Vencer o pessimismo
Aqui, e em todo o Ocidente, os intelectuais se retraem, acossados pelo pessimismo. Não encontram mais olhos para o que escrevem, nem ouvidos para o que falam. Não interessam mais a uma sociedade narcotizada pelas novelas de televisão e pelas imagens e comentários dos telejornais da noite – estrategicamente editados entre duas doses de entretenimento.
O racionalismo político, que havia encontrado seu momento alto em meados do século 18, com o Iluminismo, está em decadência, enquanto a ciência prossegue em sua jornada rumo às estrelas, embalada também pela presunção de vencer a morte.
Esse processo, observado a partir da segunda metade do século 19, foi visto por Georg Lukacs, como a destruição (Zerstörung) da razão, e, pelo grupo de Frankfurt, como a perversão do Iluminismo. A decadência da lucidez parecia ter chegado ao auge com o hitlerismo, mas ela se agravou ainda mais com a queda do socialismo, que exercia resistência moderadora à globalização totalitária. A política, a cultura, o trabalho e as artes se encontram sob a administração da economia capitalista.
O pensamento único encurralou a especulação intelectual. A inteligência, abafada pela estridência dos meios de comunicação de massa, hoje sob o controle direto e indireto do capital financeiro, recolhe-se ao silêncio das bibliotecas privadas, e as universidades se dedicam a adestrar profissionais para as empresas. Em artigo recente, Jacques Bouveresse, do Colégio de França, falava sobre os grandes nomes de seu país, desaparecidos sem deixar seguidores (Aron, Barthes, Lacan, Foucault, Braudel, Bourdieu, entre outros).
A razão saiu do proscênio do mundo e a ele subiram os apresentadores de televisão e os “astros” da gestão das grandes empresas. São eles os que ditam os rumos do mundo, como alguns pensadores patrícios admitem, quase resignados. Na verdade, muitos intelectuais foram cooptados pelo sistema, mediante as fundações, principalmente americanas, que lhes concedem bolsas generosas, sobretudo para as investigações sobre a sociedade, colocando-lhes os cabrestos convenientes.
Não ouvimos, na legislatura que se encerra, um só discurso que valesse a pena, a não ser dois ou três, apologéticos. Não soubemos de um só projeto de lei que tocasse na alma do País, mas graças à ação coerente da Controladoria Geral da União, da Polícia Federal e do Ministério Público, começamos a ver a podridão do sistema.
Em passado ainda recente, em nosso país, para o bem e para o mal, havia inteligência nas casas parlamentares. Quem a negaria ao reacionário Carlos Lacerda? Quem não a reconheceria no genial Santiago Dantas, ou nos conservadores lúcidos Prado Kelly, Milton Campos, Adauto Lúcio Cardoso, Vieira de Mello? E nem se fale dos que morreram nos últimos 25 anos: Severo Gomes, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Mário Martins, Affonso Arinos, entre tantos outros.
O pessimismo é também arma dos dominadores, que nos querem esmorecer com a idéia de que é inútil lutar contra a maré. Nos Estados Unidos – e isso começa a ocorrer também aqui – os donos do poder jogam o povo contra os intelectuais, repetindo, de forma mais sutil, o que havia feito o macartismo. Pensar, lá, é contra a pátria. Pensar, aqui, é contra a modernidade, mesmo porque a pátria ficou fora de moda.
A razão, companheira da ética, sempre foi instrumento de justiça e solidariedade. O clamor dos que sofrem impõe aos intelectuais brasileiros que saiam de sua solidão, recuperem a voz e se unam ao povo, a fim de encontrar um caminho para a República.