"- A bolsa ou a vida?" - antigamente dava-se este direito de escolha aos distraídos e desavisados que se arriscavam pelas esquinas escusas em horas escuras. Amigos cariocas, paulistanos ou de qualquer grande cidade brasileira me contam que hoje apenas berram: "- Perdeu!" - e seja qual for a hora da noite ou do dia, em qualquer lugar, levam o que o cidadão tiver no momento: bolsa, carro, relógio, cartão de crédito, saldo bancário integridade, segurança, resgate. Se não tiver nada, levam sua vida. Muitas vezes, mesmo que pague pela sobrevivência, é morto por puro desespero ou desumanidade. Outra vezes, perde toda a família: a filha pro estupro, o filho para as drogas. Aí o cidadão distraído acredita na propaganda afirmando ser seu filho quem financia a violência do crime organizado ao adquirir a droga que consome. Distraído e acomodado, preguiçoso, o cidadão acredita. Se fizesse um mínimo de esforço para raciocinar por si própiro, ao invés de repetir o que se diz na TV, concluiria que impossível aos ditos comandantes do tráfico adquirirem arsenais tão sofisticados, sempre repostos, a cada apreensão policial. Se não tivesse raciocínio tão condicionado, o cidadão concluiria que por maior que seja a freguesia de um bando, de um bairro de periferia, de um morro, se o tráfico rendesse a quantia necessária para a aquisição dos fuzis e obuses de que se armam seus "soldados", ao menos os líderes, os chefes de quadrilha, esses que a imprensa geralmente noticia como fugitivos, já seriam milhardários. Acreditando na imprensa, o cidadão bestificado não consegue perceber que só para essas armas chegarem ao país e serem distribuídas nos morros e periferias, se faz necessária a montagem de toda uma logística que requer muitas influências, corrupções e, sobretudo, dinheiro. Muito dinheiro. Dinheiro do chefe do bando que vive escondido em barracos, encafuado em moquifos? Se o cidadão não fosse tão preguiçoso, logo concluíria que impossível, idiota e ridículo um raciocínio desses, e acabaria desconfiando que quem financia o armamento e todo o tráfico de drogas que lesa o cerébro de seu filho viciado, está bem longe do morro ou da periferia. Mas aí se correria o risco de que esse cidadão da cidade, do bom bairro de classe média, desconfiasse também que quem financia o arsenal do crime organizado não é a "trouxinha" ou o kg. que seu filho e os amiguinhos de seu filho compram para animar os embalos dos finais de semana. E vai que esse cidadão comece a ficar mais ou menos inteligente e, de repente, se apercebe que quem financia o armamento pesado do tráfico é seu próprio voto! Então aí é que entra a TV, o jornal, a revista. Aí é que entra a mídia para lesar seu cerébro e fazer com que você acredite que o culpado do seu sequestro, do estupro de sua mulher ou filha, ou da sua própria morte, é dos amiguinhos daquele filho que "trouxinha a "trouxinha", "muca a muca", "galo a galo", "tijolo a tijolo" teriam construído o paiol de cada fortaleza do crime organizado. E a partir daí você nem mesmo consegue raciocinar que seu voto teve algo a ver com dois sequestros seguidos de toda a população de uma das três maiores cidades do mundo, ambos comandados de dentro de um presídio de segurança máxima. Você não consegue sequer desconfiar da coincidência entre o governo daquele estado que deveria ser o de maior em segurança do país, e o terror disseminado por uma facção do crime organizado. No entanto, muito mais idiotizado do que a cabeça de seu filho pela cocaína ou pelo exctasy, você bate a mão no bolso e acredita que é ali que está sendo lesado, a cada vez que a mídia o convence de que o programa Bolsa Família é esmola. Imbecilizado, você não é capaz, sequer, de comparar a progressão da violência urbana nas década de 80 e 90, com a contenção e até mesmo franca regressão em estados há mais tempo governados por programas correlatos e complementares ao do governo federal. Não lhe é possível compreender que ao dar condições ao mais pobre para que se estabeleça em seu local de origem, ao oferecer condições mínimas de sobrevivência, ao criar vínculos familiares, meios de frequência ao estudo básico, base para que as multidões de miseráveis ascendam dessa condição para a de cidadãos produtivos, contribuintes com o desenvolvimento do país; se está desviando a mira do cano de um revólver de sua própria cabeça, diminuindo as probabilidades de violência de estupro de sua filha, reduzindo a reposição do contingente do exército do tráfico. Da mesma forma que não lhe é possível saber a que são embaladas as festinhas das redações da grande imprensa que tão bem o convencem dos males das drogas que eles mesmos consomem, da mesma forma que não lhe é possível saber como aqueles que você ajuda a eleger ao Congresso ou à Assembléia e governo do seu estado, ou Câmara Muncipal e prefeitura de sua cidade, compram os votos de comunidades inteiras de morros e periferias, entregando alí, onde nem a polícia tem acesso, carregamentos de fazer inveja a muitos exércitos e grupos de guerrilha de vários países. Aí, nas próximas eleições, você, Zé Ninguém da classe média estupidificada e incapaz de qualquer raciocínio próprio, vai depositar seu voto na urna, indignado contra um governo que lhe induziram a acreditar que está dando esmola. Você não será capaz de ver, mas nesse momento estará apontando uma arma para a própria cabeça. Não será o seu dedo que terá controle sobre o gatilho, mas você é quem estará voltando a arma contra si mesmo e contra sua família. Você não será capaz de ouvir, mas ao apertar o botão confirmando seu voto, alguém vai estar lhe confirmando: - Perdeu! Mas você ainda tem um ano e meio para usufruir desse direito que também lhe convenceram que seria excluído pelo atual presidente. Lembra-se de mais essa mentira, quando pela internet corria a revelação apócrifa de um plano de golpe por um terceiro mandato? Todas as covardes mentiras contra o atual governo são apócrifas, mas você acredita nelas tanto quanto acredita na mídia que também insistiu, a exaustão, no tal plano de manutenção no poder. Mas mesmo acreditando em qualquer mentira que lhe contam, você tem o prazo regulamentar de um ano e meio para escolher o que prefere para depois de 2010: o bolsa família ou a vida?
Raul Longo
/// |