sábado, outubro 08, 2005


CartaCapital nº 362 - Luiz Gonzaga Belluzzo - pág 23

O sociólogo Karl Mannheim, pensador representativo de sua época, escreveu, em 1950, no livro "Liberdade, Poder e Planejamento Democrático": não devemos restringir o nosso conceito de poder ao poder político. Trataremos do poder econômico e administrativo, assim como do poder de persuasão que se manifesta através da religião, da educação e dos meios de comunicação de massa, tais como a imprensa, o cinema e a radiofusão. Para ele, deve-se temer menos os governos, que podemos controlar e substituir, e muito mais os poderes privados que exercem sua influência no "interior" das sociedades capitalistas. Na aurora do século XXI, as forças democráticas sobreviventes, os que ainda conseguem respirar no "admirável mundo novo" construído pelo capitalismo da era Bush, mal conseguem defender o que restou dos direitos sociais e econômicos obtidos pelos subalternos no imediato pós-guerra. O leitor atilado há de julgar se a liberdade de opinião e de informação vem se ampliando e favorecendo o esclarecimento dos cidadãos ou se transformando em seu contrário, num exercício do poder monopolista que viola os direitos reconhecidos como essenciais no relatório da Comissão sobre a Liberdade de Imprensa, nomeada pelo Congresso dos Estados Unidos em 1947: 1) todos os pontos de vista importantes e todos os interesses da sociedade devem estar representados nos organismos de organização de massa; 2) é necessário que a imprensa dê uma idéia dos grupos que constituem a sociedade. Dizer a verdade a respeito de qualquer grupo social - sem excluir suas debilidades e vícios - inclui também reconhecer os seus valores, suas aspirações, seu caráter humano. O filósofo Paulo Virilio chegou a uma conclusão drástica: a mídia contemporânea é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. A justificativa para tal procedimento trafega entre o cinismo e a treva: uma vez afetada a liberdade de imprensa, todas as liberdades estarão em perigo. Cinismo, diz ele, porque essa reivindicação agressiva trata de negar o óbvio: os meios de divulgação e de formação de opinião vêm se concentrando, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos de grandes empresas capitalistas. O objetivo natural e legítimo do ganho monetário está, mais do que em qualquer outra atividade, acumpliciado de forma inexorável ao desejo de ampliar a influência e o poder sobre a sociedade, a administração pública e a política. É neste sentido muito especial que deve ser reinterpretada a pretensão à superioridade da liberdade de opinião e de informação. Ela exprime hoje a generalização do controle social e político exercido pelos grandes produtores de informação e de opinião sobre os direitos dos cidadãos. Exercem os seus privilégios com eficiência crescente, numa sociedade encantada pela "inversão" de significados e pelo ilusionismo da liberdade de escolha do indivíduo-consumidor . A censura da opinião e até do silêncio alheios e a intimidação sistemática devem "aparecer" aos olhos do público consumidor como legítimo exercício dos direitos de opinar, de informar e de defender a comunidade. Mas não é sábio exagerar no pessimismo: nos próximos anos, a luta política é que vai decidir se as tecnologias de comunicação da terceira Revolução Industrial vão nos conduzir ao totalitarismo consentido, à moda de George Orwell, ou ao aperfeiçoamento democrático, à Ágora informatizada, processos decisórios de democracia direta capazes de corrigir as distorções dos regimes representativos de hoje, infestados pelo poder da grana e pelos vícios do privatismo.

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