sábado, janeiro 28, 2006
Vampirismo na Saúde
A entrega dos hospitais públicos da cidade de São Paulo para entidades de caráter privado, autorizada recentemente pela maioria dos vereadores, é um mau negócio para aqueles que mais precisam dos serviços de saúde. Usamos o termo negócio não à toa, pois pretendemos questionar, entre algumas deficiências, a lógica contábil e comercial que permeia o projeto do prefeito paulistano.
Para fazermos uma análise, temos como referência a experiência do governo estadual paulista, que desde o final da década de 1990 adota o mesmo modelo, em que o dinheiro é público, mas a administração é privatizada, sem sequer haver processo de licitação. O primeiro argumento contestável é o da sua eficiência. Antes de qualquer comparação, é preciso deixar claro que as verbas públicas destinadas à rede administrada pelas entidades, chamadas Organizações Sociais (OSs), são bem maiores. Em 2003, 12 unidades geridas por OSs tiveram despesas, em média, de R$ 41 milhões cada uma. No mesmo período, 41 hospitais administrados diretamente pelo Estado gastaram, em média, apenas R$ 25,2 milhões cada. As cifras de 2004 e 2005 não são divulgadas pelo governo, o que dá a medida da transparência gerencial adotada. Sem falar que, antes de serem dados à iniciativa privada, os hospitais são reformados, quando não são recém-construídos. Tais condições representam enorme vantagem para as unidades entregues às entidades privadas e ajudam a causar uma enganosa impressão de que a administração terceirizada é melhor.
Colocando-se de lado o fato de que se trata de privatização – ainda que sutil –, contrária, portanto, a princípio constitucional, o fato é que nem mesmo tal vantagem financeira reverte em melhores serviços para a população. As Organizações Sociais fazem uso do dinheiro público segundo critérios de metas e produtividade estabelecidos em um contrato de gestão. Nesse cenário mercantilista, vale privilegiar ações mais rentáveis e recorrer à maquiagem.
Em sua análise das contas das OSs realizada em 2004, o Tribunal de Contas do Estado apontou um aumento de 90% nos gastos com internações entre 1995 e 2002, e questionou se o crescimento não seria fraudulento, induzido pelas entidades privadas, com o objetivo de receber mais recursos públicos. A dúvida continua no ar, enquanto aguardamos a análise das contas das OSs relativas aos anos seguintes.
Há um outro fato aterrador. Ao atingirem a meta de produtividade estabelecida no contrato, as OSs reservam-se o direito de suspender determinados procedimentos médico-hospitalares. Assim, por exemplo, se a verba destinada a operações de emergência estiverem esgotadas, fecham-se as portas aos acidentados, pura e simplesmente. E os pacientes nessas condições são conduzidos para a rede de saúde da administração direta, o que amplia as filas e espalha doentes pelos corredores. Os trabalhadores públicos, a quem ninguém pergunta se há ou não equipamentos e materiais em quantidade suficiente para o atendimento, precisam desdobrar-se e ainda assim são muitas vezes responsabilizados pela situação caótica.
Outra manobra das OSs para garantir rentabilidade é não realizar procedimentos de alta complexidade e concentrar-se em casos mais simples e de resolução mais rápida. Demais casos, incluindo portadores de Aids, para os quais as OSs não têm leitos reservados, também são remetidos aos hospitais da administração direta, mais lotados, com menos recursos e salários mais baixos. Uma análise desatenta das aparências chegaria à conclusão que uma rede é melhor que a outra por uma questão de competência, disposição ou interesse. Nada mais falso, mas fica claro que essa é a impressão que o governador e o prefeito querem causar. Isso nos faz lembrar de quando o prefeito, então ministro da Saúde, desmontou a Funasa e abriu caminho para a epidemia de dengue.
João Antonio Felicio é presidente nacional da CUT; e Célia Regina Costa é presidente do Sindsaúde-SP
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