terça-feira, setembro 05, 2006

Zé Dirceu entrevista Wanderley Guilherme dos Santos



Senhores e senhoras jornalistas e blogueiros da tucanaria pefelista uspeana udenista e todas as tucanarias, até a HH, o Babá e a Luciana Sogra (e outros, dos salafrários pós-graduados aos pós-graduados só-burros, no Brasil 2006):

Mandamos aí essa entrevista (leiam abaixo, se quiserem), porque a blogosfera lulista está lendo e discutindo essa entrevista, linha a linha.

A tucanaria 'ensinava' que sabia tudo e, agora, já mostrou que não sabia era naaaaaaaaaaaaaaaada que preste. Nós só sabíamos o nada-que-presta que aprendemos nas universidades da tucanaria e na 'mídia' da tucanaria, mas já estamos aprendendo TUDO que presta, aprendido às veras, de professores que prestam.



Do Blog do Dirceu, em http://blogdodirceu.blig.ig.com.br/
O PT tem de liderar a social democracia no país
5/9/2006 12:00:

"O PT tem de liderar a social democracia no país"

O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos (na entrevista, tem fotinho), diretor do Laboratório de Estudos Experimentais e pró-reitor da Universidade Candido Mendes, defende, em entrevista a este blog (Blog do Dirceu, claro), que o PT lidere a construção da verdadeira social democracia no país, declara-se contra qualquer reforma eleitoral que restrinja a competição entre candidatos e apequene a representação popular, e diz esperar muito de um segundo governo Lula. Diz que ele tem tudo para fazer o país crescer fortemente, com distribuição de renda.Autor de vários livros, entre eles, “Votos e Partidos - Almanaque de Dados Eleitorais: Brasil e Outros Países” (1ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas - FGV, 2002. v. 1. 384 p.), Wanderley Guilherme é um observador cotidiano da política no Brasil. Acompanhou, de perto, o duplo mandato de Fernando Henrique Cardoso, e mediu, em votos, sua base de sustentação parlamentar. Acompanhou, de perto, a crise do governo Lula. Diz que, a partir da visão de hoje, é mais fácil analisá-la. Afirma que o liberalismo tentou derrubar Lula, mas não conseguiu em função de sua base popular. Segundo Wanderley Guilherme, a crise sacrificou quadros importantes, destruiu sonhos e, em sua avaliação, colocou em pauta a urgência de uma reforma política, que vai muito além da reforma eleitoral. _____________________________________________

[ José Dirceu ] O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, recentemente, manifestou certa nostalgia lacerdista, dizendo que falta alguém com a impetuosidade do líder da direita que levou Vargas ao suicídio, para reverter a liderança eleitoral do presidente Lula. Qual o significado dessa nostalgia lacerdista?
[ Wanderley ] É o reconhecimento do ex-presidente de que, por vias legais – ou seja, via eleitoral, normal, regular, de acordo com a Constituição –, seu grupo político tem cada vez menos possibilidades de chegar ao poder. A lembrança de Carlos Lacerda é bastante sintomática. Também em 45, 64, era claro que por vias eleitorais e constitucionais, a UDN não tinha a menor possibilidade de chegar ao poder. Por se tratar de um partido sem paciência de esperar, por um lado, que crescesse a classe média do tipo que ele representava; e, por outro, que se reduzisse o tamanho do operariado desqualificado no Brasil e, portanto, surgisse o operariado mais qualificado que tendesse a votar na classe média. No longo prazo, a UDN conservadora poderia chegar ao poder por vias legais, mas teria que esperar.
[ José Dirceu ] No fundo, o Lula é que liderou esse operariado mais qualificado no Brasil e a parte da classe média que empobreceu.
[ Wanderley ] Exatamente. O PSDB atual é o único partido social democrata no mundo que abomina o Estado, hostiliza o sindicalismo e considera movimento social coisa de gentinha. Eu nunca vi um partido social democrata dessa natureza. O que mostra que tem que ficar restrito, como apoio social, a uma classe média conservadora, que teme mudanças. Faz todo sentido a declaração dele (FHC) como confissão de derrota, confissão de fracasso, confissão de ausência de cenários futuros para o seu agrupamento político. Se no passado, foi muito difícil a UDN ser bem sucedida nas suas tentativas golpistas – só o foi em circunstâncias muito especiais –, agora, então, não há a menor chance para esse tipo de proposta.

Ela é absolutamente minoritária, não somente do ponto de vista da política substantiva da maioria da população, que apóia os rumos do país, mas do ponto de vista da consciência institucional que a população já tem. Não há possibilidade; de modo que é patético.
[ José Dirceu ] Você costuma dizer que, desde 2003, a imprensa tenta “botar Lula debaixo de sua pauta”, ou seja, apoderar-se da sua imagem perante a opinião pública, para enfraquecer o seu governo. Na crise política, quantidades industriais de papel e tinta de imprensa foram mobilizados nessa direção. Por que falhou? [ Wanderley ] Falhou por reação de parte da elite política brasileira, mas, fundamentalmente, pela reação visível, preparada, disposta da população brasileira organizada, que já é expressiva. As pessoas não sabem, mas o país mudou. Também o Judiciário deixou claro que não aceitaria participar de uma armadilha como essa. O ator menos relevante no fracasso dessa tentativa, para minha decepção, foi o PT parlamentar; ele teve um comportamento extremamente acovardado, omisso, às vezes até cúmplice dessa tentativa de desestabilizar o governo. É preciso criar a competição no interior da mídia
[ José Dirceu ] Você também já disse que a mídia ocupa, hoje, o lugar das Forças Armadas de ontem, reivindica seu poder de veto equivalente aos militares desde 1964 a 85. Em que medida isso afeta a nossa democracia?
[ Wanderley ] É indispensável que se restabeleça uma competição real nos meios de comunicação, do ponto de vista de formação de opinião, de capacidade de difundir, buscar e fabricar noticiário jornalístico, fazer grandes reportagens. Porque o Brasil, nos últimos trinta anos, foi de um empobrecimento eloqüente. No Rio de Janeiro, você tinha o Diário de Notícias, o JB, o Correio da Manhã. Eram jornais que tinham seu público, eram fontes alternativas de formação de opinião que desapareceram. Portanto, uma das medidas indispensáveis, considerando que a imprensa hoje tem que estar associada, de uma forma ou de outra, às outras formas e veículos, como a televisão, é o governo ter um projeto de investimento, não necessariamente para empresas dele, mas para a garantia de funcionamento do mercado. Assim como exigem que o Estado intervenha na área bancária para garantir a competição, é preciso que exista a intervenção do Estado tanto regulatoriamente, quanto do ponto de vista do financiamento, para garantir o capitalismo na área das comunicações. Isso é fundamental.
[ José Dirceu ] Na verdade, a mídia não aceita nenhum tipo de regulação, porque, dizem, afetaria a liberdade de imprensa.
[ Wanderley ] Então, todos os países democratas do mundo são países que tem a sua imprensa censurada, porque a Dinamarca tem sua regulação para a área de comunicação; Suécia, Estados Unidos e Inglaterra também têm. Eu acho a Inglaterra um país, do ponto de vista da sua política em relação aos meios de comunicação e às editoras, com princípios autoritários. Intervém realmente, proíbe matérias na televisão, o Estado proíbe. Na França, é a mesma coisa. Nesse particular, o Brasil é a “casa da sogra”. Não tem regulação, mecanismos que permitam à população e aos atingidos cobrar ex-post responsabilidade da imprensa. Todo mundo é obrigado a prestar contas do que faz; com a imprensa não deve ser diferente.
[ José Dirceu ] Em um artigo seu, de 5 de julho de 2005, você cita a seguinte declaração de FHC em artigo no Globo: “Se nada for feito, caberá a quem venha a ser o candidato do PDSB nas próximas eleições, apresentar ao eleitorado um programa muito claro com reformas eleitorais, partidárias e da máquina pública. Caberá anunciar, de antemão, a disposição, se eleito, de recorrer a mecanismos de consulta à população para validar suas reformas”. O senhor comentaria então: “Se anunciada por Lula, essa proposta seria tomada como ameaça chavista”. Foi mais ou menos o que se deu, quando o presidente Lula falou em Constituinte. Afinal, os liberais querem reforma política ou golpe? [ Wanderley ] Eles querem a reforma política feitas por eles. Qualquer reforma política, que não a feita por eles, é golpe (contra eles, quer dizer, é democrático; quer dizer... eles chamam eleição... de golpe!).
[ José Dirceu ] O sistema político brasileiro pode ser reformado a frio, ou seja, a partir de emendas, ou seria necessário uma Constituinte? Talvez fosse melhor nós falarmos, antes, sobre o que seria uma reforma política, inclusive, frente às propostas que têm surgido no PT, no Congresso, que têm sido feitas pelo presidente Lula. Qual sua avaliação?
[ Wanderley ] A reforma política, para alguns, é uma forma de não discutir questões que podem ser tratadas, e priorizar outras que não podem ser tratadas. O ponto dois é que, com a bandeira da reforma política, fica subentendido que o sistema político brasileiro está imutável pelo menos desde 1988, com promulgação da nova Constituição, o que rigorosamente não é verdadeiro. Desde então, têm ocorrido avanços importantes na feitura do orçamento, na legislação sobre medidas de emergência, medidas provisórias. Até mesmo, nos decretos de emergência, de urgência. Eu estou revelando a minha falta de conhecimento; só muito recentemente eu me dei conta do que estava acontecendo.
[ José Dirceu ] Realmente houve mudanças importantíssimas, o presidente perdeu grande parte do poder que tinha, o Congresso passou a ser quase senhor da aprovação das medidas provisórias. Na verdade, antes, o presidente podia prorrogar uma medida provisória quantas vezes quisesse. Isso acabou.
[ Wanderley ] Houve uma mudança de foco, de qualidade. Eu me dei conta, conversando com alguns colegas que estudam diferentes aspectos, que isso vem acontecendo em várias dimensões. Este ano, nós estamos vendo, diariamente, nos jornais, uma modificação democraticamente saudável, embora não em todos os seus aspectos, que é a posição dos tribunais eleitorais. Lembra um pouco o período do no final do século XIX às duas primeiras décadas do século XX na Inglaterra, que foi o primeiro movimento de “mãos limpas”. Um negócio impressionante, a Justiça entrando e, realmente, dando uma limpeza geral.

A participação da Polícia Federal e dos órgãos de controle do poder central na limpeza da máquina administrativa tem a ver com as diversas dimensões do sistema político. Quando se fala sistema político, se pensa só em sistema eleitoral, ou em forma de avaliação de partido ou em forma de voto. Mas é uma coisa que envolve muitas outras dimensões, como os controles internos do Estado, o controle social sobre o Estado. Eu não tenho muito a dizer sobre a reforma política porque decidi, agora, estudar o que aconteceu com o sistema político brasileiro a partir de 1988, desenfatizando o aspecto do sistema eleitoral e partidário, que é o que mais chama a atenção. Em relação às propostas relativas a plebiscito, referendos etc., elas já estão garantidas na Constituição. As leis de iniciativa popular não dependem de mudança na legislação, mas de você ter uma representação popular para fazer valer seus direitos. Fora isso, as propostas reais têm a ver com o fato de que, diante de uma democracia de massa, com pouquíssimos freios à competição, que é bastante estimulada pelo sistema brasileiro, isso torna a vida dos políticos, de modo geral, um inferno. A competição é enorme.
[ José Dirceu ] Enorme e cara.
[ Wanderley ] Enorme e cara. Do ponto de vista dos setores de elite mais organizados, é sensível o preconceito a essa invasão da vida política por parte dessas figuras que aparecem na televisão, na propaganda gratuita. “Como essas figuras se apresentam como candidatos?” Há uma óbvia tentativa, dentro da democracia, de tornar a organização da vida e da competição política oligarquizada. No período que foi de 45 até 62, a última eleição proporcional, a competição era baixíssima.

No Nordeste nós tínhamos cerca de dois, três candidatos por cada posto. Hoje, a realidade é outra. O cacique político até indica o filho como candidato; mas, para o posto que ele está concorrendo, tem mais quatro ou cinco. Hoje a competição, no Brasil, é como na Holanda, em Israel; é brava. Em países, sobretudo, com a representação proporcional, a competição é extremamente intensa. Isso não é do agrado dos políticos.
[ José Dirceu ] A cláusula de barreiras, fim da coligação proporcional, fidelidade partidária, financiamento público e a discussão que se faz voto distrital misto proporcional ou lista partidária fechada ou aberta, seriam uma forma de caminhar para uma elitização da disputa eleitoral no Brasil? Muitos setores de esquerda do Congresso têm essa opinião. Em parte, eles estão se auto-protegendo porque não têm voto já que não conseguiram, de 1982 até 2006, a não ser em situações muito particulares, mais do que 2 ou 3% de votos. Estou falando de PTD, PPS, PSB, PC do B, PV. Na verdade, o PMDB, o PFL, PT e PSDB, pela ordem de criação, os quatro vão ter nessa eleição, provavelmente, 65% ou 70% dos votos para a Câmara dos Deputados. Se essa é a sua opinião, o que teríamos que fazer para impedir o que está acontecendo no Brasil hoje? Por exemplo, siglas de aluguel, os governos não conseguem formar maioria, corrupção... [ Wanderley ] Primeiro, queria discutir essa questão da maioria parlamentar. São pouquíssimos os países em que você tem o governo executivo com maioria na Câmara, pouquíssimos. A não ser algo como a Inglaterra, o sistema obriga isso.

O Adam Pzeworski fez um levantamento num período longuíssimo e encontrou situação semelhante à da Inglaterra apenas na Nova Zelândia e na Austrália, o mundo anglo-saxão. Esse imperialismo, na visão da política anglo-saxã, é inacreditável.

Quem disse que o Parlamento tem que dar maioria? Parlamento é para respaldar as opiniões da sociedade, e só dá maioria se estiver de acordo. É uma coisa ex-post. Portanto, conviver com um governo tendo que constituir maioria no Parlamento é uma defesa da democracia. Custa, implica em tempo de decisão, em negociação, mas isso é da natureza da democracia, você tem que demorar sim, negociar, mudar propostas, ajeitar. A eleição existe para fazer uma Casa que represente o povo, não é para fazer a maioria do governo; fazer maioria é problema do governo, não do eleitor.
[ José Dirceu ] E quanto ao número de partidos? Você é a favor ou contra a cláusula de barreira?
[ Wanderley ] Tenho pesquisado e vejo que esses partidos pequenos não custam, nem em desperdício de votos – do total de votos válidos aquilo que vai para os partidos que não elegem ninguém, é vírgula qualquer coisa. O custo na televisão do horário eleitoral desses pequenos partidos não é nada diante do custo da democracia, que é elevado. Nas últimas eleições, foram quase R$ 1 bilhão; PT, PSDB, PFL, PMDB, isso é que custa. Qual é a importância da existência dos pequenos partidos? É a representação popular. Certamente, você tem pequenos partidos vendendo seu tempo de televisão, o que é crime. Mas a saída não é acabar com os pequenos partidos. Vou dar um exemplo extremo. Há, em Israel, um partido mulçumano que elegeu um representante entre mais de 80. Qual a importância desse cara? Nenhuma, exceto para os 400 e tantos mil eleitores que vêem, no seu representante, a única voz institucional lá dentro. Se não tiverem o representante, vão falar aonde? Jamais alguém ouviu falar que esse cidadão tenha criado problemas para o funcionamento do Parlamento, mas se ele é tirado de lá, você vai ver 400 mil mulçumanos na rua de Belém, Jerusalém, Haifa ou de onde seja, criando problema ou formando uma milícia.
Quem cobrou preço elevado ao Fernando Henrique Cardoso e todas as suas medidas provisórias e emendas constitucionais não foram os pequenos partidos, foi o PTB, que não é um pequeno partido. Eu tenho isso comprovado. Nas votações, quando faltava um voto, quem dava era o PTB.
As pequenas legendas não prejudicam o governo, nem o Parlamento. Se você introduz uma legislação que, além de eliminar esses partidecos,tira partidos como PSB, PDT, PC do B, PPS, PV, que têm expressão em votos, você reduz a representação popular democrática. Eu sou contra a cláusula de barreiras, porque o eleitor faz essa barreira. Sabe qual a cota de barreiras que nós temos? A cota eleitoral, o coeficiente.
[ José Dirceu ] Em São Paulo, o coeficiente é de 280 mil votos para eleger o primeiro deputado.
[ Wanderley ] Não é brincadeira. O Brasil não tem cota, como não tem? Tem e é muito dura.
[ José Dirceu ] Concordo que a reforma política não pode se limitar à reforma eleitoral. Temos problemas no próprio orçamento, já que os municípios, hoje, dependem do governo federal – é um absurdo que o governo federal lá de Brasília financie um posto de saúde de R$120 mil numa cidade no interior de Minas ou do Piauí –, problemas de gestão e controle do Estado, de necessidade de maior transparência e ampliação do controle social.
[ Wanderley ] Sim, e de implementação das políticas do Estado. A 300 km de Brasília para o Norte ou Centro-Oeste, ela não vale mais, porque você não tem um Estado capaz de garantir a implementação. Isso é reforma política. Esse é um tema que tem a ver com a reforma administrativa. Hoje, temos, no Brasil, uma sociedade de massa, mas o Estado não foi preparado para servir a essa sociedade. E não serve não apenas no que diz respeito a serviços mais modernos, mas nas questões fundamentais da Constituição. Nosso Estado é incapaz de garantir o direito de ir e vir, de opinião e organização no Brasil todo. O Estado não tem condições, por exemplo, de garantir ao cidadão brasileiro de Rondônia o exercício dos seus direitos constitucionais fundamentais. Fazer com que o Estado tenha essa capacidade é, para mim, uma reforma política fundamental. Você tem que ter o império do Estado, a soberania dele garantida em todo o território nacional.
[ José Dirceu ] Na entrevista do professor Dalmo Dallari a este blog, ele defende, para melhorar a qualidade da representação, o voto distrital misto, que aproxima o representante dos eleitores que o elegeram, e a fidelidade partidária. Como você vê essa questão da qualidade da representação? O político brasileiro conhece o seu eleitor?
[ Wanderley ] Em primeiro lugar, fidelidade partidária tem a ver com o cumprimento das decisões do partido e não com a opinião do eleitor. A opinião do partido pode, em certas circunstâncias, diferir da opinião do eleitor daquele partido. Outra coisa é o mandato imperativo, aquele no qual o representante só faz aquilo que o eleitor quer. Parece possível, mas não é possível isso. O eleitorado é muito heterogêneo, os eleitores, com motivações diferentes, votam numa mesma pessoa. Nós temos que ver qual das duas teses, as pessoas que tem essa posição, de fato, admitem. Por um lado, criticam os políticos brasileiros pelo fato de que eles só atendem, só fazem propostas de emenda e leis para atender o seu grupo eleitoral. De outro lado, dizem que depois de eleitos, eles não querem saber dos eleitores. Qual das duas é verdadeira?
[ José Dirceu ] Você está convencido de que, no modelo atual, há qualidade na representação?
[ Wanderley ] Inventa-se um mundo que não é o mundo da realidade, em que o eleitor não conhece o eleito, que o eleito não dá bola para o eleitor. Isso não existe em lugar nenhum do mundo, nem aqui. O político não é burro, ele precisa estar lá. Ele sabe perfeitamente quem é o seu eleitor, o que o eleitor precisa e mais, por razões do nosso federalismo capenga, sabe como tem que fazer. Só poucos, os ladrões fazem para botar no bolso; os demais fazem emendas parlamentares porque têm que botar uma placa não sei aonde, porque dependem do governo central. Eu não quero um representante dessa natureza. Quero que ele trabalhe. Eu quero um país em que as necessidades básicas da população não precisem que um deputado federal passe o seu tempo nos corredores do Ministério fazendo isso. E, depois, eu quero um cidadão que me ajude a pensar, porque eu voto em candidatos, tenho votado em candidatos que eu não penso igual a eles. De repente, o cara vai fazer o que o eleitor quer. Qual eleitor? Eu ou o meu colega? A questão da representação é complicada, não é tão simples assim. O político brasileiro conhece o seu eleitor, trabalha por ele, a maioria deles. Existe um contingente que não representa nada, nem aparece lá. Por isso mesmo, não é verdade que o eleitor não tome satisfações; a taxa de derrota é grande.

Eu fiz os cálculos: só entre 35% e 38% dos que têm mandato federal conseguem se reeleger. Então, não se conhece direito como a política no Brasil funciona, de fato.
[ José Dirceu ] Como você vê o fenômeno da corrupção na política?
[ Wanderley ] Temos que entender que a corrupção é um fenômeno dentro da política, sobretudo, da política de massas, como é dentro do comércio. No comércio, a ilegalidade é a mercadoria estragada, a sub-nota etc. A ilegalidade em política chama-se corrupção, ou seja, você vender um benefício em prol de alguma coisa. A ilegalidade existe em toda atividade humana, o problema é como se controla. Isso não é um fenômeno atual, vem de meados do século XIX. Naquela época, a pessoa, para se candidatar, precisava comprovar uma determinada fortuna. A renda necessária para se candidatar foi sendo reduzida. O John Stuart Mill, economista inglês, lutou para a redução da renda necessária para se candidatar. Ele se candidatou, levou uma surra completa, ficou uma fera e disse: “Antes da reforma, você precisava ter uma fortuna para ser político, hoje você tem que gastar uma fortuna (para se eleger)”.
Qual a diferença? Aquilo era uma política de elite, política conservadora, o eleitorado era 6% da população, era nada e não havia televisão. Hoje, você tem o mesmo fenômeno que sempre aconteceu em qualquer atividade, ações e atitudes ilícitas envolvendo, inclusive, dinheiro, porém numa magnitude maior, porque estamos numa cultura de massas. O que significa que temos que criar também instrumentos novos para coibir a corrupção. Impedir é impossível, porque, mesmo mudando o sistema eleitoral, não se elege só gente boa. Sistema eleitoral não filtra caráter, filtra quem tem voto e quem não tem voto.
[ José Dirceu ] O que fazer para moralizar? Alterar as formas de elaboração do Orçamento Geral da União, por exemplo? Quais as suas propostas para as emendas parlamentares?
[ Wanderley ] Como disse, não tenho propostas, estou estudando. Até recentemente, estava focando na parte errada da reforma política. Não tenho proposta detalhada do que fazer, mas temos que ter reformas, mas não pensando em grandes legislações, grandes alterações, grandes ações constitucionais. Às vezes, com uma simples medida ordinária, você faz uma revolução no país.
[ José Dirceu ] Você já se manifestou contra alguns pontos da reforma política que está sendo discutida. E como vê a fidelidade partidária?
[ Wanderley ] Fidelidade partidária eu sou a favor. Fim das coligações também sou a favor. A fidelidade partidária é importante porque introduz um pouco mais de estabilidade no planejamento do governo e dos próprios partidos. O governo, sabendo qual a distribuição dos parlamentares no Congresso, pode montar os tipos de propostas e concepções, que tipo de coligações são viáveis e quais não são viáveis. Facilita a negociação. Por outros fatores, pode encarecer, aqueles que vão entrar em negociação, sabem que são a única alternativa. Mas não há saída. Em relação ao financiamento público de campanha, é preciso estudar melhor e tem que ser muito bem feito. Eu já fui muito favorável. Eu não sou favorável como está sendo encaminhado.
[ José Dirceu ] O financiamento público não é possível com o sistema de voto uninominal que nós temos. É viável na lista partidária ou no voto distrital misto...
[ Wanderley ] Pode fazer sim, na Alemanha, que adota o voto distrital misto, você tem candidatos avulsos.
[ José Dirceu ] O essencial, na sua tese, é de que temos uma democracia de massas, e não se devem criar mecanismos que possam elitizar a representação. Assim, você é contra qualquer medida que não preserve esse princípio. É isso?
[ Wanderley ] Exatamente. Até porque elitizar a representação dificultaria – e já estou fazendo polêmica – se constituir, finalmente, o partido social democrata brasileiro liderado pelo PT.

Com aquele partido social democrata, o PSDB, que, como descrevi, abomina o Estado, hostiliza o sindicalismo e detesta movimento social, nós estamos mal. Agora, esse nosso novo país, que começou a se formar nas eleições de 2002, tem que ter um verdadeiro partido social democrata. Vemos, pelo padrão de financiamento das campanhas de 2002, que o Lula teve financiamento de vários segmentos econômicos. Estou falando de caixa 1. Já 46% do total dos recursos da campanha do Serra vieram do sistema financeiro.
Para mim, é importante tentar construir o verdadeiro partido social democrata. É preciso fazer uma coligação, não necessariamente formal, movimento que se faz na sociedade, nos organismos, nos conselhos etc., envolvendo o capital progressista e o trabalho organizado, os movimentos organizados. É isso que faz avançar a democracia. O povo topa a existência do lucro desde que a gente discuta o que vai fazer com esse lucro, uma parte para investimento, para garantir emprego. É assim na Suécia, na Dinamarca, na Holanda. O lucro é problema do mercado, “vocês se virem”. Depois, as partes se sentam para conversar. E há instituições para conversar. Parte desses lucros obtidos pelo capital privado, por exemplo, é destinada a garantir emprego; outra parte vai formar um fundo para a política social, que não pode ficar ao sabor e ao azar de mercado. Vamos aceitar a tese que política social não pode ficar subordinada ao mercado. Parece simples, mas leva séculos. Quem está fazendo essa negociação com o capital é o PT, agora se for falar isso para a militância do PT, você é apedrejado.
[ José Dirceu ] Quando eu falei que o PT era um partido social democrata de esquerda, eu quase apanhei. Isso foi em 1991/92, quando estávamos discutindo a crise do socialismo. Falei em partido social democrata de esquerda para diferenciar dos partidos social democrata de direita.
[ Wanderley ] Eu acho que as propostas de reforma eleitoral que estão sendo colocadas vão acabar reduzindo a competição na política. Se isso vier a ocorrer, vai dificultar que o país dê esse grande passo demandado pela democracia que é a construção da verdadeira social democracia.
[ José Dirceu ] Nesse último ano, ano e meio, o mundo político e a mídia, o país, enfim, viveu em torno do caixa 2, mensalão e, agora, o sanguessuga. Eu, inclusive, sou o principal personagem nessa história toda, já que fui acusado, pelo Ministério Público, de chefe de quadrilha do mensalão e do caixa 2. Que avaliação você faz desse período? Quanto de tudo que aconteceu nas CPMIs era combate efetivo à corrupção do caixa 2 e quanto era tentativa de derrubar o governo?
[ Wanderley ] Foi uma sucessão de coincidências e somatório de boa fé e má fé, de incompetência de administração da crise. Olhando a crise a partir deste momento, vejo que, se a oposição tivesse conseguido vencer, teria dado um golpe, mesmo por via constitucional. Como perdeu, acabou ajudando a campanha do Lula, foi como se tivesse lhe dado um atestado. Mas o preço da crise foi elevado. Nós perdermos muitos quadros. Pode parecer elogio por causa da presença, mas sempre o admirei como uma das melhores cabeças do PT. Se não estou enganado, você começou a perder a batalha quando perdeu a tese da coligação com o PMDB. Ali começou o seu enfraquecimento.
[ José Dirceu ] Quando Lula negou pela segunda vez a formalização de uma coligação ampla com o PMDB, em 2004 e 2005, eu quase sai do governo. Isso vai acabar mal; vai sobrar para mim, pensei. E sobrou.
[ Wanderley ] A segunda escorregadela foi a tentativa do João Paulo Cunha (então presidente da Câmara dos Deputados) de tentar a reeleição quebrando a regra do Parlamento. Isso desbaratou a base do governo. Então, essas coisas somaram. O preço foi muito elevado, mas é difícil discernir, passado tudo isso, se soma pontos ao Lula. Está somando, eu acho.
[ José Dirceu ] Você está de acordo com a tese de que o PT vai sair muito enfraquecido dessas eleições?
[ Wanderley ] Não acredito. A eleição para presidente da República está resolvida. O que não estou conseguindo sentir é o que o eleitor vai fazer em relação aos representantes proporcionais, aos deputados.
[ José Dirceu ] Os candidatos não estão entendendo como vai ser o resultado, porque a campanha mudou, perdeu a parafernália visual, outdoors, cartazes, carros de som, showmício, camiseta, botton. Os candidatos sentem que não tem campanha. Eu vejo muito candidato indeciso.
[ Wanderley ] A eleição do Congresso está difícil de avaliar.
[ José Dirceu ] Como você imagina um segundo governo lula?
[ Wanderley ] Eu acho que vai ser melhor do que o primeiro.
[ José Dirceu ] O que ele precisa fazer melhor?
[ Wanderley ] Crescer, botar o país para crescer. Dinheiro já há, recursos já há. Brilhante serviço na área de dívidas, o pagamento de dívida externa está acabando, a interna pode ser equacionada. Não há porque não se ter políticas de crescimento econômico e agressivo, e distribuição de renda. Aumentar esses programas. Como eu não vejo o que pode impedir isso, acho que pode ser um excelente governo.
[ José Dirceu ] Eu vou voltar à questão dos movimentos sociais. No meio da crise, o senhor dizia que uma de suas causas tinha a ver com o fato de o PT ter falhado como articulador dos movimentos sociais. Você acha que o governo recuperou essa capacidade? O que o senhor espera em relação aos movimentos sociais, no segundo mandato?
[ Wanderley ] Se tiver alguma porcentagem de verdade que, entre outras coisas que estão acontecendo, o PT vem se transformado num verdadeiro partido social democrata, vai reconstruir suas relações com os movimentos sociais. Além de o PT, o governo, ter ficado um pouco arrogante em relação aos movimentos sociais, por outro lado, há também o fato de que os movimentos sociais se afastaram do governo. Eu espero que os movimentos sociais evoluam, eu não quero saber o que o governo está fazendo nesse sentido, mas o que os movimentos sociais vão fazer em termos de repensar e se pensar direito, e parar de falar por cacoetes e estereótipos. Estamos cansados de ouvir isso, é uma tristeza.

Esses debates, pessoas que estão formando pessoas e não têm informação real das coisas que estão acontecendo. O que pode acontecer, caso permaneçam como estão, é se tornarem estéreis e deixarem de ser representativos.
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