segunda-feira, novembro 07, 2005
A esquerda morreu; a rebelião vive
Vai ser difícil impedir que as agitações se confinem ao território francês. Estamos no mundo mais ou menos como a Europa estava antes das rebeliões operárias de 1848, mas com muito mais vantagem para os pobres. Hoje, às barricadas das ruas, somam-se as barricadas da internet.
Conviria a Mr. Blair (e a Mr. Bush) fazer o que parece mais difícil: pensar. Pensar no que está ocorrendo na França. Inventaram um mundo único, preparem-se para o mundo único. Crescendo tanto a riqueza quanto a miséria, o globo ficou pequeno para pobres e ricos. Três são as possibilidades: os ricos acabam com os pobres, os pobres acabam com os ricos, ou se encontra um “modus vivendi” entre os eternos adversários da História. Para que haja esse convívio tolerável, mesmo que ainda de alguma forma injusto, é preciso restabelecer a ordem do Estado, colocando-o como o instrumento limitador dos conflitos sociais. Por enquanto, o Estado só está abrindo mais espaço aos ricos.
Vai ser difícil impedir que as agitações se confinem ao território francês. Se não houver um milagre em favor dos grandes, dentro de horas ou, no máximo, de dias, as mesmas agitações virão a ocorrer na Itália e na Grã Bretanha, para se espalharem pela Europa e, quem sabe, chegarem aos próprios Estados Unidos. O que ocorreu em Nova Orleans mostra que a grande nação norte-americana não está tão unida quanto se pensava, e paira, em seu destino, a advertência de Lincoln, em seu célebre discurso sobre “a casa dividida”.
Estamos, no mundo inteiro, mais ou menos como a Europa estava antes das rebeliões operárias de 1848, mas com muito mais vantagem para os pobres. Hoje, às barricadas das ruas, somam-se as barricadas da internet. De tanto ver a violência nos cinemas e na televisão, os pobres sabem como preparar seus coquetéis molotov e atingir os alvos com precisão. A pressão chegou a tal nível que os expedientes dos excluídos para a sobrevivência, como o tráfico de drogas, o comércio de mercadorias com grifes falsas (afinal, convenhamos, que diferença essencial há entre uma bolsa Vuilton autêntica e a falsa?), o malabarismo nas ruas e a guarda dos automóveis já não são suficientes para mantê-los contidos. Esse é um fenômeno universal. Até o fim do século passado, as cidades absorviam os subúrbios; hoje os subúrbios estão sitiando as cidades.
Os jornais estão ocupados com a visita de fim de semana do presidente Bush à Argentina e ao Brasil. Ora, Bush se encontra acossado pela realidade política de seu país, com os seus principais assessores envolvidos em casos que podem ser considerados, na tradição constitucional norte-americana, como atos de traição. Não deixa de ser um ato de traição a mentira utilizada para justificar a guerra contra o Iraque, que já custou mais de dois mil mortos e milhares e milhares de feridos, além dos imensos gastos militares.
O futuro do mundo não está na Casa Branca, nem no Capitólio. Ele está sendo jogado na periferia de Paris. Na periferia de Paris, de Londres, de Roma, do Rio, de São Paulo. A bola está com os pobres.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
MAURO SANTAYANA
8/11/2005
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