Mauro Carrara
Nesta eleição, com em nenhuma outra, as mulheres foram desprezadas, ofendidas e humilhadas. Sem qualquer constrangimento, as forças conservadoras reativaram mitos e preconceitos que julgávamos sepultados há pelo menos 30 anos.
Nessa cruzada dos vanguardeiros do atraso, assistimos surpresos aos dramas encenados por um candidato à Presidência da República.
O teatro de agressões culminou com a exortação do comício em Uberlândia (MG), em que o candidato neoliberal misturou política com cafetinagem e tentou converter o processo eleitoral em um esquema de concessão negociada de favores femininos.
Sem ruborizar, determinou José Chirico Serra:
- Se você é uma menina bonita, tem que conseguir 15 votos. Pegue a lista de pretendentes e mande um e-mail. Fale que quem votar em mim tem mais chance com você.
Difícil imaginar uma mulher de bem, um pai, um irmão ou um avô que aprove o método de José Serra. Aliás, difícil conceber que o cidadão não se cubra de indignação diante desse episódio.
Sintomaticamente, Serra pronunciou essas palavras ao lado de Aécio Neves, conhecido por resolver na porrada suas diferenças com as namoradas. No entanto, essa foi apenas mais uma de tantas agressões à mulher, durante um transe em que o tucano não poupou a própria família.
Sabe-se que sua mulher, Mônica, praticou um aborto, tempos atrás. E desolada comunicou o fato a suas alunas na Unicamp. Obviamente, não convém apresentar julgamento sobre as razões da mulher do ex-governador paulista.
Estarrecedor foi o empenho de Serra em converter o tema no pilar de sua campanha. A hipocrisia é condenável. Mas ainda é a construção de um argumento que certamente feriu a esposa, compelida a recordar episódio doloroso de sua biografia.
Os esquemas de golpismo midiático do candidato envolveram a própria filha. Ao utilizar com propósitos eleitorais as quebras de sigilo encomendadas por seu "aliado" Aécio, o candidato expôs Verônica Serra de forma pública.
Nessa manobra, permitiu que a boa imprensa revelasse o escândalo da quebra de sigilo de quase 60 milhões de brasileiros, em 2001, malfeito da Decidir.com, empresa que tinha entre seus donos Verônica Serra e Verônica Dantas Rodenburg.
No contato com imprensa, Serra costuma desrespeitar as jornalistas. Um exemplo foi o barraco que armou antes da gravação do programa Jogo do Poder, da CNT. Inconformado com o fato de não poder definir, ele próprio, a pauta de perguntas, o candidato não poupou grosserias para intimidar a jornalista Marcia Peltier
Serra lida tão mal com as mulheres que chegou a protagonizar discussão acalorada até mesmo com uma aliada da imprensona, a jornalista Mirian Leitão, que sugeriu ser uma lobista do setor financeiro. Para completar, classificou a pergunta da profissional sobre a gestão do BC como "bobagem".
Não é preciso rememorar os inúmeros questionamentos enviesados de Serra sobre a competência de Dilma Rousseff. Em tom de sutil deboche, o tucano sugere que adversária seja incapaz, e que no comando do país será um fantoche do homem Lula.
Percebe-se claramente essa postura na construção obliqua de suas frases, na impostação de voz e nas demonstrações de desprezo que se revelam nas flexões de canto de boca.
Pode-se cogitar de que essa conduta seja resultado da influência dos fanáticos de extrema-direita que compuseram o agressivo e criminoso batalhão eleitoral de Serra: a TFP, a Opus Dei, a ala conservadora da CNBB, os monarquistas e os gestapo-boys da Tribuna Nacional.
Uma análise mais detalhada da trajetória política do candidato, no entanto, indica o contrário. Registram-se em sua biografia inúmeros eventos que revelam inequívoca tendência à ginofobia. Nesse caso, parece natural que Serra tenha se aproximado desses bandos. Pelo menos nisso, exibiu coerência.
Enviado pelo autor
+++
Os novos fundamentalismos
Giuseppe Cocco
Intervenção em “Encontros Moviola”, 21/10/2010, reunião e debate na Livraria Moviola, RJ. / Filme e outras intervenções, em www.moviolalivraria.blogspot.com
++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
O fascismo, o fundamentalismo de tipo novo, não está, na minha opinião, por exemplo, num vídeo que me mandaram – e fiquei indignado que pessoas que eu conheço tenham-se atrevido a me mandar aquilo –, e que, no “Assunto”, trazia a expressão “Dilma Ladra”. O vídeo mostrava um discurso do [deputado] Bolsonaro (que foi eleito aqui no Rio, na coalizão governativa, pra vermos como as coisas são enroladas). O vídeo acusa a candidata Dilma, hoje candidata, de crimes dos quais a ditadura a acusou, há muitos anos.
O que quero dizer é que o fascismo não está, na minha opinião, no fato de se usarem temas fascistas. Dizer que alguém estaria reintroduzindo no Brasil do século 21, por exemplo, o integralismo. Não. Acho que o fascismo está, isso sim, no uso instrumental de um debate, que acaba se transformando numa armadilha, que reduz completamente o espaço da democracia.
Nesse exemplo, não falo do fato de alguém usar instrumentalmente um vídeo pra fazer alguém perder votos. O fascismo está, sim, em dizer que o que vale na valoração moral da legalidade ou ilegalidade (“ladra” ou “não ladra”) é o que disse um tribunal de exceção, de uma ditadura militar.
É como se Togliatti, líder comunista italiano, voltando de Moscou, depois da 2ª Guerra, é como se a Democracia Cristã italiana usasse, para falar de Togliatti, no debate político, sentenças dos tribunais de Mussolini sobre Togliatti. Como se De Gaulle, voltando junto com os aliados para a França Vichyista libertada com os aliados, fosse apresentado nos termos do que os tribunais Vichyistas e Petainistas diziam dele. É uma coisa muito preocupante.
Não se trata apenas de tentar usar o medo: de fato, se introduzem na discussão critérios inaceitáveis de valoração moral.
Mas não é fenômeno só brasileiro. Na Espanha, por exemplo, houve o juiz Garzón, juiz importante, que mandou prender Pinochet, que sempre teve desempenho muito correto na ordem liberal, e tornou ilegal um partido que reunia 20, 25% do eleitorado no país basco. Desmontou o Herri Batasuna, partido ligado ao ETA. Mas, quando começou a aplicar aos franquistas a mesma lei que aplicara aos ditadores chilenos e argentinos, o juiz Garzón passou a ser acusado de ter ligações com o ETA e foi destituído e está sendo acusado de abuso de poder.
O que quero dizer é que há um retorno dos temas, mas o problema não está em que alguém tenha hoje, no Brasil, um projeto fascista, porque isso não há. Ninguém tem projeto fascista. O que há é diferente.
Não há projeto fascista no Brasil, mas há, sim, um fundamentalismo, sim, que funciona como um fascismo, ao meu ver. Qual é a marca desse fundamentalismo?
Começo com outro exemplo. Logo depois que publiquei um artigo de opinião na Folha de S.Paulo, a favor de Dilma[1] e discutindo aspectos do desenvolvimentismo (o que, aliás, discutimos aqui mesmo, na última reunião que tivemos aqui), telefonou-me um amigo, elogiou o artigo, e tal, e disse “[só não concordo com defender Dilma, porque] Dilma é hipócrita”. Perguntei: “Mas... por quê?” “Porque ela dizia que era a favor do aborto, e agora diz que é contra.”
E eu: "Ora essa! Você queria o quê? Que ela agora deveria dizer que defende, que deveria assumir tudo que lhe atribuem... sem discutir nada, sem avançar argumentos, se deixar pautar pelo que lhe atribuem? Ninguém discutiu nada! Não há espaço pra discutir nada!”
Como funciona esse debate? Exatamente como funciona no fascismo, no nazismo, que são formas de mobilização das massas que não se fazem como construção da democracia, mas como perda de democracia, pelo impedimento de todos os debates. Cria-se o obscurantismo. E perdem-se todos os espaços de debate.
Como se responde a alguém que diga o que eu ouvi do meu amigo? Que, para vencer a eleição, Dilma deveria assumir tudo o que lhe atribuem e atribuem para fazê-la perder a eleição... O debate ficou impossível.
Esse obscurantismo não é volta ao passado, os novos obscurantistas usam a internet, todas as ferramentas. Operam por dentro, para destruir toda e qualquer possibilidade de debate – e isso é que é importante [fim do primeiro filme]
Outro exemplo: o Daniel Cohn-Bendit andou pelo Brasil, circulou por aqui antes do no primeiro turno, e deu entrevistas[2]. Fez críticas violentas ao governo Lula, disse que o governo Lula tinha políticas de desenvolvimento do século passado (aliás, não faz nem dez anos! [risos]).
Eu tenho amigos franceses que trabalham com ele, no movimento ecologista, que se está unificando na Europa. Eu disse a eles: "[Cohn-Bendit] andou aqui, acho que não entendeu nada.” Ficou por isso mesmo.
Agora, no segundo turno, voltei a fazer contato com eles e disse: “Bom, agora, há risco real de a direita vencer. A Marina e o PV, no mínimo não vão tomar partido; e muitos deles consideram assumir a direita. O que vocês vão fazer?”
E eles, lá, fizeram um documento, muito moderado, com críticas à Dilma, mas dizendo aos ‘verdes’ brasileiros que eles têm de assumir o rumo da esquerda. Me mandaram o documento.
Peguei o documento e liguei para a FSP, com quem tenho alguns contatos, às vezes publico lá, e ofereci o documento. “Estamos interessados”, me disse alguém. E nada. Voltei a ligar, e me disseram “Mas o pessoal que assina não é gente muito conhecida...”. Digo eu: “Desculpa, mas, quando passaram por aqui, antes, vocês acharam que sim, eram muito conhecidos. Agora, acham que não...”
Os signatários são dois ex-ministros do Meio Ambiente da França, três co-presidentes dos verdes europeus, que é a 3ª força na Europa, na França vai ser força decisiva nas próximas eleições, sempre aliados à esquerda, são todos senadores, há a senadora-prefeita de uma subprefeitura com 100 mil habitantes, da Grande Paris, que sempre foi governada pelo Partido Comunista, Montreuil, o José Bové, da Via Campesina, militante da agricultura familiar, ligado ao MST, super conhecido no Brasil... E nada.
Dias depois, me liga outro jornalista da FSP, de Brasília, e me diz: “Estou interessado no manifesto, mas queria saber se é normal que os verdes europeus tomem posição em eleições em outros países...” E eu: “Bom, quando eles andaram por aqui, no primeiro turno, vocês acharam que era perfeitamente normal...” [risos]
De qualquer modo, aproveitei pra dizer que “esse manifesto foi escrito porque, dado o peso político que estão ganhando, os verdes europeus são atravessados pelo debate sobre que lado estão, se devem ficar neutros no início, e depois se alinhar a um lado ou outro. Então, nesse caso, estão aproveitando em primeiro lugar, para apoiar a esquerda no Brasil. E aproveitam para dizer, também, que, caso a opção se apresente na Europa, a opção pelo candidato progressista, tem de ficar clara, desde o início da discussão.” E ele disse: “Então, a Dilma seria progressista...” Digo: “Eu acho que sim. Eles, também”. Só opiniões minhas, e a opinião do jornalista.
Dias depois publicaram matéria sobre Dilma e os projetos ambientais, em que o Greenpeace contestava os verdes brasileiros que apóiam Dilma[3]. O Greenpeace ganhou espaço, os verdes europeus, não. Ora, que eu saiba, o Greenpeace não é propriamente brasileiro, é global. Acho normal que opinem. O caso é que o Greenpeace tem espaço para opinar sobre o Brasil, e s verdes europeus, não. E o jornalista da Folha de S.Paulo me disse: “Eu escrevi e o editor cortou, porque achou que não era importante.”[4]
Para concluir, queria dizer, sobre os novos fundamentalismos, que acho que o fundamentalismo não é uma volta do fascismo como foi, mas é uma forma de falsificação sistemática, que usa todas as tecnologias, como faz o fundamentalismo islâmico do tipo Al-Qaeda, mas que usa as tecnologias de tal modo que reproduz hierarquias e falsifica o debate democrático.
Acho que temos hoje em ação dois fundamentalismos: um fundamentalismo que está completamente em crise, vertical, que é o fundamentalismo de mercado, que vive de dizer que tem de cortar, tem de cortar, coisa em que ninguém mais acredita. O Brasil somos nós. Cortar o “custo Brasil” significa nos cortar... e privatizar, idiotice pura, ninguém mais acredita nisso.
Vale o mesmo para a tal de sustentabilidade econômica, em que ninguém acredita mais. Sem esse fundamentalismo, todos se mudaram imediatamente para outro fundamentalismo.
Vê-se bem no caso dos EUA, Wall Street. Se se retirar da economia todo o dinheiro que o Federal Reserve pôs na Bolsa, nos bancos, nas seguradoras, a coisa desmorona. A discussão que se tem de fazer tem a ver com o valor político da moeda.
Então, por um lado temos o fundamentalismo de mercado, que usa sempre só o que esse pessoal tinha como conteúdo (“Serra é o melhor administrado”, o “mais competente” etc. etc.) em que ninguém acredita. Daí, então, foram para outro fundamentalismo. Isso é que é preocupante.
O fato de eles terem passado imediatamente, do que se podia ler na imprensa (Serra dizia que não era candidato, depois pôs Lula na propaganda dele). As primeiras declarações do Índio da Costa de fato, até por terem sido tão desencontradas, anunciavam que eles iam passar imediatamente para outro fundamentalismo.
Fato é que essas paixões tristes ficam.
Não podemos analisar com leveza, porque parecem que serão derrotados, e mesmo que sejam, tomara, porque essas paixões ficam.
Ficam no retrocesso do debate, do debate que se poderia, mas não se pode fazer, de defesa da candidatura progressista. E elas ficam, também, em termos da mobilização social. Temos, sim, de estar muito, muito, muito preocupados.
Vê-se que já está acontecendo também nos EUA. É a mesma coisa, no movimento Tea Party, uma mobilização muito mais radical em termos de novo fundamentalismo do que os Republicanos de antes, e que está impedindo que se concretize, até, o pequeno avanço anunciado pela eleição de Obama. E o que está acontecendo na Europa também tem elementos muito importantes de radicalização, em termos de novo fundamentalismo, por exemplo, no crescimento da xenofobia.
O que estamos assistindo hoje, nessa involução da campanha pró-Serra, não é a defesa do neoliberalismo e das privatizações, mas é exatamente o que será o pós-neoliberalismo do ponto de vista da direita. Parece que haverá uma volta do discurso estatal, de direita, autoritário, pesado, que nós, em geral, subestimamos, subavaliamos.
Temos, portanto, que avaliar essa campanha, e temos de estar preocupados, num horizonte que vai além dessa campanha.
A nova direita que vem aí é direita da pesada, e que tem de preencher o vazio do fundamentalismo do mercado, em que ninguém acredita mais, o tucanês, em que ninguém acredita mais.
O risco que enfrentamos hoje é que o “choque de gestão” pode muito rapidamente virar "choque de ordem" [fim do segundo filminho].
[1] COCCO, Giuseppe, 17/10/2010, “Dilma é garantia do processo democrático”, Folha de S.Paulo, Tendências & Debates, p.3, em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1710201008.htm .
[2] “Eu sou um mito", afirma Cohn-Bendit, Folha de S.Paulo, 25/8/2010, Ilustrada, p. 16, e em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2508201016.htm
[3] “Em evento tumultuado, Dilma mostra plano ambiental genérico”, 21/10/2010, Folha de S.Paulo, em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po2110201009.htm.
[4] Notícia sobre o manifesto dos verdes europeus foi afinal publicada em jornal de Mato Grosso, Folha do Estado, só dia 30/10/2010, matéria da redação, em http://www.folhadoestado.com.br/0,,Folha7456), e inclui a íntegra do manifesto:
A íntegra do manifesto:
A candidatura de Marina Silva trouxe para o eleitorado de Dilma, a pupila de Lula, a grande surpresa do primeiro turno. É preciso saudar a novidade que representa a candidatura de Marina Silva que já lutava, desde o período de sete anos em que foi ministra do governo Lula, para fazer entrar verdadeiramente as questões ecológicas na pauta de preocupações do governo brasileiro de esquerda. Com sua presença no escrutínio, a diversidade de lutas sociais, de todas as minorias (sexuais, religiosas) encontrou uma voz.
O placar de 19% do total de votos para uma candidata independente, sem apoio de partidos poderosos, representa a segunda grande surpresa. Ele prova que o Brasil se transforma muito mais profundamente do que apenas no plano do crescimento econômico. Para a democracia e a cultura, este já é um passo considerável.
Na América Latina, da Colômbia ao Chile, e agora também no Brasil, para além dos diferentes contextos, as questões ecológicas entram definitivamente na pauta das eleições presidenciais, o que não é mais o caso na Europa. O Brasil é a sétima potência mundial. Nenhum europeu em sã consciência pode se desinteressar pelo que está em jogo para os destinos ecológicos e sociais do planeta.
Esta é a razão pela qual desejamos, através deste manifesto, expressar nossa inquietação. A batalha do segundo turno se anuncia bastante cerrada e, algo impensável até ontem, uma vitória da direita não está mais excluída. Na configuração de hoje, o partido verde está longe de ter a dimensão popular de Marina Silva. Algumas personalidades como Gilberto Gil, ele mesmo afiliado a este partido, conclamam a que se vote em Dilma sem ambiguidade. E nós compartilhamos desta posição. Prestemos bastante atenção ao seguinte: José Serra não é um social democrata de centro. Por trás dele, a direita brasileira vem mobilizando tudo o que há de pior em nossas sociedades: preconceitos sexistas, machistas e homofóbicos, junto com interesses econômicos os mais escusos e míopes. A direita sai do porão.
Contra as mulheres, as facções mais reacionárias das igrejas cristãs – incluindo aquela da mulher do candidato da direita que declarou publicamente que Dilma quer assassinar criancinhas – acusam a candidata de ser favorável ao aborto, mesmo que esta questão não faça parte de seu programa de governo, tampouco do programa do Partido dos Trabalhadores.
Contra os homossexuais: o vice de Serra sustenta um discurso abertamente sexista e homofóbico.
Contra os pobres: acusados de votar na esquerda por ignorância.
A esta panóplia, bem conhecida em toda parte, vem se juntar uma criminalização particularmente ignóbil por parte da direita das lutas de resistência contra a ditadura. Dilma tem sido alvo de campanhas anônimas na internet que acusam de terrorismo e de bandidagem por ter participado na luta contra o regime militar, ela que foi por este motivo presa e barbaramente torturada.
A mobilização da direita está completamente ligada aos interesses do agro-negócio, um vínculo sobre o qual o governo Lula tem sido ambíguo em alguns momentos. No entanto, uma vitória da direita representaria o triunfo do complexo agro-industrial e dos céticos em matéria de aquecimento global. Seria uma guinada à direita em direção à revisão do estatuto da floresta que começou a limitar a devastação na Amazônia e no Mato Grosso, e no asseguramento dos direitos indígenas sobre suas reservas, que no ano passado obtiveram uma importante vitória (Raposa Serra do Sol) referendada pela Corte Suprema do país, que reconheceu esses direitos. Vinte e duas reservas indígenas podem seguir este caminho de enfrentamento com o agro negócio da soja e do arroz transgênico.
Não permitamos que o voto libertário em Marina Silva paradoxalmente se transforme em uma catástrofe para as mulheres, para os direitos humanos e para os direitos da natureza!
No plano internacional, os aspectos mais inovadores da política Sul-Sul de Lula (certamente pelo fato de seu apoio a Ahmadinejad), seriam condenados ao ostracismo com um realinhamento com os Estados Unidos. Além de representar uma alternativa à fixação estéril em uma política de confronto entre Estados Unidos e China, esta política Sul-Sul se opõe às estratégias dos países do Norte de multiplicar as medidas de defesa dos direitos da propriedade intelectual em detrimento do acesso aos saberes, à internet (especialmente no âmbito da ACTA).
Marina Silva recusou-se a manifestar apoio ao voto em Dilma. Pode-se compreender que seja um pouco difícil para ela se alinhar imediatamente com Dilma, com quem ela entrou em conflito enquanto no governo, e neste momento ela luta para evitar o alinhamento do partido verde com a direita, apesar da campanha virulenta contra ela por parte do PT.
Com efeito, os ecologistas estão travando, não só na Europa, como em vários países do mundo, um sério debate com os socialistas sobre a questão nuclear, sobre a OMC e o produtivismo agrícola e industrial, bem como o problema do aquecimento climático. No Brasil, agrega-se a todas essas questões uma dimensão – amplificada por sua urgência crucial – da luta contra as desigualdades. Pode-se compreender, portanto, a reserva de alguns ambientalistas em se alinharem com a candidata da esquerda.
Mas nossa experiência como força política e de oposição e governo na Europa nos permite afirmar a nossos companheiros brasileiros que, nas atuais circunstâncias do Brasil, a ancoragem na esquerda é a única possibilidade real de fazer avançar a causa ecológica: já vimos no que se tornou a «Grenelle» – Ministério do Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável, Energia e Transportes – na França com a direita.
Quanto às mulheres, às minorias étnicas, religiosas, sexuais, elas sabem aonde têm que se bater. A xenofobia, o racismo, a mobilização reacionária da religião são os perigosos instrumentos que a direita populista utiliza alegremente na Europa.
É impossível acreditar que a esperança suscitada pelos dois mandatos presidenciais de Lula acabe terminando no segundo turno com a eleição do candidato da direita.
Assinam:
Dany Cohn Bendit (Alemanha) co-président du groupe parlementaire des députés Verts au Parlement Européen
Monica Frassoni (Itália) co-présidente du Parti des Verts Européens
Philippe Lamberts (Bélgica) co-président du Parti des Verts Européens
Dominique Voynet (França) Senadora, Prefeita da Cidade de Montreuil , ex-Ministra do Meio Ambiente (gov. Jospin)
Yves Cochet ( França) Deputado Nacional, ex-MInistro do Meio Ambiente (Gov. Jospin)
Noël Mamère (França) – Deputado Nacional e Prefeito de Bègles (Bordeaux)
José Bové (França) – Deputado europeu
Alain Lipietz (França) – dirigente dos Verdes, ex-deputado europeu
Jérôme Gleizes (França) – Dirigente da comissão internacional dos Verdes
Yann Moulier Boutang (França) Co-diretor da Revista Multitudes (Paris)
Paris 18 de outubro de 2010
_______________________________________________