quarta-feira, novembro 02, 2005

Tucanos na terceirona


Torcedores do Bahia começam a descobrir a verdade



A revista Carta Capital, além do escândalo do desvio de uma dinheirama do governo baiano através da Bahiatursa, publica o drama do Esporte Clube Bahia e identifica o vilão da história

A revista Carta Capital - a mesma edição que publica o escândalo do dinheiroduto que desviou R$ 101 milhões da Bahiatursa – retoma o drama do Esporte Clube Bahia que está mergulhado na pior crise de sua história, com R$ 50 milhões de dívidas, salários atrasados e rebaixamento para a terceira divisão. A história tem um vilão e se chama Daniel Dantas, o cavaleiro das sombras. Seu banco, o Opportunity, firmou um contrato que significou o desmonte, a destruição moral, patrimonial e esportiva da agremiação. A família e o grupo político de ACM estão metidos nessa história até os ossos.

Os opositores aos atuais gestores do Bahia querem saber como a dívida da agremiação saltou de R$ 6 milhões para quase R$ 50 milhões, desde que o Opportunity assumiu a administração. “Eles prometeram a contratação de craques do nível de seleção, mas aconteceu o contrário. Venderam as revelações”, diz Edmilson Gouvêa. “O (lateral) Daniel foi para o Sevilha por US$ 1,7 milhão. O (atacante) Nonato foi emprestado à Coréia por US$ 500 mil. Onde foi parar esse dinheiro?”, pergunta.

COMO A REVISTA DESAPARECEU MISTERIOSAMENTE DAS BANCAS DE SALVADOR PUBLICAMOS AQUI A MATÉRIA NA ÍNTEGRA:


Revista Carta Capital

DANTAS NA TERCEIRONA

Torcedores contestam acordo entre o Bahia e o Banco Opportunity

Por Sergio Lirio

Campeão brasileiro de 1988, detentor das maiores médias de público nos estádios na primeira metade desta década, o Bahia está mergulhado na pior crise de sua história. Rebaixado à Terceira Divisão do Campeonato Nacional, sem levantar uma taça há três anos, o time acumula dívidas de quase R$ 50 milhões. Os salários dos funcionários estão atrasados desde julho e o departamento de futebol, na falta de alternativa, deu férias de 45 dias ao elenco de jogadores.


Enquanto a maioria da fanática torcida tricolor tenta entender o que está acontecendo, um grupo de sócios e torcedores do Bahia acredita ter encontrado o vilão dessa história. Ele mesmo, o banqueiro Daniel Dantas, chamado nos bastidores do clube de “cavaleiro das sombras”. Na quinta-feira 27, o grupo encaminhou ao Ministério Público Federal um pedido de abertura de ação civil pública para que os procuradores investiguem a lisura do contrato firmado em 1998 entre o Bahia e o Grupo Opportunity. Segundo a representação, o acordo significou “o desmonte, a destruição moral, patrimonial e esportiva” da agremiação.

A associação entre o Bahia e o Opportunity foi a primeira experiência de clube-empresa no País, possibilidade aberta pela Lei Zico, editada em 1993. A lei permitia aos times de futebol tornarem-se sociedades anônimas, atrair investidores e colocar ações nas Bolsas de Valores, a exemplo do que ocorre na Europa. Em 1998, o tricolor baiano, como hoje, enfrentava uma situação financeira difícil. Devia R$ 6 milhões e, no ano anterior, havia sido rebaixado à Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. O acordo com Dantas foi saudado como a salvação da lavoura.

Para os autores da representação ao Ministério Público, diretores do Bahia à época, entre eles o ex-presidente Marcelo Guimarães, a pretexto de recuperar as finanças e levar o time de volta aos tempos de glória, entregaram o patrimônio do clube de mãos beijadas ao Opportunity. Uma das provas anexadas é a ata da assembléia que aprovou a associação, em 9 de janeiro de 1998.

Há realmente algo estranho no documento. Durante a assembléia, os defensores do acordo com o banco afirmaram que o único patrimônio a ser repassado para a nova empresa seria o elenco de jogadores, avaliado em R$ 12 milhões. A sede social, o estádio e outros imóveis não seriam incluídos no acordo. Prometeram também que a gestão do clube seria compartilhada. A companhia, que se chamaria Bahia S.A., seria administrada por um conselho formado por quatro integrantes indicados pelo clube, quatro pelo Opportunity e um representante escolhido “entre os notáveis da Bahia”. Citou-se até um nome, Antonio Carlos Magalhães Júnior, filho de ACM e tricolor fanático.

Em meio a promessas de grandes investimentos e sonhos de conquistas internacionais, os conselheiros aprovaram a associação por unanimidade. No fim da reunião, entoaram o hino do Bahia. A ata traz, porém, um adendo não discutido pelos presentes na reunião. Cinco itens, acrescentados após o encerramento do encontro, alteram de forma substancial vários dos pontos aprovados pelo conselho.

Na introdução do adendo, Marcelo Guimarães investe-se de poderes para alterar, “a qualquer momento”, os contratos com o Opportunity. O item C modifica a composição do conselho do Bahia S.A. Em vez de quatro, o Opportunity ganhou o direito de indicar cinco nomes. No item E, o clube compromete-se a arrendar por 25 anos ao banco o centro de treinamento e o estádio Pituaçu, caso o governo estadual aprovasse o arrendamento. São os mesmos imóveis que os defensores do contrato haviam jurado não fazer parte do acordo. Um mês depois, Guimarães fez valer os itens do adendo e assinou protocolo que ampliava os poderes do Opportunity.

“São acordos criminosos, ilegais. Queremos que o Ministério Público mande romper essa sociedade que lesou o Bahia”, afirma o advogado José César de Oliveira, que foi do departamento jurídico do clube. “É preciso devolver o clube aos verdadeiros donos, os torcedores”, diz Edmilson Gouvêa, que encabeça a representação enviada ao MP. Gouvêa mantém um site ( http://www.diretasja.com.br), no qual defende eleições diretas para a diretoria. Procurado por CartaCapital, Marcelo Guimarães, que presidiu o Bahia por nove anos e só deixou o posto após a queda para a Terceira Divisão, não quis falar.


Apesar de os documentos entregues aos promotores revelarem uma “esperteza”, mais uma, do Opportunity, é difícil definir se o banco de Dantas é mesmo vilão ou mais uma vítima da crise do Bahia. No fim dos anos 90, tal qual a bolha no setor de tecnologia, imaginou-se que seria possível ganhar dinheiro com futebol no Brasil. DD não foi o único a apostar nessa possibilidade. O Bank of America fechou parceria com o Vasco da Gama. Após torrar US$ 200 milhões, a instituição tirou o time de campo.

Dantas imaginava obter lucro administrando vários clubes ao mesmo tempo, mas seus planos foram frustrados quando a Lei Pelé, editada meses depois da associação com o Bahia, proibiu que um investidor controlasse mais de um time.

No início, a associação até funcionou. O Bahia foi tricampeão baiano. Por força de uma virada de mesa patrocinada pela Confederação Brasileira de Futebol, voltou à Primeira Divisão do Brasileiro em 2000, ao lado do Fluminense. Mas a maré mudou rapidamente. Em 2001, o time ganhou seu último título estadual. Os tricolores baianos tiveram de engolir um tricampeonato do arqui-rival Vitória. Em 2003, caiu novamente à Segunda Divisão. Neste ano, acompanhou o Vitória rumo à Terceira.

Dos R$ 48 milhões que o Bahia deve, R$ 15 milhões são compromissos com a Liga Futebol, empresa controlada pelo Opportunity. Outros R$ 25 milhões referem-se a impostos estaduais e federais. O clube deve R$ 8 milhões a funcionários e fornecedores privados.

Há uma divergência sobre o tamanho dos investimentos de Dantas. Os documentos anexados na representação mostram que o Opportunity havia se comprometido a cobrir as dívidas do clube à época, equivalentes a R$ 6 milhões. Segundo o advogado Oliveira, o montante nem teria sido pago à vista, como era a promessa inicial. As dívidas com o INSS foram parceladas em 96 meses no Programa de Refinanciamento Federal, o Refis. “Entregaram o patrimônio praticamente de graça”, diz.

Paulo Maracajá, presidente do Bahia por 15 anos e um dos defensores da parceria, diz que o Opportunity investiu muito mais. Segundo Maracajá, o banco aplicou inicialmente R$ 12 milhões. Nos últimos sete anos, emprestou outros R$ 15 milhões para que a diretoria cobrisse as despesas do clube. “Dantas tem sido um grande amigo do Bahia, solidário nos momentos difíceis”, afirma Maracajá.

Os opositores querem saber como a dívida saltou de R$ 6 milhões para quase R$ 50 milhões, desde que o Opportunity assumiu a administração. “Eles prometeram a contratação de craques do nível de seleção, mas aconteceu o contrário. Venderam as revelações”, diz Edmilson Gouvêa. “O (lateral) Daniel foi para o Sevilha por US$ 1,7 milhão. O (atacante) Nonato foi emprestado à Coréia por US$ 500 mil. Onde foi parar esse dinheiro?”, pergunta.

Representante do Opportunity no conselho, Jorge Goldstein diz que o banco não teve lucro com as operações e rejeita qualquer culpa pela atual crise. “O dinheiro da venda ou de empréstimos de jogadores serviu para cobrir as despesas do dia-a-dia”, diz. “Há muitas explicações para a situação atual, mas elas não estão na parceria. Na verdade, é mais uma prova de que onde o Opportunity não manda as coisas vão mal”, acrescenta.

Goldstein afirma que o banco pretende deixar a parceria, mas ainda não conseguiu elaborar uma fórmula que permita a saída com o mínimo de prejuízo. “Se houvesse uma maneira, não continuaríamos na associação”, afirma.

Além da enorme capacidade do Opportunity de se meter em negócios espinhosos, o conflito em torno do contrato expõe a maré de azar que tomou conta do Bahia e que parece não acabar nem com “reza braba”. As eleições da diretoria estão marcadas para 7 de novembro, mas faltam candidatos. Parte significativa dos conselheiros não paga mensalidade há meses e estes não poderão votar, o que dará menos legitimidade ao resultado das urnas.

Sem dinheiro para as despesas básicas, o clube é obrigado a carregar um fardo inesperado. Contratado para tirar o Bahia da Segundona, o veterano centroavante Viola, de 35 anos, machucou-se no início do torneio e ficou de fora de várias partidas. A diretoria não conseguiu negociá-lo e é obrigada a cumprir o contrato. Viola recebe cerca de R$ 60 mil mensais.


31/10/2005

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