Uma nova lei orçamentária
José Dirceu
Ex-ministro-chefe da Casa Civil
(Artigo publicado no Jornal do Brasil, em 17 de agosto de 2006)
Acredito que a reforma política e uma nova legislação para a elaboração da lei orçamentária são as duas mais importantes prioridades do próximo governo e do Congresso Nacional. O recente escândalo dos sanguessugas, descoberto pela ação do Executivo, mostra que chegamos ao fundo do poço e que corremos o risco de uma desmoralização total do parlamento. Sem essas duas reformas, caminharemos para uma crise institucional.
Soluções, como o orçamento impositivo - proposta defendida pelo Senador Antonio Carlos Magalhães - não resolvem o problema. Ao contrário, amplia o já excessivo poder que tem, hoje, o Legislativo, pois o orçamento, uma vez aprovado, seria impositivo, cabendo, ao Executivo apenas executá-lo. Hoje, esse orçamento é autorizativo, ou seja, os parlamentares autorizam um teto de gastos para as rubricas orçamentárias propostas pelo Executivo. O orçamento impositivo afronta o regime de governo presidencialista e o equilíbrio entre os poderes da República.
Em minha visão, o melhor caminho para melhorar o processo de elaboração do orçamento é começar por diminuir, pela metade, os membros da Comissão Mista de Orçamento - CMO, hoje composta por oitenta deputados e senadores. Isso dará àquela instância, mais agilidade pois, no formato atual, tem dado provas de ineficiência. Outra medida importante é impedir que os membros da CMO possam ser reconduzidos no ano seguinte, o que garantirá renovação de seus quadros. Com isso, evita-se a formação de grupos fortes, que controlem a Comissão, e de pequenas máfias, como acontece hoje.
A nova legislação precisa dar maior transparência ao processo de elaboração e de execução do orçamento, com a ampliação das audiências públicas e a criação de comitês permanentes de fiscalização e de acompanhamento da despesa e da receita e, principalmente, de mais rigor na apresentação de emendas. Para isso, seriam extintas as emendas individuais de parlamentares e de bancadas regionais; as emendas de bancadas estaduais seriam aprovadas por ¾ dos deputados e 2/3 dos senadores ficando limitadas a doze (hoje variam entre dezoito e 23).
Outra inovação importante seria a participação das comissões permanentes da Câmara e do Senado na elaboração do orçamento e da LDO, com a realização de audiências públicas conjuntas e a escolha dos relatores setoriais dentre os membros das comissões permanentes. A CMO passaria a trabalhar com designação antecipada dos relatores setoriais e rodízio na ocupação das relatorias.
Novos parâmetros deveriam, também, ser estabelecidos para o poder discricionário do relator geral e dos relatores setoriais. A margem de atuação do relator geral seria limitada em até 20% dos recursos disponíveis para emendas coletivas (projetos específicos e estruturantes). Outros 25% dos recursos de emendas coletivas seriam distribuídos, com base em critérios prévios, às bancadas e os 55% restantes seriam decididos pelos relatores setoriais.
Assim, evitaríamos dois males de que padecemos: a subestimação de receitas pelo Executivo e sua superestimação pelo Legislativo, com a inevitável conseqüência, o contigenciamento puro e simples das despesas, pelo Executivo, zerando o orçamento inflado pelo Congresso.
A mudança na forma de se elaborar o orçamento pode não resolver todos os problemas de corrupção e de desvio de recursos públicos, mas será um passo importante, ao lado das reformas política e administrativa, rumo a um maior controle social sobre o poder público e o Estado.
A palavra e a ação estão com o Congresso Nacional: o Projeto de Resolução nº 2, com todas essas mudanças e inovações, está na lista de espera para ser votado.
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