou deslumbrar-se menos, fosse no Palácio da Alvorada, fosse no charco do Butantã ou no IFHC.

Por falar nisso: de onde sai a grana pra sustentar o IFHC, aquele mausoléu?! Mas... até quando?!

De fato, D. Ruth Cardoso é um personagem que a história e a antropologia demorarão muitos anos para poderem conhecer e avaliar em termos antropológicos e históricos rigorosos.

Para avaliá-la, será preciso conhecer a verdadeira história da família toda -- história na qual se verá que a vida não foi generosa com D. Ruth Cardoso, nem como mulher nem como intelectual.

Como mulher, D. Ruth Cardoso vive, 24 horas por dia, todos os dias de sua vida pública, sob a condenação trágica que lhe lança, dia após dia, ano após ano, o desgraçado segundo filho, ocultado, de FHC -- a mais desgraçada das crianças, aquele pequeno infeliz brasileiro criado há quase 13 anos nem nome, sem pátria e sem pai.

Nenhuma mulher pode viver vida pública digna, se paira sobre o seu casamento, não um filho tido fora do casamento -- pq um filho nunca é "cruz pra carregar", seja filho próprio, seja filho de outra mulher, para uma mulher de bem e, afinal, até para mulher que não seja de bem. Todas as mulheres do mundo saberiam ser, em todos os casos, mães de quaisquer filhos.

O que pesa sobre o casamento da D. Ruth Cardoso mulher, e lança sobre ela a ignomínia total, de toda a sociedade decente do planeta, é ela viver -- sem denunciá-lo -- com um homem que condenou um de seus filhos a uma infância de ostracismo em terra estrangeira, condenado a além de não ter pai, tendo-o, também não ter nome.

Pra piorar o que faltasse piorar, em termos antropológicos, D. Ruth Cardoso, motu proprio, condenou-se ao papel patético que faz qualquer dessas mulheres-de-ACM: reduziu-se ao fundo dos porões dos palácios. Para viver nos palácios, servindo ao projeto de poder do marido pirado, mesmo que nos porões. Esse tipo de mulher degrada-se porque quer. Por covardia. Por interesse. Não, nunca, nunca, por amor.

Se se pode perdoar essa autodegradação humana, de algumas mulheres, por covardia, por medo ou por ignorância, numa mulher semianalfabeta e desgraçada crônica, histórica, como uma mulher-de-ACM, não se perdoa essa mesmíssima autodegradação por covardia e por interesse, numa suuuuuuuuuuuuuuuuuuuuper professora-doutora de antropologia... e da USP.

Como intelectual, a desgraça de D. Ruth Cardoso não é menor do que sua desgraça como mulher.

D.Ruth, quando começou o delírio 'político' de FHC, ainda era uma das mais importantes antropólogas brasileiras; ela, aliás, e também D. Eunice Durham, pra lembrar só os dois casos mais espantosos de degradação no plano intelectual, na antropologia brasileira. Dez anos de presidência de FHC, converteram-nas, ambas, em fantoches, não se sabe bem do quê, e espécie de anti-retratos vivos do que elas foram, como intelectuais brasileiras, latino-americanas e, de fato, mundiais.

Não se cogita de "deslumbramentos", mais, ou menos, nesses casos. Nesses casos trata-se sempre, de dignidade humana, política e intelectual. Ou de falta absoluta de dignidade.

A coisa anda tão braba, no Brasil 2006, que qquer coisa que se resuscite, ajudará.

Ajudará a democracia, que se ressuscite um novo "caça caça-marmiteiros", para caçar os FHC-Serra-Alckmin, sim. E ajudará, também, que se ressuscitem antropólogos sérios e comprometidos com defender a dignidade dos pobres, mais do que com defender os anteros-francelinos-Azeredos-FHC e essa canalha toda. Ressuscitar algum Procurador-Geral democrático, por exemplo, já seria um começo promissor.

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LUÍS NASSIF

O "príncipe" e o marmiteiroFernando Henrique Cardoso é mestre em frases autodemolidoras. A mais famosa foi na eleição para prefeito de São Paulo, em que perdeu para Jânio Quadros, ao admitir a Boris Casoy que não acreditava em Deus. A vaidade do intelectual falou mais forte na época. Aprendida a lição, depois da gafe, se necessário fosse, até galinhas pretas seriam sacrificadas pelo nosso refinado "príncipe dos sociólogos brasileiros" -termo que provocaria chacotas em centros acadêmicos internacionais, apesar da respeitabilidade intelectual do nosso "príncipe".Não assisti à entrevista que deu a Jô Soares. Ouvi a versão, que é a que fica, segundo a qual "pobre não pode chegar ao poder que logo se deslumbra".Cá para nós, o deslumbramento sempre foi uma marca dos paulistas no poder. José Sarney não se deslumbrou: era consciente de suas fraquezas e tinha uma objetividade de coronel nordestino polido para defender seus interesses. Fernando Collor era um alucinado. Nem pode dizer que se deslumbrou porque acreditava piamente ter superpoderes.Itamar, não. Era um provinciano que não se envergonhava de sua condição -e isso lhe conferia até certa grandeza. Aliás, sentia-se tão desconfortável sob a capa de presidente que, certa vez, consegui uma posição dele sobre uma questão polêmica telefonando para o assessor Francisco Baker e solicitando a opinião "não do presidente Itamar, mas do cidadão Itamar Franco" sobre a questão. O cidadão respondeu na hora.Depois de Itamar, o Palácio do Alvorada foi ocupado por quatro pessoas, os casais FHC e Lula. Dos quatro, louve-se dona Ruth Cardoso, que nunca se deslumbrou. Donde se conclui que o casal FHC foi apenas 50% menos deslumbrado que seu sucessor.Em FHC sempre habitaram o inteligente e o vaidoso. E, do embate entre ambos, o inteligente só emergia em momentos de crise braba. No restante do tempo, primeiro mandato inteiro, o vaidoso convocava velhas testemunhas da história e indagava: "Jorge, quem foi o maior: Juscelino ou eu?". E o Jorge respondia: "É claro que você, Fernando". Ou então -segundo lendas da época- convidava presidentes de multinacionais para visitar o Alvorada e os entretinha tocando ao piano hinos que havia composto em homenagem ao país -como d. Pedro 1º, que também se vangloriava de seus feitos musicais e de conquistador.Mas dei essa volta toda para chegar à maior jogada política da história do país. Seu autor morreu poucos anos atrás, com mais de 90 anos, e, até o final da vida, continuava guiando seu carro de Campinas a São Paulo. Era o velho Hugo Borghi, que, se vivo fosse, ao terminar a entrevista de FHC, deve ter comentado lá do céu para onde são mandados os espertos: "Deu pena do que eu poderia fazer com ele".Borghi foi um empresário enrolado, mas, acima de tudo, um político astuto. Sua sacada maior foi dar livre interpretação a uma frase do brigadeiro Eduardo Gomes na campanha presidencial de 1945. No Teatro Municipal do Rio de Janeiro, local mais que propício para surtos elitistas, Gomes declarou não pretender os votos da "malta de desocupados que freqüentavam os comícios de Getúlio Vargas". Borghi deu uma livre interpretação ao texto e espalhou que, por "malta", Eduardo Gomes pretendia se referir aos "grupos de operários que percorrem as linhas férreas levando suas marmitas", conforme os dicionários da época. Logo, estava atacando os "marmiteiros", logo, estava atacando a população de baixa renda.O ataque aos "marmiteiros" correu o Brasil de ponta a ponta, transportado pelas ondas das rádios. Em questão de dias, a imagem do brigadeiro estava indissociavelmente ligada à da elite, ao preconceito social -para o que ajudava a sua figura elegante e impecável.O sucesso do "marmiteiro" foi tão grande que, em 1946, o cartunista Nelo Lorenzon criou o personagem Zé Marmiteiro para a "Folha da Manhã" -na época, dirigida por Nabantino Ramos.Mas não será necessário ser nenhum Hugo Borghi ou Nelo Lorenzon para avaliar o estrago que a boutade do príncipe poderá causar na próxima campanha presidencial.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br