sexta-feira, dezembro 30, 2005


NATAL TUCANO

Por debaixo de um dos cartões postais da maior cidade da América do Sul e uma das mais ricas do hemisfério, em pleno século XXI, se constrói uma rampa anti-gente. Como se a história nada tivesse ensinado, a arquitetura mais uma vez é usada para segregar, acentuar as distâncias e punir as diferenças. Concreto e ferro servem para impedir o acesso de pessoas a um espaço público, materiais construtivos que deveriam erguer progresso real para todos, se transformam em matéria prima de opressão e são usados, de novo, para levantar muros e dividir populações como já o foram para construir pelourinhos, senzalas e campos de concentração. Ao interromper o acesso com uma enorme rampa de textura agressiva, nega-se aos que não têm um lugar para morar a proteção deste falso teto, e a cidade se torna um lugar mais hostil. Por debaixo da Avenida Paulista, com seus bancos e executivos, comércio e senhoras que vão às compras, se está sufocando a possibilidade da cidade vir a ser verdadeiramente pública e democrática. Aqui, ao contrário do desenvolvimento que a região diz querer, os relógios do progresso histórico e social andam para trás. A rampa anti-gente é um território que simboliza a exclusão social que vem ocorrendo sistematicamente no centro da cidade de São Paulo. Pelo seu parentesco com construções que serviram a vergonhosos períodos da história humana não a queremos aqui! São Paulo se enfeita com luzes, árvores de neve artificial e reis magos em peregrinação e por causa disto todos se sentem mais alegres, é o espírito natalino. Papai Noel já esteve por debaixo da Paulista com suas renas e seu saco de presentes, a rampa anti-gente, é um dos brindes dados pelo bom velinho para todos aqueles que almejam viver na cidade da exclusão. Contrariando este magro e antipático Papai Noel, vamos dar o nosso próprio nó no laço de fita do presente e trocar o cartão natalino por um outro que diz: "Queremos para São Paulo um futuro em que se construa para aproximar e incluir, em que se reinventem as formas de governar e se suprimam as arquiteturas de exclusão." A administração da cidade que ilumina as ruas para alegrar o natal dos consumidores é a mesma que constrói a rampa anti-gente, expulsa as famílias de baixa renda de prédios ocupados no centro e persegue quem trabalha nas ruas. Como miséria não combina com espírito de natal, esses administradores mandam tirar, violenta e arbitrariamente, na calada da noite, as famílias que por falta de alternativas dignas vêm morar no túnel. Por isto vamos fazer nossa ceia de natal na rampa, vamos ocupar um espaço que foi feito para afastar gente e dividir, mudar a cara dos quadros modernistas que simbolizam o autoritarismo visual, arquitetônico e social que quer se implantar na cidade! Depois de dois anos de imagens conservadoras e propagandistas de um projeto que procura se fincar no passado, de ver surgir um medonho monumento à exclusão social, queremos que o túnel que dá acesso à Avenida Paulista seja um campo de expressão e não de concentração!

São Paulo, 17 de dezembro de 2005.

Comitê Natal na Rampa

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