quarta-feira, março 22, 2006

ECONOMIA & POLÍTICA - LV I I

Evaristo Almeida
evaristoalmeida

a)Não discutir programa
A tática da direita capitaneada pelo PSDB/PFL e não discutir programa para o Brasil. O mesmo aconteceu na eleição de 2004 com o Serra. Como o candidato não tinha propostas, simplesmente disse que iria ampliar e melhorar. O mesmo tende a acontecer em 2006, em que o programa do Alckmin é altamente impopular. O candidato pretende fazer uma terceira reforma da Previdência. Nessa reforma a idade mínima para aposentadoria passaria para 65 anos e haveria a desvinculação entre aposentadoria e salário mínimo. Também faz parte da proposta do tucano o aprofundamento das privatizações como as que ele fez em São Paulo e continua fazendo com a privatização da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP) e da Nossa Caixa. A tática do PSDB junto com a mídia, principalmente a Folha de São Paulo e a revista Veja, é focar a eleição na questão ética e na moral. Isso tem ficado muito claro nos editoriais da Folha de São Paulo nos últimos dias e com os ataques ao ministro Palocci. No editorial do dia (20/03) a Folha deixou nas entrelinhas que outras denúncias virão. Isso mostra que eles as estão guardando para usar no momento que considerar mais propício. Eles fugirão principalmente da comparação entre o governo LULA e o (des) governo do FHC. A estratégia é sempre eles tomarem a dianteira no debate e fazer o governo vir atrás em desvantagem. O fato do caseiro serve para ilustrar bem. Eles criaram um fato, em que eram réus, por causa do dinheiro depositado na conta do caseiro, mas com a utilização da mídia, estão posando de vítimas. É muito importante que o programa de televisão do governo não seja pautado pela oposição. É necessário tomar a dianteira e chamar sempre o debate programático. O Alckmin não tem capacidade de disputar nesse terreno, principalmente quando seus assessores pregam uma flexibilização das leis trabalhistas que acabará com a multa do FGTS, acarretará perdas de direitos, entre outras pragas mais. Quem votaria num candidato assim? Dessa forma eles irão fugir do debate programático como o diabo foge da cruz.

b)Sem a mídia Alckmin seria cachorro morto
As eleições presidenciais deste ano serão disputadas entre LULA e a mídia. Sem a mídia Alckmin não existiria, não teria a aprovação pública divulgada pela mídia. Ele foi figura apagada no governo de Mario Covas, tendo sido o responsável pela privatização ocorrida no estado. Daí que nasceu seu contato com o empresariado que ficou com as empresas paulistas. Ele privatizou inclusive as rodovias, em que anos antes foram investidos R$ bilhões em duplicação e melhoria da malha. Como resultado para viajar a qualquer ponto do estado hoje se gasta mais com pedágio do que com combustível. O governo do estado tem passado um comercial na televisão exaltando as estradas paulistas. O que não é dito no comercial é que antes do PSDB chegar ao governo, elas já eram consideradas as melhores do Brasil. Também falta dizer no comercial que o pedágio, por exemplo, na rodovia Imigrantes para um carro de passeio é de R$ 14,80, para um ônibus de três eixos é de R$ 44,40 e para um caminhão pode chegar até a R$ 88,00. Esses pedágios que tiram renda do cidadão encarecem as viagens de turismo e as mercadorias que são transportadas, foram implantadas pelo Geraldo Alckmin. Durante todo o período que esteve no governo, o Alckmin foi beneficiado com a blindagem da mídia paulista. Ocorreram várias rebeliões na Febem, no sistema prisional e nenhum jornalista tão preocupado com a ética petista ligou que era responsabilidade do governador tucano. Nessa semana já foram cinco rebeliões com pessoas feridas e o nome do Alckmin é omitido. Isso talvez explica a boa avaliação do seu governo (se a pesquisa for verdadeira). O governo do PSDB em São Paulo não fez nenhum projeto estruturante para o estado. A educação pública é sofrível. Os postos de saúde do estado não têm um nível de qualidade aceitável. Como o governador pode ser bem avaliado? Pela imagem de bom moço, bom marido, católico e “gerente” construída por intermédio da mídia. Na eleição de 2002, o candidato do Partido dos Trabalhadores, que começou a disputa para o governo com 5% das intenções de voto foi para o segundo turno com Alckmin e só não ganhou porque o governo tucano inaugurou uma série de obras eleitoreiras e o PT não jogou peso na eleição, pois estava preocupado com um projeto maior. E a quem interessa a candidatura do tucano? Assim como George Bush que apenas simboliza a presidência, mas não governa, pois o governo dele pertence às transnacionais do petróleo, do armamento e finanças, além dos ricos que foram beneficiados com a redução dos impostos; o Geraldo Alckmin também representa interesses diversos no Brasil. Primeiro dos Estados Unidos, que teria um governo submisso e aliado no mais importante país da América Latina. Com isso além de implantar a Alca (que o Alckmin já disse que é sua intenção), o que faria o Brasil voltar à condição de colônia, também poderia isolar o avanço da esquerda na América Latina. Governo como o do Chávez, Morales e o da Argentina, perderiam um aliado de peso. O passo seguinte seria o Brasil se aliar à Colômbia, com o ultradireitista presidente Uribe que defende os interesses dos Estados Unidos na região. Seria uma reviravolta na geopolítica da América Latina. Outra força que apóia o Alckmin é o empresariado paulista que já lucrou com sua passagem pelo governo do estado, com as privatizações e anseia agora que elas ocorram no plano federal, dando seqüência ao (des) governo do FHC. Esse empresariado é representado na figura do Antonio Ermírio de Moraes (que deve andar muito desgostoso com a queda do preço do cimento, em virtude da tarifa zero para importação do produto). Eles têm interesse na área de energia e a Eletrobrás seria uma boa compensação pelo apoio. Se junta a esse grupo a ala mais extremista da Igreja Católica (o Opus Dei) que tem um projeto de poder para a região, visto que disputa a presidência do Peru, com a candidata Maria de Lourdes. Essas forças abriram mão da candidatura mais viável que é do Serra para apoiar a do Alckmin, um candidato sem carisma e com discurso moralista. A única forma de viabilizar essa candidatura é tentando a desconstrução do governo LULA e exaltação ao Geraldo Alckmin. Desse processo participa quase toda a mídia. É CENSURADA qualquer crítica ao governador tucano. TODOS os articulistas exaltam suas qualidades. Quais são elas mesmas? Como disse o FHC no programa Roda Viva “a imprensa tem de exagerar, senão não acontece nada”. Acusações graves como o envolvimento do PSDB com o crime organizado do Mato Grosso feita por um juiz federal, foi sistematicamente ignorado pela mídia, o tucanoduto do Azeredo, a lista de Furnas, em que Alckmin e Serra constam terem recebido dinheiro do “mensalão”. Nas entrevistas com o governador as perguntas feitas pelos jornalistas são feitas de forma a não constrangê-lo e que ele se saia bem. Quanto ao governo e ao PT qualquer um que faça uma denúncia, seja estelionatário, doleiro preso, juiz condenado, caseiro, motorista, ou seja, lá o que for, instantaneamente ganha notoriedade e credibilidade. Quando no final do ano não houve fatos para a mídia explorar, o presidente LULA recuperou sua popularidade e os votos de antes da crise. Dessa forma, passado o susto à mídia vai daqui pra frente toda semana colocar um fato novo. Tentaram com a Petrobrás, nesta semana, mas apareceu o caso do caseiro, que eles explorarão até o fim. Isso funciona como no boxe, mantendo o adversário nas redes, sem forças para reagir. Em fevereiro, houve desde 1992 a maior contratação com carteira assinada no Brasil, representando um aumento de 140% em relação ao ano de 2005. Essa informação está nos rodapés dos jornais. A tática é EXALTAR o que for ruim para o governo e ESCONDER os fatos positivos. Vivemos numa onda denuncista compatível com a da década de 1950. Os progressistas brasileiros deverão ter em mente que o verdadeiro inimigo é a mídia e o Alckmin só encarna a figura do candidato, já que poste não pode ser eleito.

c)Devemos radicalizar a democracia
O maior temor da “elite” brasileira é a radicalização da democracia. O temor deles é que essa radicalização leve o povo brasileiro a lutar pela igualdade social. No Brasil não há concentração apenas de renda mas também de conhecimento. É norma as pessoas que fazem um curso superior no país serem chamadas de doutor. Isso representa um status social que o diferencia da população. Criaram até cadeia especial para quem tem nível superior. Por esse motivo é que a educação como um todo, de qualidade nunca foi popularizada no Brasil, principalmente a superior. Com o governo Lula isso está mudando, com o Fundeb, Prouni, criação de mais nove universidades federais, extensão de mais quarenta campis e 30 novas escolas técnicas. No governo Lula houve crescimento nominal de 75% do salário mínimo e 25% de crescimento real. O Bolsa Família beneficiará 11,2 milhões de famílias ainda neste ano. Inclusive será aplicado um reajuste nos benefícios que melhorará a vida dessas pessoas. Mas é pouco, dizem os oposicionistas do PSDB/PFL e os que se auto denominam de esquerda. É muito, pois se agregarmos a criação de cinco milhões de empregos, em pouco mais de três anos é um feito e tanto. Imagine aplicar essa política por 10 ou 20 anos seguidos? Ainda se ela for complementada pelas cotas para estudantes de escolas públicas, negros e indígenas nas universidades públicas. O Brasil certamente mudará, diminuirá a desigualdade e não será mais refém da direita que o oprime há 500 anos. Esse é o medo do bloco de direita, ver contestado aquilo que sempre ele considerou seu. Esse projeto pode ser colocado em prática através da concertação, em que os diversos atores sociais sejam provocados pela sua continuação. Ele é capitaneado pelo PT, mas o partido deve dividir a responsabilidade da sua continuação com outras forças sociais progressistas. Do lado do PT é correto a abertura de diretórios em todos os municípios do país como se cogita. O partido deve oferecer formação política através dos debates da construção do projeto em que todos se reconheçam. O momento agora é de construção de uma aliança com o povo brasileiro, que pela primeira vez na história pode viver num país de fato democrático.

d)Minha história eu mesmo conto, relata o produtor Celso Athayde*
"Falcão – Meninos do Tráfico" é um filme produzido pelo centro de audiovisual da Central Única das Favelas (CUFA), onde vários outros são filmados e editados por jovens das comunidades. É um filme feito sem apoio de ninguém. O João Moreira Sales [diretor do documentário Notícias de uma Guerra Particular] e o Fernando Meirelles [diretor do filme Cidade de Deus] são ricos, mas conseguem dinheiro para fazer o filme que quiserem. Com recursos da lei de incentivo à cultura, que são recursos de toda a sociedade.O jovem da Cidade de Deus não consegue o mesmo incentivo para contar a sua história. Os cineastas ficam ricos e depois vêm ganhar dinheiro com nossa própria miséria. Não dá para ficar trocando nossos sorrisos cheios de cárie por bala Juquinha. Contrapartida social não é dar um R$ 1 milhão para o João Moreira Sales fazer um filme e depois dar R$ 200 mil para a favela ver o filme de graça. É dar condição para ele fazer o filme dele e para nós fazermos o nosso.Mas a CUFA não é para ficar reclamando. Já que não tem dinheiro, que o Estado não financia, vamos à luta para dizer que a gente consegue fazer. E consegue fazer com um elemento que o Fernando Meireles jamais vai ter, que é o nosso sentimento.O filme é para isso. Para contar nossa história do jeito que a gente acha que deva ser contada. Não é para resolver os problemas da favela. O filme surge no conceito faça você mesmo. Não sou diretor, não sou escritor, mas minha história ninguém vai contar. Eu mesmo conto. Cacá Diegues pode ser meu amigo e me ajudar, mas não vai fazer. Esse filme é isso. Ele não aponta caminhos. Denuncia sem falar. Ele diz que chegamos no fim. E não adianta buscar culpados. Não se pode dizer que a culpa é do presidente, dos ministérios, dos governadores ou dos prefeitos. A culpa é da sociedade brasileira. Podem dizer que a generalização deixa a responsabilidade mais distante, mas também não dá para personalizar. Lula é tão culpado quanto eu. Não começou no governo dele e não vai terminar no governo dele. Mas está proliferando. Não adianta ONG nos morros. O trabalho delas é muito insuficiente. Na Rocinha tem 50 mil crianças.O projeto Falcão não é para discutir Segurança Pública. É para criar uma consciência. A grande maioria desses jovens é de negros que não têm pais, sustentam suas famílias com dinheiro do tráfico e morrem antes dos 16 anos. Falam que ganham R$ 1 mil por semana. É mentira. Ganham R$ 350 por mês. Quando são enterrados fazem vaquinha. Chefão do tráfico é preso descalço ou de chinelo.Segurança pública é só a porta, as conseqüências de uma série de problemas que são ignorados ou são impossíveis de resolver. Se é impossível, vamos jogar a toalha e fechar as portas porque nós estamos inviabilizando o Brasil. Se não conseguem dar dignidade para os velhos e para os jovens é porque o país está inviabilizado. Se tem um câncer irreversível, depois de procurar o médico, ou jogamos a toalha ou vamos atrás dos remédios para conseguirmos a cura. A cura depende de reforma agrária, de distribuição de renda, da cultura, da educação, do fim do preconceito racial.O que este documentário mostra é que não tem saída. Se é preciso o caos para se começar o novo mundo, a hora é agora. O caos já chegou. Só não está vendo o caos quem mora no asfalto. Ficam todos indignados quando uma bala perdida atinge um prédio fora da favela. Filmam os buracos, entrevistam os moradores, os vizinhos. O que eles não mostram é que até a bala chegar naquele prédio, ela já furou 400 barracos. Isso não é notícia. Estamos falando de HK47, M16. São balas que atravessam barracos de papelão e madeira com a maior facilidade. Todo dia fura parede e fura corpo de gente preta e pobre. E isso não é notícia.A Globo tem os interesses dela e nós temos os nossos. Não estamos usando esse espaço por ser ingênuos. Não tem favor. Tem interesse. Para mim é um espaço que será usado em uma lógica que me atende. O documentário poderá ser visto por 135 milhões de telespectadores. Não importa que a emissora não tenha entendido nada anos atrás, quando nos processou. O Willian Waack só faltou chamar o Bill de bandido. Eles esqueceram, mas eu não. Eu falo disso no livro.O que importa é que eles nos ajudem a alcançar nossos objetivos. É para isso que a gente existe. Trazer ovelhas para o rebanho. Seria ótimo que o Antonio Ermírio de Morais viesse participar e ter uma consciência social. A luta do movimento social é para isso também. Não vamos resolver nenhuma questão se elas não forem discutidas.
O artigo não está na íntegra, para quem quiser lê-lo por inteiro é só acessar o sítio da Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.uol.com.br onde foi publicado.

Secos & Molhados
Goebels na Folha-A Folha de São Paulo garante que a ordem para quebrar o sigilo bancário do caseiro partiu da presidência da Caixa e depois foi enviada via fax para o Ministério da Fazenda. Ela cita um membro da CPI, não identifica, mas lhe dá credibilidade para estampar na primeira página do jornal a manchete. Quando um juiz disse que o PSDB de Mato Grosso está envolvido com o crime organizado, uma informação muito mais crível, pois veio de um juiz federal, não virou manchete. Exaltar contra o governo e diminuir o que for a favor, essa é máxima da Folha de São Paulo.

Contraponto
O governador de São Paulo não pode afirmar que em São Paulo não há ladrões, afinal não passou pelo crivo das CPIs que estão paradas na Assembléia Legislativa. Ainda terá de explicar mais de 800 contratos que segundo o Tribunal de Contas do Estado foram feitos de forma irregular.

Boas Novas
Política industrial – Como parte da política industrial do governo LULA de incentivar a produção de equipamento da indústria petrolífera no Brasil, os fornecedores de equipamentos, componentes e serviços para indústria do petróleo estão otimistas e investindo na produção. Até 2010 a Petrobras planeja investir US$ 56,4 bilhões, sendo US$ 49,3 bilhões no Brasil. Para incentivar ainda mais a indústria brasileira, a Petrobrás está pagando antecipadamente até 70% do valor de uma encomenda. Com essa decisão tomada nesse governo, as indústrias se capitalizam, aumentando o investimento e o nível de emprego no país.

Frases
“A cura depende da reforma agrária, da distribuição de renda, da cultura, da educação, do fim do preconceito racial”.
Celso Athayde, que juntamente com o rapper MV Bill produziu documentário Falcão.

“A eleição de Lula, um presidente de esquerda que não apelou ao populismo macroeconômico, representou uma grande conquista institucional”.
Sergio Werlang – em artigo no jornal Valor Econômico de 20/03/2006.

“A CPI dos bingos ofende o Estado de Direito e deveria ser suspensa. Ela investiga tudo menos a finalidade pela qual foi criada. É uma ofensa e um atraso para a democracia”.
Pedro Estevan Serrano – Professor de Direito Constitucional da PUC – SP, no Valor Econômico de 21/03/2006.

“Travaremos guerras de guerrilhas, fustigaremos o adversário, não nas avenidas, mas nos becos, nas vielas, onde ele menos esperar”.
Eduardo Guimarães, sobre a luta contra a ditadura midiática


Poesia

· “QUEREMOS VOLTAR À TERRA, PISAR O CHÃO”
· Leonardo Boff*


· O desejo tem mil valências, é uma fonte que pode ser canalizada em mil direções. O desejo, como Eros, como energia vital, busca a unidade. Eu me recordo do mito grego mais ancestral: a noite casa com o caos e disso nasce o ovo cósmico. Do ovo cósmico nasce Eros, que traz a primeira divisão, as duas cascas do ovo, que são o céu e a terra. Eros une os dois e cria todo o tipo de diversidade, enche o universo de mil seres, mil paixões, mil cores e ao mesmo tempo é capaz de unir toda esse diversidade criando unidade.
· Eros, o desejo, é por isso algo divino, anterior ao céu e à terra. Eros remete a algo mais profundo, a que as religiões chamaram mistério, Deus, Alá, nirvana, não importa o nome. Não é sem razão que o cristianismo dá o nome de maior excelência a Deus, dizendo “Ele é amor”.(...).
· O estado amoroso é erupção da eternidade no tempo. Para os dois enamorados, não há passado e nem presente e nem futuro. Já os velhos gregos diziam que o amor é algo divino. Os cristãos diziam que não é algo divino, é Deus mesmo, que rompe.
· Se nós quisermos saber o que Deus é, ele acontece nas energias que se encontram na erupção vulcânica da paixão humana, no aflorar do amor humano. Se deus tem um nome, é isso, esse acontecimento é Deus. (...).
· O ser humano tem uma ancestralidade de milhões de anos. Dentro de nós está o fragor das galáxias que se chocaram, da explosão das estrelas novas que criaram todos os sóis, as galáxias do universo. Somos herdeiros de todo o frêmito da vida e do universo. Uma célula da minha mão contém o código genético de todo o mistério da vida. (...).
· No momento em que aparece, o poder trabalha a culpa como uma forma de controle do ser humano. Se o homem não se agarra a uma divindade ou aos representantes dessa divindade, no caso igrejas, sacramentos, ritos, ele está perdido. Então, cria uma enorme dependência de superegos castradoras que podem ser o pai ou a mãe e, fundamentalmente, a religião, que aterroriza as consciências. Há certas religiões e igrejas que precisam do pecado para poder viver. Porque, se desaparece o pecado, elas perdem sua função.(...). Está emergindo um sonho, o sonho da terra. Estamos cansados de holofotes, flores de plástico, ar refrigerado, o mundo de segunda e terceira mão. Queremos voltar à terra, pisar o chão, comer os nossos legumes naturais, sentir o vento e a chuva, descobrir que nós somos seres cósmicos, uma redescoberta da terra, uma nova esperança, uma nova aliança com a terra. (...).
· Tudo bem televisão, Internet. O problema é quando a nossa cultura diz: se você não tem isso, você não conta, você não é. O problema é só Internet, só televisão, só esse mundo de segunda e de terceira mão. (...). O desejo da burguesia é fazer do Brasil um país moderno, cheio de carros importados, cheio de vídeos, de novos televisores, cheio de uísque. Só que ao preço de uma enorme exclusão. Esses são os filhos dos escravocratas que sempre viram no pobre e no negro alguém que nem merece ganhar salário mínimo, porque sempre trabalharam de graça e são preguiçosos, carvão para ser consumido na máquina produtiva. (...).
· O carro importado é um fetiche, um sinal que diz: nós queremos nos inserir no mercado mundial, mesmo de uma forma subalterna, secundária. Este é um projeto que domina fatias importantes do poder, hoje, inclusive do governo**. Mas há um outro projeto, um outro desejo, que foi sempre negado, de milhões de brasileiros, que vem da grande tribulação, a quem se negou comida, trabalho, casa, terra, saúde e que sempre lutam e esperam. Aí há um desejo que nunca morre, mas sempre é frustrado e sempre ressuscita, de que o Brasil seja para todos e não só para alguns. (...).
Aqui convivem as raças todas com uma relativa harmonia, que se revela na forma como comemos. Nós não temos, digamos, discriminação de pele***. Há discriminação social, se é rico, se é pobre, mas a pele, não. O mulato é exaltado. Estamos antecipando aquilo que será o futuro da humanidade globalizada, que vence os seus limites culturais, geográficos e se dá conta que é uma espécie, a espécie humanidade.

*Leonardo Boff é teólogo e tem vários livros publicados
**Este texto foi publicado na segunda metade da década de 1990 e o governo que ele se refere é o do FHC
***Discordo do autor, que fez um belo texto, mas há discriminação racial no Brasil. O mito da democracia racial já foi superado