quarta-feira, setembro 01, 2010

A mídia é o prato do restaurante canibal

Reproduzo artigo de Breno Altman, 

publicado no sítio Opera Mundi:


O trabalho eficaz de dois jornalistas, Pedro Aguiar e Laisa Beatris, profissionais da redação de Opera Mundi, trouxe ontem (26/08) a público caso vergonhoso de colonialismo cultural e abuso da boa-fé dos leitores. A história, que pode ser lida no artigo “Mídia internacional ignora indícios de fraude e publica notícia sobre restaurante canibal”, revela o estado de indigência que afeta parte da imprensa mundial.

Tudo começou quando um político alemão denunciou, ao diário sensacionalista Bild, a existência de restaurante brasileiro, chamado Flimé, no estado de Rondônia, que oferecia carne humana e estaria planejando abrir filial em Berlim. O vereador Michael Braun, dirigente local da União Cristão-Democrática, alegando ter recebido informação de eleitores, protestou contra as intenções do famigerado estabelecimento.

A origem primária das denúncias, logo se soube, estaria em vídeo e página divulgados pela internet. Os autores, provavelmente de nacionalidade portuguesa, talvez na intenção de se vingar das piadas contra seus patrícios, resolveram armar pegadinha contra os brasileiros. No jargão da rede, chama-se essa informação forjada de hoax.

O mais incrível é que a existência do restaurante canibal imediatamente se espalhou entre diversas agências e veículos do planeta. O inglês The Guardian, a espanhola Efe, a italiana Ansa, a alemã Der Spiegel e o português Expresso estão entre as publicações que caíram no engodo. Também comprou gato por lebre a brasileira Folha.com. A reportagem de Opera Mundi provou que não há canibalismo nem restaurante algum.

Aparentemente nenhuma das redações enroladas pelo conto dos portugueses se deu ao trabalho de apurar história tão escabrosa. O restaurante não foi checado. Não se analisou com rigor a gravação que circulou no You Tube. A página web que anunciava as estranhas iguarias tampouco recebeu o devido escrutínio.

Não é a primeira vez que importantes meios de comunicação metem o pé na jaca. A revista Veja, em abril de 1983, publicou matéria anunciando a fusão da carne de boi com o tomate, depois de cair em uma brincadeira da revista inglesa New Science, preparada para celebrar o dia da mentira. O caso Boimate, como é conhecido, entrou para a mitologia jornalística como a maior “barriga” (notícia inverídica) de todos os tempos. O affair Flimé tem grandes chances de roubar-lhe o lugar no pódio.

O problema não é apenas a preguiça dos jornalistas que deram ares de verdade à denúncia fajuta. A substituição da informação pelo espetáculo, de fato, tem poder tóxico sobre a inteligência da imprensa e contamina sua disposição de pegar no batente. Mas, é evidente, nesta situação também jogou peso decisivo a arrogância colonial dos brancos de olhos azuis. Canibalismo no Brasil? Terceiro Mundo? Terra de índios, negros e mulatos? Pau na maquina, que se não for verdadeiro, ao menos está bem contado.

A barrigada, que deveria provocar indignação da mídia brasileira e resposta à altura do governo, porque difama a imagem internacional do país, diz muito a respeito de como funcionam os monopólios mundiais da comunicação. Seus donos e operadores, de tão imbuídos do papel de vanguarda cultural do colonialismo, não perdem sequer uma história da carochinha para demonstrar a suposta primazia civilizatória das nações ricas sobre os povos do sul.
http://altamiroborges.blogspot.com/2010/08/midia-e-o-prato-do-restaurante-canibal.html

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Boimate: para lembrar como é feito jornalismo de qualidade

01/04/2009
boimateImagem do acervo digital da revista Veja, encontrado aqui
Na sua edição de 27 de abril de 1983, a revista Veja anunciava uma das mais surpreendentes descobertas do mundo científico/alimentício: o boimate.
Essa maravilha da tecnologia desenvolvida por uma equipe liderada pelo Dr. McDonalds da Universidade de Hamburgo é uma criatura híbrida criada ao se misturar os genes do boi e do tomate, fazendo com que a carne já venha com molho.
O caso boimate é uma das maiores barrigas do jornalismo brasileiro. Eles publicaram a notícia que na verdade era uma brincadeira de primeiro de abril da revista científica New Science. Não bastasse pagarem um mico gigantesco no quesito apuração, eles ainda manipularam a fala de um biólogo da USP para que ela coubesse na pauta da revista. Palmas pra eles!
Deus do Céu, eles fizeram até um infográfico explicando a pataquada!
Não consegui pegar uma imagem boa o bastante para ser lida aqui, mas basta ir ao acervo digital da revista Veja, que agora imortalizou para as futuras gerações essa grande pérola do jornalismo.

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