domingo, outubro 10, 2010

Satanás fez uma diabrura e criou... o colega de departamento. Junto com ele, a inveja e a hemorroida


Caro professor Bessa Freire,

Lembro-lhe que há um livro INTERESSANTÍSSIMO -- obsessivamente ocultado e sonegado aos alunos, em todo o Brasil, tanto nas "Letras" quanto nas "Linguisticas" acadêmicas --, cujo título já diz tudo: 

The Linguistics Wars [As Guerras da Linguística], 1993, de Randy Allen Harris (veem-se o índice e algumas páginas em http://www.amazon.com/Linguistics-Wars-Randy-Allen-Harris/dp/019509834X)


De fato, esse livro narra apenas uma (pequena) parte das guerras e dos muitos mortos e feridos que delas resultaram, na academia norte-americana, nos anos 60 e 70, depois de Chomsky, um belo dia, aparecer com sua bela ideiazinha e propor que se inaugurasse um novo campo de pesquisa na academia pressuposta 'linguística' que, então, era dona de toda a linguística acadêmica mundial. 


"Novo campo de pesquisa", nas academias e nos campos de pesquisa existentes, significa "E se nos demitirem?!". Então, é alguém falar em "novo campo de pesquisa", todos os velhos campos de pesquisa (sempre maioria, em relação ao novo campo, que, coitado, além de ser só um, é novo e cheio de pique) piram total. É sempre assim, em todas as academias.


Se Chomsky não fosse Chomsky, teriam acabaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaado coa raça do cara. (Há quem diga que teriam acabado com Chomsky e TAMBÉM com a linguística de Chomsky, se Chomsky não fosse judeu e se sua linguística não fosse tão potente (e tão cartesiana). A maldade dessa gente é uma arte! 


Eu sou formada em Linguística e em Língua Portuguesa, pela USP. Aprendi lá (na USP) o suficiente para decidir que NUNCA MAIS, depois de concluir o curso, voltaria a por meus pés no charco do Butantã, nem nas Letras nem nas Linguísticas e, em nenhum caso, em alguma pós-graduação, fosse de língua portuguesa fosse de linguística. Foi quando minha vida intelectual começou a ficar divertida (além de produtiva).

Por tudo isso, entendo perfeitamente o que o Prof. Bessa Freire disse, quando disse que não entende bulhufas de fonética e fonologia: no Brasil, NINGUÉM entende de fonética e fonologia, mas os professores de linguística pensam que entendem. 

Por isso, TODOS os professores de linguística ficam furiosos quando alguém diz que não entende bulhufas de fonética e fonologia: eles tem medo que, depois de um 'confessar', muitos disparem a confessar, porque confissões tendem a gerar ondas de confissões, autoflagelação, culpas, tentativas de purgação e outras dessas emoções tristes (além de ruins prôs negócios acadêmicos). 

O perigo que os professores de linguística MAIS temem é que, se houver uma crise de confissões e honestas declarações de ignorâncias, com confissões amplas, gerais e irrestritas, chegue algum dia o dia de alguém resolver VERIFICAR quem sabe e quem não sabe (seja o que for) de fonética e fonologia. Aí, os professores de linguística estarão fritos. 

Por isso, precisamente, esses caras VIVEM ocupados com "questões do Departamento de Linguística" e com questões como "namoro sim" versus "namoro não" e assemelhadas, e nunca, em tempo algum, com alguma questão propriamente linguística. 

Sugiro ao professor Bessa Freire algum desapego budista. Saia dessa (academia), professor! "Professor não é quem ensina, mas quem, de repente, aprende", na sábia lição de Guimarães Rosa. E o amor não é garantia nem de saber relevante, nem de felicidade.

Venha para a calçada internética, Professor, socrático e libertário, ensinar e aprender nas/das ruas. Esqueça essas brigas acadêmicas, que são escrever na água (grande Padre Vieira!) e venha pregar aos peixes (maior ainda, o Padre Vieira!). Pregar aos peixes não educa nem os peixes, mas é ótimo pra aprender a pregar.

Nenhuma reitora, reitor ou reitoria dará jeito (nem) na academia. O melhor lugar pra estar, em matéria de academia, é fora da academia. 

Se a USP tivesse sido extinta, por exemplo, na grande enchente de 1941 em São Paulo, nos teríamos livrado de toooooooooooooooodos os tucanos uspeanos udenistas e não haveria Demétrio Magnoli. (Se a Unicamp não existisse, não haveria Prof. Romano, livre-docente de ética [só rindo!]). O Prof. Antônio Cândido e o Prof. Bosi (tive aulas com os dois) e o Prof. Florestan Fernandes teriam achado outro jeito de ensinar o que ensinaram e ensinam até hoje (Antônio Cândido e Bosi são Dilma! Florestan também seria, é claro!).
  
Sem a USP, todos hoje seríamos mais éticos, mais democráticos -- e, com certeza absoluta, menos pobres e mais felizes (além de mais sábios). 

Fiquei TOTALMENTE LOUCA para ganhar um exemplar do livro do professor Bessa Freire sobre o Nhengatu, do qual já ouvi falar, mas nunca tive em mãos. Sou aberta a todas as corrupções, trocas, negociatas e seduções.  

Toda a minha solidariedade e toda a minha compreensão ao professor Bessa Freire. Só a luta ensina. 
Caia
++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++


Domingo, 10 de outubro de 2010

O ENCARDIDO: SEU FILHO, SEU NETO



Segundo mister Kabokinho, a criação do mundo foi assim. No primeiro dia, Deus criou o céu, o sol, a lua e as estrelas. No segundo, a noite, o dia e a aurora. No terceiro, a terra, as águas e a cachaça. No quarto, as plantas e as frutas, incluindo o cupuaçu e a pimenta murupi, com seu cheiro, sabor e ardência. No quinto, os animais aéreos, terrestres e aquáticos, entre eles o pirarucu e o tambaqui. No sexto, o homem, a mulher – ah, a mulher! - o namoro, o carnaval e o futebol. Quando Deus já ia gozar, no sétimo dia, o merecido repouso, sentiu uma profunda sensação de incompletude. Queixou-se:

- O que é que está faltando ainda para o mundo ficar perfeito, meu Deus do céu?

Viu que, sem querer, tinha invocado a si próprio, esquecendo que ELE é que era Deus. Foi aí que, assumindo plenamente o milagre da criação, descobriu o que faltava para a perfeição do mundo: o professor universitário. “Faça-se o professor universitário” - disse. E o professor universitário foi feito. Só então, satisfeito, Deus descansou.

Bastou que Ele dormisse para que o Diabo, que tudo observara, entrasse em ação, disposto a anular a obra divina e a caprichar na imperfeição do mundo. Aproveitando o cochilo do supremo arquiteto do universo, Satanás fez uma diabrura e criou... o colega de departamento. Junto com ele, a inveja e a hemorroida. Desde então, ali onde há um professor universitário surge sempre o colega de departamento, com intriga, fofoca, futrica, baixaria e perseguição.

Hoje, esses filhos do Capiroto ocupam universidades no mundo inteiro. Um deles atua, com um sabor local, no Departamento de Língua e Literatura Portuguesa (DLLP) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Seu nome: José Enos Rodrigues. Ele é o Colega de Departamento da professora Sandra Campos, a quem denunciou, instaurando um processo de sindicância contra ela, que se doutorou recentemente pela UFF, título que ele não possui, o que gerou um sentimento exacerbado de inveja que, como todos sabem, é uma merda.

Namoro epistemológico

Foi esse sentimento que levou o Colega de Departamento a apontar suas armas também contra os alunos. O DLLP discutiu, em reunião de 16 de setembro, entre outros, dois temas de altíssimo interesse acadêmico: “o uso de notebooks e a formação de casal de namorado em sala de aula”. A ata da reunião registra que - abre aspas - “o professor Enos fez questão de se colocar contra tal comportamento, afirmou que os professores tem autonomia para banir tal atitude” - fecha aspas.

Enos quer porque quer banir uma das criações divinas: o namoro. Não está preocupado com o conhecimento, mas com a proibição da troca de afetos em sala de aula, algo que é, epistemologicamente, desastroso. Tiro por mim. Se o professor Nina não tivesse permitido o namoro no Colégio Estadual do Amazonas, jamais eu teria aprendido química inorgânica. Só estudei ácidos, hidróxidos e estado de oxidação, porque queria me exibir pra Marluce Saubinha, a calipígia, com quem trocava ardentes olhares em sala de aula. Isso foi no século passado.

Hoje, em pleno século XXI, a troca de olhares está proibida no curso de Língua e Literatura Portuguesa da UFAM. Olhar afetuoso, mãos dadas, ternura e carinho foram banidos pela cruzada moralista do Colega de Departamento, que nunca paquerou em sala de aula e não percebe que o namoro, além de favorecer o processo de aprendizagem, produz energia e entusiasmo pela vida, contribuindo para o equilíbrio emocional e a formação da personalidade.

Um professor é um educador responsável pela formação integral de seus jovens alunos e não um delegado de polícia que vigia e fiscaliza. É inacreditável que se gaste horas discutindo fofoquinhas como personagens de telenovela. Que diabo de curso é esse cujo coordenador reprime algo saudável e benéfico ao coração e ao sistema nervoso? Por que os demais cursos não têm esse problema? Além disso, por acaso, a reitora assinou alguma portaria proibindo o namoro? Ou o uso de notebook?

A futrica

Na ata da mesma reunião se defende a proibição também do uso de notebooks porque – abre aspas - “muitos alunos atrapalham as aulas com o uso desses aparelhos” – fecha aspas. Ora bolas, então por que o professor não incorpora logo o notebook ao processo de aprendizagem? Que tipo de aula é essa? Será que é o notebook que atrapalha a aula, ou é o tipo de aula dada que está atrapalhando o uso do notebook?

O que é, afinal, que estão tentando ensinar aos nossos alunos? Futrica. É. É isso mesmo: futrica. Olhem o que aconteceu: sem notebook e sem namoro, os alunos passaram a fazer aquilo que Enos com o exemplo lhes ensinou: brigar entre si. A futrica se generalizou tanto pelo corpo discente, que se instaurou um clima assustador de “intrigas na sala”. A ata da reunião informa que “alunos querem assistir aulas nas outras turmas por estarem em conflitos com os colegas das turmas de origem”.

O pau está comendo entre os alunos do curso, a brigalhada corre solta, prejudicando as aulas. Enfim, os enos se reproduziram em senos e cosenos. Inventaram aquilo que nem o diabo ousou criar: o Coleguinha Discente, que vem a ser filho do Colega de Departamento e, portanto, neto do Encardido. Isso tudo prova que quem namora, não agride colegas.

Vejam o mau exemplo. O ponto central da reunião foi a “instauração de processo de sindicância contra a professora Sandra Campos”, para saber se o doutorado dela foi em Letras ou em Linguística. A ata registra o disse-me-disse: Enos disse que a Sandra disse que sua orientadora disse que o doutorado dela era em Linguística, quando o coordenador do curso da UFF disse que o doutorado é em Letras, “o que para o professor José Enos configura-se como falsidade ideológica, já que são áreas diferentes”.

Valei-me minha Santa Etelvina! Ele sequer sabe distinguir os níveis das áreas do conhecimento e ignora que uma mesma especialidade pode ser enquadrada em diferentes grandes áreas, áreas e subáreas. Considera a simples menção delas como irregularidade e desenha o seu grandioso programa de luta acadêmica, planejando o que fará nos próximos três anos, quando, então, se aposenta:

“Diante dos fatos – diz a ata - o professor Enos enfatizou que enquanto for decano e coordenador do curso não vai deixar passar o que tanto o incomoda”. Ele jurou que vai dedicar “os dois anos e três meses que lhe restam na coordenação” na “luta para apurar tais irregularidades, pois não há como admitir esse desvio de comportamento”.

O bulhufismo

O que fazer diante do furor bélico, policialesco e ensandecido de um colega de departamento? Sandra fugiu desse inferno doentio e pediu transferência para o Departamento de Comunicação que a aceitou de braços abertos. Seu ex-Colega de Departamento passou a dedicar suas energias e sua – digamos assim – inteligência para apurar as “irregularidades”. Aí, né, sobrou pra mim. O gostosão aqui, que fez parte da banca de doutorado da Sandra, entrou nessa história como Pilatos entrou no Credo: de gaiato. Diz a ata:

“O professor José Enos afirmou que irá também questionar junto a CAPES a participação do professor Ribamar Bessa na banca examinadora de doutoramento da referida professor uma vez que Bessa confessou publicamente que não entende “bulhufas” de fonética e fonologia”.

Por que “questionar junto a CAPES”, quando o fórum mais apropriado para assunto tão grave e transcendental – o bulhufismo em fonética - é uma CPI no Congresso Nacional ou quiçá a Assembleia Geral da ONU?

Repito aqui o que escrevi: “não entendo bulhufas de fonética”, o que traduzido do discurso jornalístico para a linguagem acadêmica significa: “esse não é meu campo de especialização”. Mas não foi “confissão”, foi uma declaração que está lá pra quem quiser ler, no texto intitulado “Uma reitora para a UFAM”, seguido de outra frase esclarecedora, omitida por Enos, que indica qual é o meu campo e qual foi minha função na banca.
(
http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=24).

Se Enos disser de mim o que eu digo de mim, eu o processo por calúnia, por ser um leitor raso, que acredita piamente, ao pé da letra, naquilo que está impresso. Ele prefere pensar que alguém é capaz de caluniar a si mesmo do que entender que o processo de leitura é a produção de significados, que são múltiplos, sobretudo se o texto contém ironia, sarcasmo, humor, duplo sentido.

Entender a acidez dos comentários requer um gesto inteligente do leitor. Quem não desenvolve a prática da leitura – parece ser o caso de Enos - lê apenas o que está escrito, só a linha e olhe lá! Bom leitor é quem consegue ler o não escrito, a entrelinha, exercitando a capacidade de uma leitura crítica, meditada, descobrindo os vários sentidos de interpretação como propõe o linguista Oswald Ducrot. Ler ironia requer sagacidade para ponderar sobre o exagero proposital do autor. Mas isso é pedir demais para um colega de departamento.

Um professor de verdade, que não é “colega de departamento”, Mateus Coimbra, presente na reunião, bem informado, explicou na hora e foi registrado em ata que o papaizinho aqui “hoje é professor da UERJ, fez pós-graduação em Letras e Literatura, sua tese de doutorado transformou-se em livro chamado Rio Babel, na realidade, é um tratado social da Língua Geral, do Nheengatu”. O que seria um esclarecimento suficiente para um professor universitário não satisfaz um “colega de departamento”, que é insaciável e blindado contra qualquer tipo de argumento.

PS. - Dois recados: 1) Enos, meu bom Enos, não seja tão amargo assim. Arrepende-te de teus pecados, renuncia a Satanás, a suas pompas e a suas obras. Apaga as velas que acendeste para Santa Etelvina e te ocupa com questões mais criativas. Vai estudar, Enos! Ah, e deixa os meninos e as meninas namorarem. 2) Recado para os alunos e alunas de Letras (ou será Linguística?): em vez de brigar, namorem, que é muito bom. Escolham o lugar apropriado. E se possível, longe dos olhos dos enos, usem o notebook para enviar mensagens ao amado e à amada.

_______________________________

José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti  e colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons

PressAA