sábado, outubro 08, 2005


Concentração de propriedade na mídia brasileira tem se acirrado, diz especialista
13:26 Brasília - Segundo o professor e pesquisador Venício A. de Lima, especializado em estudos sobre a concentração dos meios de comunicação, as tecnologias da informação e as telecomunicações aparecem como um dos quatro setores com maior número de fusões e aquisições no primeiro trimestre de 2003, com um crescimento de 35% em relação ao mesmo período de 2002, fato que acirrou ainda mais a concentração da mídia no Brasil. Autor do livro "Mídia: Teoria e Política" (Editora Fundação Perseu Abramo, 2001), Venício Lima, destaca como principais fatores que têm contribuído para a concentração da propriedade das comunicações no Brasil, sobretudo na radiodifusão, o não cumprimento da norma legal (Decreto 236/67) que limita a participação societária do mesmo grupo nas empresas de radiodifusão a cinco concessões em VHF, em nível nacional, e a duas em UHF, em nível regional (estadual); o período de carência legal para venda das concessões de radiodifusão, isto é, para a troca legal de proprietários, é de apenas cinco anos e, mesmo assim, sabe-se que existem vendas antecipadas por meio da conhecida prática dos chamados "contratos de gaveta". Isso faz com que os eventuais concessionários independentes se sintam atraídos pela possibilidade de negociar suas concessões com os grandes proprietários e/ou vice-versa e o fato de não haver normas ou restrições legais para a "afiliação" de emissoras de radiodifusão, isto é, para a formação de redes nacionais e/ou regionais. Para o professor, o resultado é que, antes mesmo de se manifestar a tendência mundial à concentração da propriedade no setor de comunicações, o mercado brasileiro já era concentrado, tanto no que se refere à concentração horizontal, quanto à vertical, à cruzada e a "em cruz". Concentração horizontal Segundo Venício Lima, a "concentração horizontal" significa a oligopolização ou monopolização que se produz dentro de uma mesma área do setor. O melhor exemplo de concentração horizontal no Brasil, afirma ele, continua sendo a televisão. Na televisão paga, segundo Lima, o grupo NET-SKY, da Globo, controla 95% da TV por satélite. Historicamente, a televisão aberta abocanha a maior parte de todo o investimento publicitário. Em 2002, 58,7% das verbas de publicidade foram para a televisão aberta. Do total gasto, em 2001, 78% foram para a Globo e suas afiliadas. Para o pesquisador, a posição de oligopólio da Rede Globo na televisão aberta acompanha a própria história da televisão no país, a partir dos anos 1970, e constitui exemplo clássico de concentração horizontal no mercado brasileiro em relação às outras redes em todos os critérios básicos de comparação, como: número total de emissoras (próprias, associadas e afiliadas); cobertura geográfica por municípios e por domicílios; participação na audiência nacional de TV e audiência em horário nobre; e alocação de recursos publicitários. Concentração vertical Para Venício Lima, a concentração vertical constitui-se na integração das diferentes etapas da cadeia de produção e distribuição, quando um único grupo controla desde os vários aspectos da produção de programas de televisão até a sua veiculação, comercialização e distribuição. Para ele, esse tipo de concentração é uma prática consolidada na televisão brasileira. Nesta área, o melhor exemplo, diz ele, continua sendo a produção e exibição de telenovelas. Por exemplo: a Rede Globo possui os estúdios de gravação e mantém, sob contrato permanente, os autores, atores e toda a equipe de produção (roteiristas, diretores de programação, cenógrafos, figurinistas, diretores de TV, editores, sonoplastas etc.). As Organizações Globo há muito operam uma estrutura multimídia que outros megagrupos internacionais só recentemente constituíram por meio daquilo que chamam de sinergia, diz Lima. Dessa forma, a Globo produz a novela em seus estúdios e a exibe em sua rede de televisão. Além disso, comercializa a novela para outros países, a trilha sonora através de gravadora própria (CDs e K-7) e divulga "o pacote" através de sua rede de TV, seus jornais, revistas, emissoras de rádio etc. Essa mesma estratégia esteve presente no lançamento do programa Big Brother Brasil, em 2002, segundo o professor. Propriedade cruzada Lima explica que a propriedade cruzada é a propriedade por um mesmo grupo de diferentes tipos de mídia do setor de comunicações. Por exemplo: TV aberta, TV por assinatura (a cabo, MMDS ou via satélite-DTH), rádio, revistas, jornais e, mais recentemente, telefonia (fixa, celular e móvel, via satélite), provedores de internet, transmissão de dados, paging etc. Para ele, alguns dos principais conglomerados de comunicações no Brasil se consolidaram por meio da propriedade cruzada na radiodifusão (radio e televisão) e na mídia impressa (jornais e revistas). Como exemplo desse tipo de concentração, Lima cita a RBS. Atuando apenas em dois mercados regionais, o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o Grupo RBS reúne 6 jornais, 24 emissoras de rádio AM e FM, 21 canais de TV, um portal de internet, uma empresa de marketing e um projeto na área rural, além de ser sócio da operadora de TV a cabo NET (Zero Hora, 31/8/2002). Ademais, lembra Lima, a RBS foi um dos grupos contemplados com a vasta liberação de RTVs que ocorreu nos últimos dias do governo de Fernando Henrique Cardoso, quando recebeu 14 novas retransmissoras. Para o pesquisador, essa é uma situação que confere a um único grupo de comunicações e a uma equipe de comentaristas e articulistas um extraordinário poder. É também uma situação que não seria possível, legalmente, em vários países, dentre eles a França, a Itália e o Reino Unido. Monopólio em cruz Por último, Venício Lima explica que o monopólio em cruz trata-se da reprodução, em nível local e regional, dos oligopólios da "propriedade cruzada", constituindo o que se chamou "monopólio em cruz". Verificou-se que, na grande maioria dos estados da Federação, os sistemas regionais de comunicações são constituídos por dois "braços" principais, geralmente ligadas às Organizações Globo - existe um canal de televisão, largamente majoritário, quase sempre integrante da Rede Globo; e dois jornais diários, um dos quais - o de maior circulação - está sempre ligado a um canal de TV, e - quase sempre - ao canal de televisão afiliado à Rede Globo; e sempre, paralelamente, ligado a uma rede de emissoras de rádio, com canais AM e FM. Cada um desses jornais, em quase todas as capitais, reproduz as principais seções de "O Globo" e seu noticiário é alimentado, predominantemente, pelos serviços da Agência de Notícias Globo. Venício Lima cita pesquisa realizada no início da década de 1990 que revelou o "monopólio em cruz" se manifestando em pelo menos 18 dos 26 estados brasileiros - Rio de Janeiro, Paraná, Acre, Maranhão, Paraíba, Alagoas, Amazonas, Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Tocantins, Goiás, Sergipe, Espírito Santo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul -, além do Distrito Federal. Em seu livro, o autor destaca que no Brasil existe um ambiente bastante propício à concentração. A legislação do setor tem sido historicamente tímida, por intenção expressa do legislador, ao não incluir dispositivos diretos que limitem ou controlem a concentração da propriedade, o que, aliás, vai no sentido inverso do que ocorre em países como a França, a Itália e o Reino Unido, preocupados com a pluralidade e a diversidade no novo cenário da convergência tecnológica.
Núcleo de Pesquisas da Radiobras 18/10/2004

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