quinta-feira, dezembro 08, 2005
WALTER RODRIGUES –– COLUNÃO - Nº 203 - SÃO LUÍS (MA) 27/10/2002
Para avaliação dos leitores. Errei muito?
Lula e o candidato do Império
Serra anuncia oposição afinada com a política de Washington
Quase dois terços do eleitorado brasileiro, descontados os brancos e nulos, prefere Lula a Serra, segundo as últimas pesquisas. Lula já ganhou, e começa a governar em janeiro, tendo inicialmente na oposição, entre os partidos maiores, apenas o PFL e o PSDB. Mas isso é só no começo.
Hoje parece a muitos que Lula tem apoios demais. Bom que seja assim. Quanto mais ele atrai acionistas, menos valem as ações de cada um. Fora o PT, que partido pode atribuir-se o mérito da eleição do novo presidente? Nem mesmo Garotinho e Ciro lhe deram tanto quanto seria de esperar-se. A julgar pelas pesquisas, o eleitorado desses dois candidatos dividiu-se mais ou menos por igual no segundo turno.
Amanhã, quando Lula estiver governando para as maiorias, forçando a barra da distribuição da renda e da autodeterminação nacional, a questão será bem outra. O que agora lhe sobra, talvez lhe falte. Lula terá que manter uma base social suficientemente ampla para assegurar-lhe um êxito que muitos haverão de querer sabotar.
Lula é o primeiro presidente socialista eleito no Brasil. Seus parentes mais próximos ainda seriam os trabalhistas Getúlio Vargas e João Goulart, que não concluíram seus mandatos. Na América do Sul, avulta o precedente do Chile, onde a experiência mais fascinante e generosa de governo popular terminou esmagada pela aliança dos Estados Unidos com a burguesia e os militares locais. Fidel Castro é um caso à parte: não tem nada a ver com o que acontece no Brasil, salvo a inspiração comum dos insubmissos. O Brasil não quer ditadura de esquerda. Quer mais democracia, mais ampla e mais profunda.
Não é o caso de também de equiparar Lula ao chileno Salvador Allende, que acreditava numa transição pacífica do capitalismo para um socialismo coletivista que pouca gente ainda deseja. Mas o que ocorreu no Chile e hoje ocorre na Venezuela, somado a tantas experiências malogradas no Brasil e seus vizinhos continentais, grita uma advertência imperiosa.
Nenhum partido de esquerda realizará sua missão civilizatória sem sofrer implacável oposição interna e externa, sobretudo nas nefastas condições da era Bush. Para derrotá-las, não basta o “apoio popular” –– tão incerto e inconstante. É preciso “ampliar a base”, base real, não apenas a eleitoral, que esta em grande parte é produto de circunstâncias transitórias e até fugazes. Fazer com que o projeto popular coincida a cada instante com um projeto nacional capaz de empolgar não apenas os pobres, mas também uma parcela decisiva da classe média, do Parlamento, do Judiciário, da Imprensa e das Forças Armadas, entre outras instituições, não necessariamente nessa ordem.
A oposição ao governo socialista afinou seus instrumentos, já neste segundo turno eleitoral, não para tentar ganhá-lo, coisa impossível, mas para deitar suas âncoras no futuro.
Num dia, José Serra desqualificou o MercoSul, vale dizer, preconizou a adesão à Alca, basicamente nas condições desejadas por Washington. Noutro, declarou que “não vê nada de errado” no acordo neocolonial para uso da Base de Alcântara (MA) pelos EUA. Mais adiante, atacou o governo Chávez, vítima de sucessivas tentativas golpistas e de feroz propaganda adversa –– inclusive na imprensa brasileira. Já não era o ministro que se orgulhava de haver derrotado os gringos na disputa internacional sobre as patentes dos remédios. Era já o candidato do império.
Terá sido coincidência que a propaganda serrista acusasse o PT de querer “mudar a bandeira do Brasil”, de verde-e-amerelo para vermelho, no mesmo instante em que o prestigioso Financial Times reproduzia com destaque a cafajestagem de um ex-assessor do governo Reagan, de que Lula “protege terroristas”?
Para enfrentar uma oposição que assim se estrutura, é preciso bem mais que multidões entoando o hino nacional. É preciso associar coragem a sabedoria, coerência e diálogo, passo firme e olhar cauteloso. Dois passos à frente, um passo atrás, quando necessário. Sem sectarismo e sem medo de ser feliz. Devagar e sempre.
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