quarta-feira, outubro 12, 2005

A sabedoria de Hugo Chávez no Roda Viva




Por Izaías Almada

"Tenho pena de ver um jovem jornalista como o senhor ir buscar os seus argumentos na lata do lixo (da história), como faz boa parte da imprensa venezuelana”. Desta forma, entre muitas, Hugo Chavez não se curvou diante da prepotência, despreparo e subserviência de parte do jornalismo brasileiro.


Argumentos tirados da lata do lixo...

A frase acima foi usada pelo presidente Hugo Chávez como parte de uma resposta dada a um jornalista de O Estado de São Paulo no programa Roda Viva da segunda-feira, 3 de outubro.

Não sei se o leitor teve a oportunidade de assistir ao programa. Fiquei sabendo quase em cima da hora, pois a “discrição” com que foi anunciado na mídia já demonstrava mais uma vez o preconceito contra a emblemática figura de Chávez. E lá fui eu, postar-me em frente ao televisor, na expectativa de assistir a um debate de alta qualidade intelectual e política, uma vez que o tradicional programa, em inúmeras de suas edições, já quase a alcançar o milhar, o comprovou em várias oportunidades.

O de segunda-feira, no entanto, deixou a desejar. Não pela figura do presidente venezuelano, sempre franco, educado, sabedor de que devia se ater aos problemas da América Latina e – em particular – aos problemas da sua nova Venezuela. A decepção ficou por conta da mediocridade (e em alguns casos má fé mesmo) com que alguns dos entrevistadores se comportaram. Salvo as exceções de Fernando Morais e Bob Fernandes, que procuraram levantar questões pertinentes à importância e ao momento histórico do entrevistado, os outros integrantes da roda se comportaram (tão em moda na imprensa brasileira atual) mais como inquisidores do que propriamente entrevistadores. Pior ainda: inquisidores mal preparados.

Nesse particular, o destaque fica para os três profissionais de três jornalões brasileiros, Folha, Estadão e Correio Brasiliense, que fizeram a ridícula figura de ventríloquos, como se estivessem ali a repetir uma pequena lista de perguntas feitas pelos donos dos jornais onde trabalham. Apequenaram (um pouco mais) o jornalismo brasileiro com perguntas ultrapassadas, viciadas em seus argumentos, baseadas em estatísticas ultrapassadas, desmentidas pelo próprio presidente Chávez, numa demonstração inequívoca de que não estavam preparados para o debate. As velhas e surradas questões da liberdade em Cuba, de Chávez querer a cubanização da Venezuela, esquecendo-se tais profissionais que Chávez conta com o apóio de mais de 70% da população da Venezuela, depois de enfrentar várias eleições e um golpe de Estado. Repetem-se como papagaios.

Após as primeiras perguntas feitas, Chávez percebeu quem estava ali para dialogar com alguma seriedade e quem estava ali para provocar. E com os provocadores não teve contemplação. Não deu muita atenção à “sisuda e inteligente” figura de Eliane Catanhêde, articulista da FSP, que parecia não saber muito bem o que estava fazendo ali, a ponto de cometer a indelicadeza (provocação intencional) de querer que o entrevistado comparasse o seu governo com o governo de Lula.

Quando inquirido pelo tal jornalista do Estadão sobre a eventual falta de democracia e liberdade de expressão e/ou de imprensa na Venezuela, Chávez – habilidosamente e sem perder a compostura – respondeu: “tenho pena de ver um jovem jornalista como o senhor ir buscar os seus argumentos na lata do lixo (da história), como faz boa parte da imprensa venezuelana”, demonstrando que não estava ali para responder a questões que a realidade latino-americana está dando por vencida, numa nova etapa de luta de seus povos em busca de uma alternativa ao neoliberalismo globalizante tão ao gosto de jornalistas que, para não perderem o emprego, continuam a lamber o saco de seus patrões.

Perguntado ao final do programa se acreditava em Deus, pergunta original e profunda, o presidente venezuelano respondeu que se considerava um verdadeiro cristão, pois Cristo foi o primeiro e grande socialista da História e Judas, o primeiro capitalista, que traiu seu mestre (ou povo) por 30 dinheiros. Será que a maioria dos jornalistas presentes entendeu o recado?

Izaías Almada é escritor e dramaturgo.

Publicado originalmente na Caros Amigos

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