sábado, dezembro 10, 2005
DESMORALIZADO
Luís Nassif desqualifica relatório de ACM Neto e aponta manipulação
Da redação
Cláudio Gonzalez
O economista Luís Nassif, que mantém uma coluna no jornal Folha de S. Paulo e colabora, como jornalista econômico, com vários outros órgãos de imprensa, publicou ontem (/12), na Folha, um artigo em que desanca o relatório que o deputado federal Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) apresentou à CPI dos Correios apontando supostas irregularidades e prejuízos que chegariam a R$ 730 milhões em operações de mercado realizadas por diversos fundos de pensão ligados a empresas estatais.Várias lideranças políticas, economistas que entendem do assunto e a quase unanimidade dos dirigentes de fundos de pensão já haviam criticado o relatório de ACM Neto acusando-o de parcial e falaccioso.Nassif foi ainda mais enfático e qualificou a “peça” preparada por ACM Neto de “fake” (falso, em inglês). Segundo o economista “o relatório divulgado pelo deputado Neto é vergonhoso como rascunho, mais ainda como documento oficial -ainda que travestido nessa falsa capa de sigiloso”. “Há limites para a manipulação”, indigna-se Nassif.Segundo o colunista da Folha, o relatório exorbita por escolher, por critérios políticos ou por pressão de grupos interessados na denúncia, quais as instituições que teriam seus nomes revelados. Nassif não cita, mas uma das instituições que ACM Neto fez questão de esconder em seu relatório é a corretora Link, dos filhos do ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Nassif também critica o fato de não ter sido revelada a metodologia adotada para estimar os supostos prejuízos divulgados no relatório. “Pior: há informações de que o trabalho utilizou apenas uma das pernas de operações de hedge”, diz Nassif, explicando que em algumas operações financeiras comuns no mercado de ações os prejuízos são compensados por ganhos em investimentos paralelos e neste sentido os números apontados por ACM Neto revelam uma manipulação grosseira: “O que o relatório fez provavelmente foi somar todas as colunas de prejuízo e não computar os ganhos.”
Fundos vão à Justiça contra CPI
Na quinta-feira (8), representantes dos fundos de pensão citados no relatório da CPI dos Correios reuniram-se na Valia, fundo dos empregados da Companhia Vale do Rio Doce, debatendo alternativas jurídicas para contestar as informações divulgadas por ACM Neto.
"A CPMI dos Correios e principalmente o deputado ACM Neto estão agindo assim: eu estou desconfiado, falo para todo mundo, sai na imprensa e aí faz a investigação, vê que não é nada, não fala mais, não pede desculpas. Os fundos de pensão foram jogados num mar de lama, com esse relatório com pouco critério técnico, parcial, sem ouvir os fundos, sem direito de defesa", reclamou o presidente da Petros, Wagner Pinheiro.
Pinheiro disse ainda que vai mandaria carta à CPI pedindo explicações, para que o fundo possa se defender. "Com todo o respeito, vamos pedir explicações sobre como o relatório foi feito, critérios usados, o que são esses números. O que é muito inusitado: eu ter de pedir a um órgão fiscalizador o direito de saber o que está fazendo, para que eu possa me defender". Ele e Sérgio Rosa, presidente da Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, consideraram um "desrespeito" a divulgação antecipada do relatório.
Os fundos informaram em nota que seus dirigentes visitarão os presidentes da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP). Eles pedirão à CPI informações detalhadas sobre o relatório de ACM Neto e contratarão "consultorias técnica e jurídica" para analisá-lo.
Veja abaixo a íntegra do artigo de Nassif:
Um relatório "fake"
O relatório da CPI dos Correios sobre os fundos de pensão -divulgado pelo deputado federal ACM Neto (PFL-BA)- é mais um "fake" nessa longa lista de manipulações que vem corroendo a Comissão Parlamentar de Inquérito e a cobertura. É como os dólares de Cuba, episódio do qual o único elemento cubano foi uma garrafa de bebida recebida pelo emérito "mula" Vladimir Poleto.
Se há um terreno propício a falcatruas, é o da negociação de títulos e valores mobiliários em mercados futuros. São enormes quantias, nas quais a diferença de centavos pode significar milhões. Além disso, há a prática disseminada de operações de balcão (feitas entre duas instituições, sem passar pelos sistemas informatizados), que comportam toda sorte de manipulação.
Mesmo assim, o relatório divulgado pelo deputado Neto é vergonhoso como rascunho, mais ainda como documento oficial -ainda que travestido nessa falsa capa de sigiloso. Há limites para a manipulação.
Nem se pretenda estar tratando com vestais. Com todos os avanços ocorridos nos últimos anos, esse terreno ainda é pantanoso. Mas o relatório exorbita. Primeiro, por escolher as instituições beneficiárias que tiveram seus nomes divulgados. Há uma folha sobre as "perdas incorridas pelas EPPCs em operações na BM&F [Bolsa de Mercadorias & Futuros]". É a tal planilha que chega aos prejuízos globais de R$ 729 milhões. Nas três operações de maior vulto, não aparecem nomes de instituições, apenas números. Mas se selecionam oito, que são contempladas com a divulgação dos nomes. Qual o critério? Quem é que negociou a divulgação dos nomes? Se é algo que afeta a imagem e se a imagem tem valor, o que tiveram que fazer as instituições para não ter seu nome relevado?
Outro ponto básico é que simplesmente não se revela a metodologia adotada para estimar os prejuízos. Pior: há informações de que o trabalho utilizou apenas uma das pernas de operações de hedge.
O que são essas operações? Suponha um fundo que tenha uma carteira de ações, julgue que o mercado está em um patamar elevado, não quer se desfazer de suas ações, mas quer se proteger contra eventuais quedas. Essas operações são articuladas de tal maneira que, ocorra o que ocorrer, ele ganhará a taxa CDI do período.
Ele vai à BM&F, que tem um mercado de índice futuro de Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) e vende uma quantidade de contratos, correspondente à sua carteira. Suponha que a Bolsa suba 10%. No mercado futuro, ele registrará uma perda de 10%; mas, na sua carteira de ações, registrará um ganho de 10% mais o CDI do período.
Se se for analisar cada operação individualmente, em uma haverá prejuízo; na outra, ganho. Se a Bolsa de Valores cair, vai ocorrer o inverso, mas seguindo a mesma lógica: em uma mão ele registra ganho, na outra, ele registra prejuízo. O que o relatório fez provavelmente foi somar todas as colunas de prejuízo e não computar os ganhos.
Repito: há todo um universo de operações a serem investigadas com os fundos, especialmente as de balcão. Mas o relatório do emérito deputado ACM Neto é mais uma peça falsa nesse jogo.
VERMELHO
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