sábado, fevereiro 11, 2012

A internet é o melhor lugar para começar uma dissidência

3/1/2012, Cory Doctorow, Guardian, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Facebook graffiti near Tahrir Square
Grafii próximo à Praça Tahrir, no Cairo, Egito. Ethan Zuckerman que as revoluções
são iniciadas por pessoas comuns que usam a tecnologia diariamente.
Foto de Steve Crisp/Reuters

Entreouvido na Vila Vudu - O que aí se lê, talvez explique por que o Twitter no Brasil é tão INFINITAMENTE chato (e o Facebook, esse, então, é totalmente INSUPORTÁVEL), se se segue, como nós seguimos, só gente de esquerda (ou pressuposta de esquerda). Porque o problema da esquerda no Brasil-2012 não é construir alguma “dissidência”.
O problema da esquerda no Brasil-2012 é exatamente o contrário disso: aqui se trata de construir convergências e abrir espaços para que o nosso governo Lula-Dilma possa começar a mexer-se, sob o cerco incansável da velha direitona udenista golpista que, aqui, está organizada na mídia-empresa e na universidade há mais de 50 anos, e jamais esteve fora do Executivo há mais de 500 anos.
Essas empresas “de internet” – que não nasceram do nada e são fruto de um determinado momento dos desenvolvimentos do capital no planeta – talvez só sejam eficientes para construir dissidências, movimento que, evidentemente, sempre interessa muito mais ao capital que ao trabalho e à resistência, onde absolutamente ninguém precisa de dissidências e a sobrevivência de todos sempre dependeu e depende de união, solidariedades, confluências, convergências, alianças e pactos.
Afinal, como se comprova todos os dias, basta uma futriquinha de 141 caracteres da Eliane Cantanhêde, para semear confusão suficiente para MUITAS dissidências, sobretudo entre os petistas, que, historicamente, têm cabeça (política) muito fraca.
Mas para construir e preservar uniões, solidariedades, confluências, convergências, alianças e pactos, é preciso MUITO mais que 141 caracteres e talvez seja crucialmente indispensável poder (e saber) construir mais argumentação a favor e menos frasezinhas “do contra” – metidas a “críticas”, ou metidas a “éticas”, ou metidas a “boazinhas” em geral, todas, sempre, intragavelmente liberais.
Seja como for, a coisa não é tão simples como fazer oposição a “regimes repressivos” classificados por parâmetros dos jornais do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) ou do New York Times/Pentágono/complexo industrial-militar/Israel e outros agentes do acanalhamento da luta dos pobres, no mundo.
No Brasil-2012, trata-se de fazer oposição aos aparelhos ideológicos que operam em estado democrático de direito, numa democracia representativa e legal, na qual, contudo, a mídia é partidarizada e elege; e onde, quando a mídia partidarizada não elege, ela é capaz de passar (só até agora) quase dez anos trabalhando, todos os dias, para derrubar governos eleitos que não sejam os governos que a mídia – e uma camada intelectual espantosa e persistentemente conservadora e reacionária – prefeririam ver eleitos.
Marxistas que tenham lido alguns parágrafos de Marx, que seja, em versão para a 5ª. série do fundamental, que seja, logo perceberão que o articulista abaixo JAMAIS ouviu falar de Marx. Não sabe das artimanhas da ideologia. Vive da firme ilusão de que seria possível democratizar os mervais-pereiras. Assim como imagina que as revoluções árabes tenham surgidas do nada, sem passado, e que teriam sido construídas, do zero, pelo Twitter.
O artigo abaixo é de uma indigência, no plano da interpretação política do mundo, que dá dó. Mas, com esse nada, em matéria de compreensão política do mundo, o tal de Zuckerman já arranjou um baita empregão no MIT, púlpito para conferências e a admiração incondicional de Doctorow e da editoria de tecnologias do Guardian!
O que não seríamos capazes de fazer, da e com a Internet, então, nós, que lemos Marx e (pelo menos alguns petistas, esperemos) sabemos das arapucas da ideologia, da democracia representativa sob reinado de Wall Street, da mídia partidarizada e ativa, empenhada em atuar como agente de propaganda política?! (Sim, mas, se sabemos... por que só fazemos repetir, pelo Twitter, a pauta dos jornalões do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão?!))
Seja como for, a ideia marxiana de fundo coincide com o que aí se lê: “É 2012 e a luta continua. Vamos trabalhar.” Só a luta ensina.
Cory Doctorow

Há um ano, resenhei o livro The Net Delusion [A Net como ilusão], de Evgeny Morozov, análise cética do papel da internet nas lutas globais por justiça.
A ideia central da crítica de Morozov é o fato inegável de que Facebook, Twitter, YouTube e outras ferramentas de mídia social são monumentalmente inadequadas para usar em cenários revolucionários hostis, porque a repressão sempre será informada sobre locais de reunião, manifestações programadas e as causas dos protestos e manifestações; essas ferramentas expõem os usuários à violência de governos repressivos.
Mais ainda, revelam os laços sociais entre os dissidentes, facilitando a tarefa das polícias secretas, que podem cercar os movimentos sem precisar recorrer a recursos tediosos de gravações clandestinas e vigilância física, para saber quem prender.
Naquela resenha, argumentei que os riscos detectados nessas ferramentas não eram inerentes a elas. Nada impedia que se criasse uma ferramenta do tipo Facebook, que ajudou a galvanizar e organizar a resistência na Tunísia, sem expor os usuários ao risco de serem presos e torturados (para os principiantes: bastaria abolir a exigência de “nome verdadeiro” do Facebook, e permitir que os usuários usassem pseudônimos).
Mas no contexto no qual nasceu Facebook – uma brincadeira que começou em Harvard e que se tornou poderosa máquina global de publicidade – não havia razão alguma para que alguém envolvido no design do sistema pensasse em torná-lo invulnerável a ataques de ditadores e seus apparatchiks.
Agora, que essa necessidade afinal apareceu, as pessoas que se preocupam com a dor dos que sofrem sob regimes opressivos podem trabalhar com os desenvolvedores de ferramentas que ajudem os usuários, sem os expor à repressão.
E, de fato, no ano passado, viu-se enorme quantidade de energia mobilizada nessa tarefa, que resultou no desenvolvimento de plataformas de “vazamentos” como Wikileaks; de ferramentas que possibilitam o anonimato como Tor; e aumentou muito o número de usuários desses recursos.
Ethan Zuckerman

Até aí, tudo bem. Mas ontem assisti à conferência de Ethan Zuckerman, 2011 Vancouver Human Rights, intitulada “Cute Cats and The Arab Spring” [Gatinhos Lindinhos e a Primavera Árabe], e percebi que Morozov e eu erramos, ambos. Zuckerman é diretor do Centro para Mídias Sociais do MIT [orig. MIT's Centre for Civic Media] e fundador do Geekcorps, uma ONG que manda técnicos para o mundo em desenvolvimento para trabalhar em iniciativas tecnológicas sustentáveis surgidas localmente [1].
Zuckerman sabe muito sobre a dura realidade do dia a dia do lugar da internet na luta pela liberdade de expressão e justiça, em alguns dos contextos mais brutais e nos regimes mais repressivos do mundo.
Vale a pena ouvir toda a conferência, mas interessei-me especialmente pela “Teoria dos Gatinhos Lindinhos” de Zuckerman, sobre a revolução internética.
O argumento de Zuckerman é o seguinte: embora YouTube, Twitter, Facebook (e outros serviços sociais populares) não sejam eficazes para proteger dissidentes, ainda assim são o melhor lugar do mundo para iniciar dissidências, por várias razões.
Primeiro, porque se o YouTube cai, numa internet nacional, todos percebem, não só os dissidentes. Mas se um governo repressivo censura uma página que expõe a brutalidade oficial, só os que conheçam a página saberão do ato de censura.
E quando o YouTube é censurado, todos os que adoram ver gatinhos lindinhos descobrem que sua página preferida está fora do ar; começam a perguntam por quê, e assim acabam descobrindo que há vídeos que comprovam a brutalidade oficial, e que o governo censurou o YouTube para impedir que as pessoas vissem a brutalidade oficial.
Segundo, a ferramenta mais amplamente utilizada por governos opressivos contra páginas de dissidentes é o DDoS,distributed denial of service [negação distribuída de serviço], quando se mandam enormes ondas de tráfego das redes de milhares de PCs alinhados, que provocam sobrecarga no servidor alvo e derrubam a internet.
Serviços como Twitter, Facebook e YouTube sobrevivem muito melhor a esses ataques, que uma página doméstica de dissidentes.
Finalmente, Zuckerman argumenta que a lição da Primavera Árabe é que revoluções são iniciadas por pessoas comuns, oprimidas por sofrimentos da vida diária – prisões arbitrárias, corrupção e brutalidade policial – e essas pessoas usarão a ferramentas que conheçam, para se manifestar.
A primeira ideia que lhe passa pela cabeça, depois de você capturar um vídeo para telefone celular que mostre a polícia assassinando alguém não é “Vamos ver se há alguma ferramenta construída para ativistas, que eu possa usar para passar adiante esse clip”. A ideia que ocorre é “Melhor subir isso no Facebook/YouTube/Twitter, para que todos vejam”.
Esse último argumento é, para mim, o mais convincente. Embora ferramentas para ativistas sejam vitais para manter uma luta, elas jamais serão o primeiro recurso do sistema, quando acontecem os desastres.
O que implica que o único modo para garantir a segurança de ativistas, dissidentes e de todos que lutam contra a opressão, é, seja lá como for, convencer as pessoas que criam as ferramentas sociais mais populares a fortalecê-las para que suportem os confrontos das lutas reais.
Para começar, essa tarefa é dificílima. Mas é tornada ainda mais difícil ante as exigências dos governos “liberais” na Europa, Canadá, EUA e outras “nações livres”, que querem garantir que seus governos possam espionar os próprios cidadãos que apareçam nas mídias sociais.
Acrescente-se a isso a insanidade de leis como, nos EUA, a Lei Antipirataria [orig. Stop Online Piracy Act (SOPA)], que exige dos serviços que espionem os usuários e deletem links com conteúdo não permitido, e o problema torna-se ainda mais difícil.
Não é quadro estimulante. Mas, pelo menos, nos oferece um mapa do caminho.
Primeiro, temos de convencer nossos próprios governos de que, quando mandam espionar atrás das portas e apagar links das mídias sociais, garantem as mesmas capacidades também aos ditadores.
Segundo, é preciso fazer a conexão entre a aplicação das leis de copyright e a correspondente fiscalização e as lutas globais contra a injustiça, explicando sempre, tantas vezes quantas sejam necessárias, que é impossível ter um sistema que impeça a espionagem por polícias secretas, e permita a espionagem pelas majors das comunicações e mídia.
Finalmente, temos de convencer os empresários de que é do interesse deles promover as mudanças de arquitetura de sistemas que protejam seus usuários de prisões arbitrárias, tortura e assassinato, quando fizerem a transição não planejada, das páginas de gatinhos lindinhos para as páginas de denúncias de atrocidades.
Mas é 2012, e há anos pela frente. Vamos trabalhar.

Nota dos tradutores
[1] Para avaliar o que Zuckerman sabe do mundo, ouçam sua conferência (em inglês) onde fala até de “Cala boca, Galvão”. A ignorância dos norte-americanos sobre o mundo e a ilusão em que vivem, de que sempre conseguirão aprender rápida e facilmente o que não sabem, é REALMENTE IMPRESSIONANTE.

http://redecastorphoto.blogspot.com/2012/02/internet-e-o-melhor-lugar-para-comecar.html

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