domingo, dezembro 11, 2005



Fortalecido, Mercosul quer independência energética e integração política

Com a entrada da Venezuela no Mercosul, população do bloco chega a 252 milhões de pessoas, quase 70% da população da América do Sul. Economia da região movimenta agora cerca de 100 bilhões de dólares, constituindo-se na maior fonte de energia do continente americano.
> Parlamento do Mercosul em 2006
Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior 09/12/2005

Porto Alegre - Os presidentes dos países que integram o Mercosul – Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – aprovaram nesta sexta-feira (9) o ingresso da Venezuela como membro pleno do bloco. Por enquanto, a Venezuela não terá o mesmo status que os quatro países fundadores do bloco em 1991. Tecnicamente é um “membro em processo de adesão”, o que significa, na prática, que terá voz mas não voto nas tomadas de decisões. Para tornar-se um membro pleno efetivo, o país terá que cumprir uma série de passos para se adequar ao estatuto legal e comercial que rege a união aduaneira. Entre os temas a resolver destaca-se a relação da Venezuela com a Comunidade Andina de Nações (CAN) – integrada por Bolívia, Equador, Peru, Colômbia e a própria Venezuela -, que possui um Acordo Externo Comum diferente daquele adotado pelo Mercosul.

Com 26 milhões de habitantes, a Venezuela levará a população total do Mercosul a cerca de 252 milhões de pessoas, quase 70% do total da população da América do Sul (362 milhões de habitantes). E a economia do bloco movimenta agora cerca de 100 bilhões de dólares, constituindo-se na maior fonte de energia do continente americano.

O presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, abriu a 29ª reunião de cúpula do Mercosul defendendo o fortalecimento e a ampliação do bloco. “Os assuntos do Mercosul são de seus quatro sócios e oxalá possam ser de cinco, seis ou sete sócios. Em torno desta mesa pode haver acordos ou desacordos; o que não pode haver é a falta de diálogo ou o diálogo de surdos”, afirmou. Vázquez, que passou a presidência do Mercosul para o presidente argentino Nestor Kirchner, avaliou positivamente os avanços obtidos no reconhecimento das assimetrias econômicas existentes entre os países do bloco, na adoção de medidas para superá-las e na formação do Parlamento regional. Além disso, destacou a aprovação da convergência estrutural do bloco, através da qual os países mais fortes economicamente (Brasil e Argentina) devem trabalhar para evitar diferenças com as economias mais frágeis (Uruguai e Paraguai).

Independência energética
O ingresso da Venezuela também foi saudado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que destacou a importância estratégica do fato. “É um país que tem perspectivas enormes de parceria na questão energética”, resumiu. Para o presidente brasileiro, será um ganho a entrada no Mercosul de outros países que colaborem para solucionar o problema das diferenças econômicas entre os países da América do Sul. “Eu digo todo santo dia que o século 19 foi o século da Europa, o século 20 foi dos Estados Unidos e cabe a nós da América do Sul fazer com que o século 21 seja da América do Sul”, afirmou ainda o presidente brasileiro. Uma das principais conseqüências do ingresso da Venezuela é a possibilidade de constituição de um novo eixo energético no continente. Lula destacou os estudos de viabilidade para a implantação de um gasoduto, a partir da Venezuela, que chegaria ao Brasil e à Argentina. Essa obra pode garantir a independência energética da região.

O presidente da Argentina, Nestor Kirchner, foi outro a saudar com entusiasmo a aproximação com a Venezuela, destacando que o Mercosul está conseguindo impor uma nova agenda hemisférica. “Esta nova ação pode ser considerada uma consolidação de uma Comunidade Americana de Nações”, afirmou, lembrando a recente reunião de cúpula das Américas realizada em Mar de Plata. “Há poucos dias fomos protagonistas de uma exitosa reunião em Mar del Plata, na qual se decidiu uma nova agenda hemisférica. Sem imposição, estamos instalando essa agenda”. Kirchner fez referência aos críticos desse processo de integração que pretende ser uma alternativa à proposta de criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), defendida pelos EUA. “Algumas visões atravessadas tentam debilitar nossa integração, buscando impor uma interpretação dos fatos alheia à verdade. O Mercosul, para além das ideologias, é sinal da existência da pluralidade”, defendeu.

Chávez defende integração política
Em seu discurso, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, agradeceu o apoio de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai para o ingresso do país no Mercosul e defendeu a necessidade de avançar na direção de uma integração política. Chávez referiu-se aos críticos que disseram que ele pretendia politizar o Mercosul, dizendo que isso pode e deve ocorrer. “O Mercosul não pode ser um projeto inteiramente econômico, mas político, para que seja verdadeiramente do povo, um projeto coletivo”, disse. A melhor forma que a Venezuela tem de contribuir com o bloco, acrescentou, é ajudando no fornecimento de petróleo e gás. Para Chávez, o ingresso de seu país no bloco sul-americano não deve atrapalhar a relação da Venezuela com os demais países da Comunidade Andina. Todos os mecanismos do continente devem se relacionar entre si, defendeu. Além da integração política, Chávez sustentou que as questões sociais devem ser a prioridade do bloco e que os níveis de pobreza não devem ser vistos como problemas isolados de cada país.

Seguindo nesta mesma direção, o presidente Lula disse que a melhor forma de os países do bloco competirem com as nações ricas é unindo-se em torno do projeto do Mercosul. “Mais do que nunca, estou convencido de que não há saída individual para nossos países. Quanto mais forte estiver o Uruguai, quanto mais forte estiver a Argentina, o Paraguai, a Venezuela, mais forte estará o Brasil e vice-versa. Para isso não basta caminharmos lado a lado, temos que caminhar juntos e com o mesmo destino”, defendeu. Lula destacou a importância da criação do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, que, a partir de 2006, vai financiar projetos com o objetivo de reduzir as assimetrias econômicas entre os países do bloco. Da mesma forma, enfatizou o avanço na direção de uma integração política com a instalação do Parlamento do Mercosul, prevista para dezembro de 2006.

Energia e política
O avanço no processo de integração política está diretamente associado à questão energética. Lula, Kirchner e Chávez assinaram em Montevidéu um acordo de interconexão gasífera que pretende unir os três países através de um gasoduto de 6 mil quilômetros. Em um rápido encontro, os três presidentes assinaram um Memorando de Entendimento em Matéria de Interconexão Gasífera, a Declaração de Montevidéu sobre Integração Gasífera Sulamericana e um acordo bilateral entre Argentina e Brasil em matéria energética. Nestes acordos, os três países reafirmaram a convicção “na realização do projeto de integração gasífera sulamericana como um dos passos decisivos da integração, dada a importância vital da energia no desenvolvimento econômico e social da região”. Eles também convidaram aos demais países do Mercosul e da América do Sul a somar-se a esta iniciativa “no marco da Petrosul”, uma empresa petrolífera continental.
O objetivo mais ambicioso desses acordos de cooperação é obter a independência energética da região, uma condição fundamental para uma maior independência política e econômica. Os críticos do ingresso da Venezuela resumem sua argumentação à rejeição das posições políticas de Chávez, especialmente sua posição frontalmente contrária à proposta da ALCA. Essa proposta, aliás, parece cada vez mais distante de tornar-se algo real. Consciente disso, o governo norte-americano está apostando em acordos bilaterais de comércio com o Chile e com os países da Comunidade Andina. A cúpula de Montevidéu fortaleceu o Mercosul que resta, porém, uma tarefa com inúmeros desafios pela frente. A arquitetura do bloco ainda está em construção, com diversas arestas a serem aparadas. Mas o aporte energético da Venezuela pode contribuir para superar algumas assimetrias regionais, dando mais força à proposta de fazer do Mercosul o embrião de uma Comunidade Sulamericana de Nações.

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