terça-feira, outubro 11, 2005

Mano Brown assume defesa do desarmamento



Com a palavra o melhor poeta das ruas: Mano Brown , do Racionais MCs

Celso Borges

Comentando a entrevista de Mano Brown mais abaixo, enviada pelo mano Celso...

É uma palavra que tem muita verdade porque é a palavra de quem vive na periferia do sistema, alguém que vive de forma aguda o embate cruel da luta de classe: "Como é que os policiais vão andar armados e eu vou andar desarmado?"
O moleque tem razão, a pergunta faz sentido. Mas isso só aumenta a responsabilidade de nós todos que fazemos a campanha do SIM. O desarmamento por si só não muda nada, é o tipo da medida que tem um grande impacto prático, se o comércio de armas e munições realmente acabar, mas tem muito mais, um significado conceitual, de afirmação da vida civilizada e democrática.

Não tem argumento que possa justificar a fabricação de uma arma. Armas só servem para matar.
Em 68 na França os muros diziam: a morte é necessariamente uma contra-revolução. Morrer é o fim, nada é possível na morte, como justificar então a fabricação de uma coisa, cuja única finalidade é ser eficiente para matar?

O desarmamento é apenas uma dentre várias ações necessárias para a afirmação da vida. Fico puto com essas campanhas de classe média que todo mundo coloca uma camiseta branca e sai por aí pedindo paz. A paz não é uma coisa que as pessoas incorporam, como se fosse apenas uma questão de se deixar levar. Paz é segurança afetiva, segurança alimentar, segurança de abrigo, de economia sexual. Paz é ter oportunidade de estudar, é ter a possibilidade de sonhar um futuro, de descobrir um talento, uma vocação. Camiseta branca não adianta nada, o que adianta é ser responsável pelo seu voto, é ser militante das causas, partidos e movimentos que querem uma transformação da sociedade, que não acreditam que a barbárie é da natureza humana. Paz não é um problema do LULA, do governo. Paz é um problema de todos nós, que cada um trate de fazer a sua parte e o que estiver ao seu alcance. LULA não vai dar um jeito no Brasil, LULA está fazendo a parte dele, e quem pode dizer, que ele já não fez muito? Quem tem que dar um jeito no Brasil somos nós.

Adauto Melo

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Mano Brown assume defesa do desarmamento
EM SEUS SHOWS, AO LADO DOS OUTROS TRÊS RACIONAIS, RAPPER USA AS PALAVRAS PARA CRITICAR A CULTURA DA VIOLÊNCIA NA PERIFERIA

A voz de Mano Brown ecoa forte pela quadra da escola de samba São João, encravada na periferia de Mauá, uma das cidades mais pobres do ABC paulista. É madrugada alta, quase 5h do último dia 8, "um sabadão de primavera louco", como gosta de dizer Brown, registrado Pedro Paulo Soares Pereira, 35 anos.
Líder da "família" Racionais MC's e ícone seguido por milhares de jovens, Brown faz uma enquete com os quase 2.000 jovens -alguns poucos alcoolizados- que o vêem, paralisados, cantar seus raps épicos ao lado dos "irmãos" Ice Blue, Edy Rock e DJ KLJay: "Vocês são contra ou a favor do desarmamento?"
Mais da metade dos jovens levanta a mão para defender as armas. Brown, então, pede para um dos jovens a favor das armas subir no palco e contar a razão por que assume essa defesa. Nervoso, o rapaz emenda: "Se os bicos sujos [inimigos] têm o direito de ter arma, nós também temos". O público vibra, aplaude. Brown rebate e diz que a violência, na maioria das vezes, atinge gente igual ao seu público ou seus familiares.
Após o show, ainda no camarim, Brown se dirige ao repórter do Agora e diz: "Você viu só, mano, a molecada quer é andar armada mesmo." Depois de anos sem dar entrevista a um grande órgão da imprensa, Mano Brown falou ao Agora sobre o referendo para a proibição ou não da fabricação e a venda de armas e munições no Brasil, marcado para dia 23:
Agora: Qual é o seu posicionamento em relação ao referendo do dia 23?
Mano Brown-Sou a favor do desarmamento, mas essa argumentação é difícil, devia ser de outra forma. Está difícil a colocação das palavras. Sim ao armamento ou sim ao desarmamento. "Vote sim". Mas o bagulho está louco, mano, você viu lá no show, o pessoal quer arma.
Agora: Você tem dois filhos. Você quer que seu filho pegue em armas amanhã?
Brown-Acontece que as pessoas estão vindo como luta de classes, tá ligado, mano? O rico não quer que o pobre se arme e ele fique desarmado. E o pobre não quer que o rico se arme e ele fique desarmado. Você viu o argumento do moleque: "Como é que os policiais vão andar armados e eu vou andar desarmado?" É meio desigual, o argumento. Está confuso.
Agora: Principalmente para o jovem?
Brown-O jovem da periferia vê na arma um instrumento para ascender na sociedade de alguma forma, de ganhar respeito, coisa que ele não conseguiria normalmente, ou não da forma que ele queria.
Agora: Antes de ser o Mano Brown, você pensou em andar armado para ser mais homem ou para ter ascensão social no seu bairro?
Brown-Andei armado para me defender. Andei armado um tempo, não ando mais, não gosto de arma.
Agora: Isso é público? Você não esconde que um dia andou armado?
Brown-Não. Andei armado.
Agora: Hoje, você voltaria a andar, caso corresse risco?
Brown-É difícil porque a gente não sabe o dia de amanhã. Mas eu preferiria não ter uma arma na mão no momento em que fosse necessário. Preferiria não ter. Acho que uma vida humana vale muito mais do que qualquer coisa, e isso é irreversível. Muita coisa que poderia ter sido resolvido na idéia acabou em morte, pelo fato de a arma dar essa sensação de controle total.
Agora: No ano passado, segundo o Ministério da Justiça, 2.947 pessoas foram mortas com armas de fogo só em São Paulo, e a maioria tinha entre 15 e 24 anos, gente que vinha assistir o seu show. Como você vê isso?
Brown-Eu enxergo que está muita pressão em cima dessa geração que está descendo para a rua agora, para a arena, que acabou de sair da adolescência. Está muito pressão sobre eles porque a família, dos que têm, não consegue retribuir o investimento que a família fez neles. Os que não têm não vêem motivação de ser um garoto exemplo, porque os exemplos que estão sendo seguidos são os que andam armados, os que usam a força para conseguir o que querem, seja pobre ou rico.
Agora: Dinheiro fácil, ascensão social fácil?
Brown-Não é fácil porque nunca é fácil quando você arrisca a sua própria vida. Nunca é fácil. O que eu penso é que muitos amigos meus, pessoas de quem eu gostava, poderiam estar vivos hoje, se não fosse a arma. Porque a pressão que a molecada está vivendo vai ser extravasada violentamente, porque eles não são ouvidos. Os anos estão passando, um governo de esquerda já assumiu e era esperança. As coisas estão muito lentas e a periferia é urgente, precisa das coisas para ontem e as coisas não estão acontecendo, está muito nebuloso. Os moleques estão inseguros, eles têm pressa, eles querem viver logo, têm ânsia de viver a vida, viver a vida que é vendida, que é oferecida.
Agora: Via parabólica?
Brown-É, pela televisão. Eles querem viver a vida que todo mundo fala que é boa, que os poetas falam. E eles não estão vendo essa vida, eles estão vivendo uma vida de necessidade, de dia-a-dia difícil, de hostilidade, uma competição hostil o tempo todo, começa dentro de casa. É muita gente para pouco espaço, muita gente para pouco emprego, muita gente para pouco dinheiro, poucas oportunidades, está muito competitivo.
Agora: Você já contou quantos amigos seus foram mortos a tiros?
Brown-Eu não parei para contar, mas eu sinto a falta de vários, vários camaradas que morreram vítimas de violência barata mesmo, de idéia de que poderia resolver trocando idéia. A arma estava fácil. Armamento abundante na mão de pessoas sem estrutura, sem equilíbrio, na mão de pessoas problemáticas. A arma não deveria estar na mão de ninguém, nem a polícia deveria andar armada. É aquilo que o moleque falou: "Por que a arma tem que estar na mão do polícia e na nossa não?" Acho que a partir do momento em que a polícia tem o direito de matar, o cidadão comum também tem. Porque, na verdade, o policial também é um cidadão comum, o governador também é um cidadão comum, ele não tem o direito de matar, ninguém tem o direito de matar. Então, tem que desarmar geral, eu sou a favor de desarmar geral, todo mundo.
Agora: Você ficou decepcionado, triste, quando, durante o show que terminou, viu que a maioria dos jovens quer as armas?
Brown-Eu não fiquei tão surpreso, entendeu. Talvez eu já soubesse, mais ou menos, que a resposta seria essa, porque esse argumento é muito fácil, é o mesmo que os ricos também estão usando. Eu fico sentido porque sei que quem, mais uma vez, se a vontade da periferia for aquela refletida hoje dentro do salão lá, as armas vão continuar na rua. Porque eu vi que a maioria é a favor do armamento. Talvez por não pensar muito, talvez por não analisar um assunto a fundo, como ele precisa ser analisado. Talvez alguns tenham respondido ali da boca para fora, e se respondeu da boca para fora é porque não está pensando tanto no assunto. Isso é preocupante.
Agora: Você acha que o jovem vai votar de qualquer jeito no referendo?
Brown-Está aí o que você falou que eu fiquei sentido, foi isso aí. Eu senti que as pessoas não estão preocupadas com o assunto, tá ligado? Tanto faz. Já estão vivendo a pior parte mesmo, eu estou vendo que, pelos moleques, tanto faz ter arma ou não, eles acham que a vida não vai melhorar. Eles não acreditam na melhora. Eu vejo que os jovens estão sem esperança na melhora.
Agora: Você falou em luta de classes, que o rico quer ficar armado e quer desarmar o pobre, é desse jeito?
Brown-É isso o que eu estou vendo. E o pobre não quer ficar desarmado porque ele sabe que do outro lado vai haver muitas armas contra ele, também. Então virou quase que uma guerra, né? Uma guerra fria. O Brasil está a beira de um... o barril está para explodir mesmo, hein, meu. Se o Lula não conseguir dar um passo, fazer alguma coisa que as pessoas realmente notem. Se esse governo agora, que vai entrar no último ano, não fizer alguma coisa que seja visível aos olhos dos humildes, uma coisa que faça diferença dentro da casa das pessoas, eu acho que a tendência é o Brasil voltar a ter um governo de direita, morô, meu, de pessoas que pregam a arma, pregam a construção de cadeia, tá ligado, que pregam a repressão, e a periferia continuar alienada. Agora, vai se alienar por outras coisas. (André Caramante)

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