terça-feira, dezembro 27, 2005




Programas sociais incitam boicote da oposição, diz relator do Orçamento

Deputado Carlito Merss (PT-SC), relator geral do Orçamento 2006, não alimenta mais ilusões quanto à aprovação imediata do texto, como pretendia até duas semanas atrás. Para ele, cenário de mudanças, com Pronaf e Bolsa Família, é a razão dos ataques ao governo pelos setores mais conservadores do país.
por Luiz Augusto Gollo - Agência Carta MaiorO relator geral do Orçamento 2006, deputado Carlito Merss (PT-SC), não alimenta mais ilusões quanto à sua aprovação imediata, como pretendia, até duas semanas atrás. Ele participou nos últimos anos do esforço do Congresso Nacional para que o país tivesse o orçamento definido na virada do ano, o que pode não ter tido importância do ponto de vista administrativo, mas sinalizou ao país a preocupação de senadores e deputados com a principal peça de trabalho do Executivo para cada ano que começa. Agora, às vésperas do Ano Novo, Carlito Merss admite que não adianta correr porque mesmo que a comissão vote antes do 31, o orçamento irá ao Congresso somente depois do dia 16 de janeiro, quando começa a convocação extraordinária do presidente Renan Calheiros (PMDB-AL). O momento psicológico foi, assim, descartado sem justificativa, mas isso não diminui a relevância de uma novidade anunciada pelo relator geral: "Eu estou tentando incluir no orçamento 2006 mais R$ 3,5 bilhões para que todos os servidores públicos possam chegar ao final do primeiro governo Lula com pelo menos 29% de reajuste. Civis, militares, todos os servidores públicos federais. Eu tenho, por enquanto, R$ 1,5 bi, e preciso de mais R$ 3,5 bi para atender a essa demanda, que é justa”. Acostumado às discussões orçamentárias na comissão desde 1999, quando chegou à Câmara dos Deputados, o hoje relator geral está à vontade na condução dos trabalhos, apesar das ameaças oposicionistas. “Não acredito que a oposição não vá votar o orçamento, porque ela mesma acaba prejudicada”, adverte. Este raciocínio vale também para os créditos suplementares do orçamento 2005 aprovados na convocação extraordinária, graças a um artifício do governo denunciado sem muita convicção na semana passada. Inicialmente não se incluiu o orçamento na pauta da convocação, o que possibilitou a votação dos créditos na Comissão Representativa, integrada por 17 deputados e oito senadores, em vez dos 513 deputados e 81 senadores do plenário do Congresso Nacional. “Nós já tínhamos discutido amplamente mais de 40 créditos na Comissão de Orçamento. Não tem essa conversa: ‘ah, ninguém sabia’. Mentira, teve crédito aqui sete meses parado, os ministérios quase se inviabilizando, porque a oposição, durante a crise, travou tudo aqui no Congresso. Então, o discurso que eu ouvi nos últimos dias lá na comissão não tem nada a ver, diversos desses créditos os relatores são do PFL e do PSDB, inclusive”, explica o relator, sem esconder a irritação. Os créditos resultam de alterações promovidas ao longo do ano no orçamento aprovado para os ministérios, conforme a necessidade. “O ministério tira daqui e põe ali, às vezes uma obra não está andando tão rápido e você coloca em outra”, Carlito Merss esclarece. “Se você somar, não deve ter dado 50 créditos durante o ano; é pouquíssimo, e muitas vezes são coisas pedidas, e o governo manda esses créditos suplementares para fazer modificações internas apenas. Não cria receita nem despesa, é só mudança interna. Mas até nisso eles pegaram este ano para fazer a luta política. Quase inviabilizaram algumas ações de ministérios, pelo menos de agosto para cá”. “Lei São Paulo”
“O negócio da oposição é não deixar o governo governar, mas uma das coisas que os opositores querem é a tal da Lei Kandir, e se não tiver orçamento não tem Lei Kandir, não tem nada...esse é que é o problema”, afirma Carlito Merss. “A Lei Kandir foi uma invenção do Fernando Henrique, que disse assim: ‘Olha, queremos criar uma lei para valorizar os Estados exportadores, incentivar os Estados exportadores’. É o que eu chamo de Lei São Paulo, porque 31% do valor total vai pra São Paulo. É uma lei que já perdeu sua razão de ser, o governo tem a proposta de criação de um fundo de auxílio e apoio à exportação com a qual todos concordam, menos São Paulo”. Ele reclama que “não dá para todo ano o relator do orçamento ficar com essa conta, esse problema insolúvel. A lei isenta as exportações de ICMS e os estados querem a compensação da União. O Fernando Henrique nunca cumpriu, sempre repassou muito pouco, dois bi, três bi do total de prejuízos de arrecadação dos Estados e dos municípios, que têm direito a 25%. Este ano o governo está repassando R$ 5,2 bilhões, o maior repasse da história desta lei aí, e os caras ficam resmungando. É a mesma coisa com a Cide: os governadores gastam como querem a parcela deles e ainda batem no governo. Ninguém cumpre a lei, e o governo Lula cumpre e ainda apanha por isso. É uma manipulação aberta”. O relator geral do orçamento espera aprovar na comissão os relatórios setoriais antes do fim do ano, com as prováveis exceções: “O presidente do Congresso, Renan Calheiros, já fez o adendo incluindo na pauta da convocação extraordinária a questão do orçamento, e o presidente da comissão, Gilberto Mestrinho, paralelamente a isto, convocou a comissão para votar os relatórios setoriais. Eu acredito que a gente vá ter seis ou sete relatórios setoriais para votar nesta última semana do ano. Agricultura, Educação, Cidades, Poderes, Justiça, Trabalho e Integração Nacional. As dificuldades maiores, como sempre, são Saúde e Infra-estrutura, mais polêmicos, que têm mais emendas”. As 10 relatorias setoriais da Comissão Mista do Orçamento são as seguintes, por áreas temáticas e com os respectivos relatores entre parênteses: Poderes do Estado e Representação (senadora Lúcia Vânia, PMDB-GO), Justiça e Defesa (deputado Amauri Gasques, PL-SP), Fazenda, Desenvolvimento e Turismo (deputado Anivaldo Vale, PSDB-PA), Agricultura e Desenvolvimento Agrário (senador Romero Jucá, PMDB-RR), Infra-estrutura (deputado José Priante, PMDB-PA), Educação, cultura, Ciência e Tecnologia e Esporte (deputado Wasny de Roure, PT-DF), Saúde (deputado Cláudio Cajado, PFL-BA), Trabalho, Previdência e Assistência Social (senador João Ribeiro, PL-TO), Integração Nacional e Meio Ambiente (deputado José Chaves, PTB-PE) e Planejamento e Desenvolvimento Urbano (deputado Nelson Meurer, PP-PR). Pior já passou
Carlito Merss não gosta de misturar questões econômicas do orçamento com as da política partidária, mas considera que a campanha eleitoral está nas ruas “e isto é sensível em tudo o que conversamos aqui”. Ele esteve com pessoas da Executiva Nacional do partido, depois do jantar de Natal, em Brasília, e elas foram unânimes em dizer que o presidente Lula deve ser candidato à reeleição. “Mas ele tem uma certa razão em resistir”, avalia. Se você não tiver uma base um pouco melhor, vai ser difícil, porque nós já vimos que é muito difícil governar com essa base que nós temos aí”. “Tudo bem, nós passamos o mais difícil, o risco Brasil está praticamente em 300 pontos, o dólar num patamar que nos deu um recorde na balança comercial, graças à política de exportação agressiva”, ele ressalta..”Vamos pagar adiantado ao FMI...sabe o que é em três anos você se livrar da agiotagem internacional? Vamos destinar R$ 20 bilhões só para investimentos no orçamento de 2006, o que é pouco, mas é muito mais do que nos últimos 20 anos”. Este cenário de mudanças, na opinião do relator geral do orçamento, é a verdadeira razão dos ataques ao governo federal pelos setores mais conservadores, em todo o país. “Não é fácil ter oito bilhões para atender 11 milhões de família de miseráveis, que eu espero que não sejam tantos, eu duvido dessas estatísticas do IBGE, sabe por quê? Porque elas não são feitas pelo IBGE, elas são feitas pelas prefeituras, lá embaixo, e infelizmente há uma indústria da miséria no país. Esses ‘coronéis’ locais estão desesperados com o Bolsa-Família, porque as pessoas começam a ter dignidade, ganham um cartão magnético e não dependem mais do vereadorzinho do PFL, do PSDB, dos ‘coronéis’ do interior. Isso incomoda”. Outro motivo de preocupação dos oposicionistas é a agricultura familiar, segundo Carlito Merss: “Quando a gente coloca no orçamento nove bi para o Pronaf, também incomoda. O pequeno agricultor vê a cor do dinheiro público, para pode plantar comida, porque ele produz comida, não é para exportação, não é agronegócio. O agribusiness se transformou numa indústria toda mecanizada, e o governo está fazendo o contrário, banca um programa chamado biodiesel, que vai garantir a dignidade numa região difícil, que é o semi-árido, onde o cara vai plantar mamona, girassol, e vai ter dignidade, vai ser um pequeno agricultor com a produção praticamente garantida, porque o que ele produzir vai virar combustível”. Erro primário
A maior prova desse incômodo generalizado na direita, ele relembra, foi a manchete da Folha de S. Paulo: ‘Lula empobrece os ricos’, a propósito de mais uma pesquisa Datafolha. “Um negócio deprimente, é tentar desqualificar”, condena o deputado, ampliando o horizonte de seu raciocínio: “O que se aproveitou nesses sete meses? Foi o erro gravíssimo do PT. Eu acredito que 99% dos membros do partido, da direção, não sabiam o que estava acontecendo. Pelo amor de Deus, isso é uma das coisas mais primárias, mais imbecis, que eu já vi na vida: você trazer a tecnologia dos tucanos – porque a tecnologia é principalmente do PSDB – e trazer o operador dos tucanos, que é o Marcos Valério. É muita incompetência! E a oposição pega isso e mistura com o país, porque não quer enxergar”. “Por que nós aprovamos na LDO do ano passado um crescimento de 3,5% somente para 2005?”, ele pergunta, e imediatamente responde: “Porque nós sabíamos que aquele boom de 2004 não se repetiria, não temos infra-estrutura para suportar um crescimento desses. Todo mundo viu o desespero que deu no final de 2004 nos nossos portos, nas estradas, nos aeroportos. Este ano chegamos a 3% de crescimento apesar de todos os problemas, da febre aftosa, da estiagem e das enchentes”. Carlito Merss diz que apesar das deturpações criadas pela oposição, o país sente que o governo está no rumo certo. “Num Estado desmontado como o Brasil que o presidente Lula recebeu, o que ele está fazendo? Está, por exemplo, reestruturando o papel das agências reguladoras. No governo Fernando Henrique Cardoso elas se transformaram num agrupamento de gerentes, de capatazes dos interesses das empresas que compraram as estatais. Eu não quero uma agência pra isso, eu quero uma agência onde eu possa falar com alguém e brigar pela tarifa do meu telefone, que defenda o meu interesse, o interesse do consumidor. Agora, se eu tenho lá um gerente da empresa na agência, eu não consigo nada. Essas mudanças também estão incomodando as elites”. Da mesma forma, na sua opinião, é preciso rever o papel do Sistema S. “O Senai virou uma escola particular, que cobra R$ 250, R$ 300 de mensalidade. Qual trabalhador pode manter o filho lá? E o presidente Lula é fruto do Senai, se não fosse o Senai ele não chegaria à presidência da República”. Carlito garante que o governo vem recuperando as escolas técnicas, executa o projeto de transformação dos centros de educação técnica em universidades, um terceiro grau técnico. “Isso estava tudo abandonado, assim como as universidades, nos oito anos do Fernando Henrique. A universidade federal estava destruída, e nós estamos recuperando os planos de cargos e salários. O Ministério do Planejamento faz um trabalho de recuperar categoria por categoria, porque houve carreiras ‘típicas de Estado’, segundo o governo Fernando Henrique, que tiveram aumentos de 400%, 500%, enquanto o pessoal da saúde, da educação, da assistência social, foi massacrado por oito anos”.
Fonte: Agência Carta Maior

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