sexta-feira, fevereiro 24, 2012

China: contra a diplomacia dos barcos armados


Li Qingsi é professor na Escola de Estudos Internacionais da Universidade Renmin da China

Depois que Rússia e China vetaram um projeto de resolução sobre a Síria, no Conselho de Segurança da ONU, dia 4 de fevereiro, a Assembleia Geral aprovou, dia 16 de fevereiro, uma resolução condenando a violência na Síria. Embora a resolução da Assembleia Geral não seja determinativa, ela pressionará ainda mais o governo sírio e pode vir a ser o primeiro passo para intervenção externa.

Conflitos sectários, fatores geopolíticos e, sobretudo, o envolvimento do ocidente, na linha de “dividir para conquistar”, já incendiaram várias contradições agudas e intensas no mundo árabe; e os confrontos armados na Síria ofereceram um pretexto para que o ocidente se envolvesse também lá.

A atual crise síria não diz respeito exclusivamente à proteção de direitos humanos, como o ocidente alega. O ocidente trabalha para derrubar o governo sírio e substituí-lo por governo pró-ocidental. A Síria é considerada um problema para a estratégia do ocidente no Oriente Médio, dadas suas relações muito próximas com o Irã e o Líbano, governados por grupos hostis aos EUA.

Para fazer-se presente no Oriente Médio, a Liga Árabe quer engajar-se na estratégia ocidental para o Oriente Médio. Decidida a questão síria por via não pacífica, o alvo seguinte do ocidente será, sem dúvida, o Irã.

O veto da China não significa que Pequim esteja alinhada ao lado do governo sírio, ou que não esteja vendo os conflitos sangrentos que se travam naquele país. Significa, isso sim, que a China não quer que a Síria acabe na mesma trilha desastrosa em que está hoje a Líbia, que, afinal, já levou a guerra civil em grande escala.

Como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a China tem a responsabilidade e o dever de defender a Carta das Nações Unidas, a justiça internacional e seu código de conduta; nesses termos, deve rejeitar todas as resoluções que impliquem violação da Carta da ONU e de seus objetivos.

Seria erro grave a China ver que uma resolução põe em risco a soberania de um estado membro e agride o direito, e não se manifestar contra a aprovação desse tipo de resolução.

A resposta furiosa do ocidente aos vetos de China e Rússia mostra que os vetos realmente deixaram à vista o objetivo ocidental de dominar o Oriente Médio e monopolizar as questões e as soluções em todos os movimentos da ONU, objetivo que o ocidente tentou camuflar sob declarações de que estaria tentando proteger direitos humanos na Síria.

O mundo já testemunhou várias invasões em estados soberanos e o assassinato de civis inocentes, feitos sempre em nome da intervenção humanitária. Desde o fim da Guerra Fria, todas as intervenções militares mostram que o ocidente, enquanto ostenta a bandeira da proteção dos direitos humanos, visa de fato, sempre, a proteger seus próprios interesses estratégicos globais ou regionais.

Seja nos países que foram invadidos depois dos ataques terroristas contra os EUA em 11/9/2001, seja nos países muçulmanos que promoveram ‘revoluções coloridas’ no ano passado, o que se viu foi que, em vez de proteger direitos humanos, as invasões e ‘revoluções’ só criaram instabilidade doméstica e situação humanitária ainda mais deteriorada.

A experiência mostra que, desde a Guerra Fria, países ocidentais, não importa quão sérias sejam suas divergências, sempre se unem, quando em conflito com países não ocidentais. Mesmo nos atuais tempos de globalização, permanece uma clara divisão entre o ocidente e o mundo não ocidental.

Por razões históricas e práticas, o equilíbrio de poder entre o ocidente, especialmente os EUA, e o mundo não ocidental, sempre foi desigual. Poder absoluto sem controle e limitações sempre leva à corrupção dentro do Estado; poder sem contrapoder na comunidade internacional também degenerará em autoritarismo e violência, que ameaçam a estabilidade de todo o planeta.

Depois da Guerra Fria, os EUA trabalharam para “manter firme controle sobre a ONU e oprimir a comunidade internacional”, e os países pequenos e médios não se atreveram a manifestar seu desagrado.

A reação histérica dos EUA ao veto da China mostra que os EUA ainda não se adaptaram à mudança na China. Num momento em que se ressuscita a política de barcos armados, agora sob novo disfarce, uma abordagem diplomática autodisciplinada e serena parece deslocada.

Se China e EUA puderem coexistir em paz, teremos aí um feito pioneiro, sem precedentes. Mas a história dos contatos entre China e EUA indica que essa cooperação pacífica não será alcançada mediante exigências e concessões, nem se deve contar com situações de ganha-ganha, movidos, nós, só pelo nosso wishful thinking. Disputar sem romper relações não deve ser a linha limite da atitude dos chineses face aos EUA. Só quando estivermos preparados para pagar o preço do rompimento, poderemos cogitar de disputar sem romper.

Não importam as dificuldades da situação externa: o crescimento da China não parará. Não, até que os diplomatas parem de apelar ao pensamento emocional, de ‘coração a coração’. Não, até que os sentimentos de 1,3 bilhão de chineses deixem de ser vistos como sentimentos de segunda classe, que se podem agredir sem risco. E não até que a China possa defender as leis e normas da ONU e a paz e a justiça no mundo, também com ações, além de só com palavras.

Como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a China deve corresponder à grande responsabilidade de salvaguardar a paz mundial. Para preservar a unidade, a China tem usado com extrema parcimônia o seu direito de veto.

Como membro da comunidade mundial, a China sabe que não pode realizar seus interesses sem cooperar com o mundo exterior. Mas a China também se manterá alerta ante os estados ocidentais que tensionarem demais a corda. Já tendo sofrido invasão por potências ocidentais, a China entende todo o sofrimento que daí resulta. Uma China emergente não repetirá erros de outros, porque o povo chinês sabe que o que não se quer para si não se deve impor aos demais.

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