terça-feira, outubro 11, 2005

A seita religiosa de Alckmin

Livro de ex-membros da Opus Dei revela métodos medievais da instituição católica


Por Oscar Pilagallo*


Em O código Da Vinci, Dan Brown pode ter carregado um pouco nas tintas ao descrever, numa das várias cutucadas que dá na Igreja Católica, os métodos do Opus Dei. O quadro que emerge da ficção, porém, tem nítida correspondência com o mundo real, ao contrário das passagens em que se verificaram “erros” factuais.


A relação pode ser estabelecida a partir da leitura de Opus Dei – os bastidores, que chega às livrarias nesta semana. O livro foi escrito por três brasileiros que, depois de atingirem o auge da carreira dentro da instituição, decidiram dela se afastar, mantendo-se entretanto no campo da fé cristã.


É dessa perspectiva que alertam pais e jovens para os perigos da lavagem cerebral a que os membros do Opus Dei são submetidos [N.R.- entre eles, o governador tucano do estado de São Paulo Geraldo Alckmin]. Desde a infância, os candidatos a desenvolver a “vocação” são expostos a um discurso que pouco difere dos ensinamentos católicos e só mais tarde, depois de cooptados, percebem o universo medieval em que mergulharam.


Um dos autores, Marcio Fernandes da Silva, que dos 10 aos 18 anos de idade esteve associado ao Opus Dei, conta o que aconteceu ao ser admitido: “Ganhei o meu kit de autoflagelação”. O humor da formulação não atenua o relato estarrecedor. Os meninos recebem de um superior instrumentos como o “cilício”. Trata-se de “um cordão com pontas de ferro usado por debaixo da roupa, sobre uma das coxas, durante algumas horas por dia, como mortificação corporal obrigatória”. Isso não é tudo. Há também as “disciplinas”, uma espécie de chicote de cordas usado uma vez por semana numa sessão de autoflagelo.


O Opus Dei é uma prelazia pessoal, figura jurídica prevista no Código de Direito Canônico. Tem mais do que o respaldo da Igreja Católica. Josemaría Escrivá, que fundou a instituição em 1928, foi canonizado pelo papa João Paulo II em 2002, quase trinta anos após sua morte. Foi uma decisão polêmica. Afinal, Escrivá, um religioso espanhol, tinha boas relações com a ditadura franquista, da qual se aproveitou para infiltrar simpatizantes no aparelho do Estado, a ponto de o Ministério da Educação da Espanha ter sido apelidado de “Monastério da Educação”.


As descrições em Os bastidores fazem lembrar uma seita da extrema-direita. Os membros são classificados como numerários e supernumerários, o que soa enigmático para os não-iniciados. Os numerários são a elite da instituição, em geral moram em casas do Opus Dei, observam o celibato, fazem votos de pobreza e devem obediência irrestrita aos superiores. Os supernumerários moram em suas próprias casas. Constituem família e têm patrimônio. Os filhos são orientados a se tornar membros da prelazia e o dinheiro é em parte canalizado para a instituição.


O Opus Dei chegou ao Brasil no final dos anos 50 e, desde então, criou uma teia que aos poucos vai se espalhando pela sociedade. A instituição mantém uma escola em São Paulo, que serve de celeiro de “vocações”, e uma editora, responsável pela publicação de livros afinados com as idéias de Escrivá.


A instituição não resiste ao mais superficial confronto entre seu discurso e sua prática. Enquanto porta-vozes da Opus Dei escrevem na grande imprensa a favor da liberdade de expressão, os membros são obrigados a aceitar um rigoroso e elaborado sistema de censura.


O índex é algo tão anacrônico que não parece crível. Os livros recebem uma qualificação numerada de um a seis, como acontecia com os filmes na Espanha nos tempos do general Franco. No primeiro nível estão as obras sem inconvenientes, que podem ser lidas por todos. No nível dois, ficam os livros que requerem “boa formação doutrinal” do leitor. No três, estão os livros inconvenientes, que requerem “espírito crítico” (para se ter uma idéia, entre esses livros está O alienista, de Machado de Assis). Nos níveis quatro e cinco estão, respectivamente, aquelas obras que o leitor precisa de um motivo forte para ler e as proibidas internamente. No último nível, estão os livros sujeitos a “proibição moral geral”. Estão aí não apenas os romances do ateu José Saramago, mas também a obra de Descartes.

Não sei se eles pensam, mas existem.


*Oscar Pilagallo é editor da Revista EntreLivros

Título: Opus Dei – os bastidores
Autores: Dario Fortes Ferreira, Jean Lauand e Marcio Fernandes da Silva
Editora Versus (230 págs.)
R$ 29,90

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