sexta-feira, novembro 25, 2005



África: 15 países assinam protocolo que proíbe mutilação genital feminina


Africana mostra a faca com que são removidos clitóris e lábios menores da vulva feminina


O Protocolo sobre os Direitos das Mulheres Africanas, primeiro texto de âmbito continental a proibir explicitamente práticas como a mutilação genital feminina [remoção do clitóris e dos lábios menores da vulva], entra em vigor hoje, sexta-feira. Segundo a Unicef divulgou ontem, ao menos 3 milhões de meninas são vítimas nos 28 países onde a prática dolorosa, e muitas vezes assassina, é realizada.
O documento foi adotado na segunda Assembléia Geral da União Africana (UA) realizada em Maputo (Moçambique) em julho de 2003, mas, para entrar em vigor, devia ser ratificado por 15 países membros. Togo foi 15º país a assiná-lo no último dia 26 de outubro, ativando automaticamente o período de 30 dias para sua entrada em vigor.
Os países que assinam o documento são Cabo Verde, Comoros, Yibuti, Gambia, Lesoto, Libia, Malawi, Mali, Namibia, Nigéria, Ruanda, Senegal, África do Sul, Benin e Togo. Há ainda 38 membros da UA que não aprovaram o documento.
O texto - que integra a Convenção Africana sobre os Direitos das Pessoas e dos Povos - aborda especificamente a realidade das mulheres africanas. Ele estabelece, entre outras coisas, que os países membros proibirão e castigarão "toda forma de mutilação genital feminina" e "protegerão as mulheres para que elas não corram o risco de serem submetidas" a esta prática.
É a primeira vez que a mutilação genital feminina é abordada de forma explícita em um texto legal cujo âmbito é o continente africano, onde a prática continua sendo realizada em mais de 28 países. Também pela primeira vez reafirma-se o direito das mulheres de ter sua saúde reprodutiva respeitada, o que inclui, segundo o artigo 14, "o direito de controlar sua fertilidade, escolher métodos anticoncepcionais e se proteger da Aids".
O mesmo artigo indica que "os países tomarão medidas para proteger os direitos reprodutivos das mulheres autorizando o aborto médico em caso de agressão sexual, violação, incesto e quando a gravidez puser em perigo a saúde física ou mental da mãe ou a vida da mãe e do feto". Em um continente onde os casamentos arranjados são freqüentes e as meninas são obrigadas a se casar muito jovens, o protocolo estabelece que os países devem garantir que "nenhum casamento ocorra sem o consentimento das duas partes" e determina os 18 anos como a idade mínima para o matrimônio.
Direitos sociais e políticos
O texto também reconhece os direitos das viúvas, uma inclusão importante levando em conta que, em muitos países africanos, a tradição priva as mulheres do direito à propriedade. Elas perdem todos seus pertences se seu marido morrer e podem ainda ser "herdadas" por um parente deste. "Uma viúva terá direito a uma porção eqüitativa da herança da propriedade de seu marido", afirma o artigo 21. O mesmo princípio pode ser aplicado em caso de separação ou divórcio.
Outros trechos referem-se à participação da mulher na política, bem como ao direito à educação e de ser protegida pelas leis e em caso de conflito armado. As organizações de mulheres consideram a entrada em vigor do protocolo um "marco". "O fundamental é que ele [o documento] é africano, são nossos chefes de Estado que o adotam, e o texto dá às mulheres uma poderosa ferramenta para desafiar aqueles que afirmam que os direitos das mulheres são um conceito 'importado' do Ocidente", disse a diretora da Rede de Comunicação e Desenvolvimento das Mulheres Africanas, Muthoni Wanyeki.
"Estamos muito orgulhosas de ter chegado até aqui, mas a grande batalha está por vir, em conseguir que o documento seja respeitado", acrescentou Faiza Mohammed, da organização Equality Now (na tradução livre, Igualdade Já), que coordenou 19 associações africanas para pressionar os governos a ratificarem o texto.
Milhões de vítimas
Calcula-se que cerca de 3 milhões de meninas sofram mutilação genital nos países da África subsaariana e do Oriente Médio, segundo relatório do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) também publicado ontem, dia 24. O documento informa ainda que nos 28 países onde a mutilação genital de meninas é praticada o número total de afetadas chega a cerca de 130 milhões. Nos locais onde é praticada a mutilação, as pessoas pensam que o ato contribui para ressaltar a beleza, a honra, o status social e a castidade - o que supostamente aumentaria as possibilidades de casamento das jovens segundo o relatório do Unicef.
Antes, calculava-se em 2 milhões o número anual de ablações. Hoje, no entanto, acredita-se que essa cifra se aproxima dos 3 milhões, o que não significa que tenha aumentado o número de mutilações desse tipo, mas melhorado a coleta de dados. "É possível uma mudança real e durável", afirmou Marta Santos Pais, diretora do centro de pesquisas Innocenti, do Unicef, que publicou o relatório.
Segundo ela, "tudo isso mudará quando as comunidades - os adolescentes de ambos os sexos, homens e mulheres - forem capazes de decidir eles mesmos com base em conhecimentos reais sobre o modo como essa prática afeta negativamente o estado de saúde de quem a sofre". Além de ser dolorosa, a mutilação pode resultar em sangramento prolongado, infecção, infertilidade e até na morte da menina, acrescenta o documento.
Silêncio
Muitas meninas e mulheres suportam a mutilação em silêncio. E devido ao caráter privado dessa prática, é impossível calcular quantas morreram. O relatório analisa algumas das estratégias que já estão ajudando comunidades a abandonar essa prática, como as iniciativas apoiadas pelo Unicef no Egito e que são destinadas a estimular o debate aberto sobre essa questão. A participação nesse debate de líderes de opinião, entre eles líderes tradicionais ou religiosos, pode desempenhar um papel decisivo na promoção da discussão, segundo o relatório. É preciso formar equipes sanitárias e médicas, curandeiros tradicionais, trabalhadores sociais e professores para que desaconselhem esse tipo de prática, acrescenta o texto.
Além disso, a mutilação é uma preocupação global pois também afeta, embora em diferente grau, mulheres que vivem no centro de grupos imigrantes nos países ricos. Segundo o relatório, a eliminação da mutilação genital feminina em grande escala requereria maiores esforços por parte dos governos, da sociedade civil e da comunidade internacional. Já há leis que proíbem essa prática em alguns países africanos e do Oriente Médio, assim como em nações em que a mutilação afeta as comunidades imigrantes, entre elas Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Estados Unidos e alguns países europeus.

VERMELHO
Com agências internacionais.

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