Argentina contra a privatização do futebol
A Argentina é dos países que tem os torcedores de futebol mais fanáticos. Às segundas-feiras os jornais têm suplementos esportivos em que cada jogo do campeonato tem pelo menos uma página, qualquer que seja sua importância. Um jogo mais importante pode dispor de uma quantidade incrível de páginas para relatá-lo e comentá-lo. Há jogos que não são transmitidos diretamente, mas em que canais reproduzem a transmissão por rádio, enquanto as câmaras focalizam as torcidas dos dois times que jogam, sem nenhuma cena da partida. Os canais alegam que, qualquer que fosse o programa que colocassem no ar, a audiência iria seguir o jogo pelo rádio, então se transmite essa incrível combinação entre transmissão por rádio à que se agregam cenas das duas torcidas.
Isto se dá porque há 18 anos existia um monopólio de transmissão das partidas de futebol por uma única grande corporação privada – a do Grupo Clarin – que transmitia apenas um jogo por semana, às sextas-feiras à noite, sempre um jogo secundário, nunca algum do Boca ou do River, as equipes mais populares do país.
Para ver os outros jogos, os argentinos tinham que pagar canais a cabo e, ainda assim, para as partidas das equipes mais importantes, tinham que pagar uma taxa adicional.
Enquanto esse grupo ganhava somas milionárias com a privatização das transmissões de futebol, que vedava à grande maioria dos argentinos ver o seu esporte preferido e o lazer de grande parte deles, os times de futebol do país estão quebrados. A ponto que a Associação de Futebol Argentino (AFA) suspendeu o começo do campeonato argentino pela generalizado atraso de pagamento dos salários dos jogadores em praticamente todas as equipes.
Estas pediram ajuda econômica do governo, que se negou a simplesmente transferir recursos aos clubes, mas se desenvolveram discussões dentro da AFA com as direções das equipes, que desembocou numa proposta ao governo para que se rompesse o contrato com o Grupo Clarin e se estabelecesse um novo esquema de transmissão das partidas que, ao mesmo tempo, permita que os argentinos tenham acesso, por TV aberta, aos jogos, e que as equipes possam receber recursos que lhes eram negados pelo esquema que sobreviveu até agora.
O novo acordo, aprovado consensualmente pelos clubes em assembléia da AFA, e referendado pelo governo, prevê que cinco jogos serão transmitidos pelo Canal 7, a TV pública, e outros cinco serão transmitidos por canais privados, conforme licitação pública, todos em canais abertos. O governo colocará recursos iniciais, mas tem certeza que os recuperará com publicidades.
O Grupo Clarin, que vedava à grande maioria dos argentinos o acesso às partidas – a ponto que os gols da rodada só podiam ser transmitidos por outros canais depois da meia-noite do domingo, nunca um clássico Boca-River foi transmitido por sinal aberto – radicaliza a brutal oposição da imprensa diária – escrita, radiofônica e televisiva – ao governo, chegando a apelar à embaixada dos EUA (sic) para que mobilize os acionistas norteamericanos para que ajudem a tentar bloquear, política e juridicamente, o novo acordo entre a AFA, os clubes e o governo argentino.
Exemplo a ser considerado, mais ainda quando se desenvolvem no Brasil já os debates sobre a Conferência Nacional de Comunicação, com o tema da democratização dos meios de comunicação. Enquanto isso podemos esperar que a campanha nacional e internacional contra o governo de Cristina Kirchner, diante dessa medida democrática, eleve o seu tom, supostamente em nome da “liberdade de imprensa”.
por Emir Sader
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