quinta-feira, agosto 27, 2009

Suplicy é um calado ressentido


Suplicy e o cartão vermelho

 

O PT é um partido sem mídia.

O PSDB é uma mídia com partido.

 

Mauro Carrara

 

Em À Sombra das Chuteiras Imortais, Nelson Rodrigues, bem descreve o juiz ladrão, figura folclórica e indefectível no universo do ludopédio.

 

O cronista e dramaturgo, entretanto, lamenta o desaparecimento do vigarista declarado, do canalha que não tem vergonha de sua falta de escrúpulos.

 

Ele conta dos gatunos autênticos da segunda década do Século XX. Cita um, em específico, que cedia gentilmente a todas as tentativas de suborno.

 

“O canalha é sempre um cordial, um ameno, um amorável”, escreve.

 

Em certo match, lá por 1.917, o sujeito resolve levar propina dos dois lados e rouba de maneira desenfreada e imparcial os dois quadros.

 

Ao findar o jogo, todos os 22 correm para cima do democrático ladrão, que escapa pulando muros e galinheiros.

 

Rodrigues lamenta que esse transparente safado tenha sido substituído por outros contidos e frustrados.

 

De fato, falta-nos a impagável cara-de-pau do juiz ladrão declarado, como aquele vivido por Otávio Augusto, no filme Boleiros, do inspirado palestrino Ugo Giorgetti.

 

A roubalheira no futebol de hoje é muito mais técnica e sutil. Há, pois, verdadeira ciência de prestidigitação para conceder à vigarice um ar de inevitável e inocente casualidade.

 

O futebol, assim como a política, define vencedores e perdedores na escala dos detalhes. Um esbarrão pode virar pênalti, de acordo com a conveniência do árbitro, e o empate heróico logo se converte em derrota.

 

O ladrão profissional de hoje apita tudo direitinho, mas em algum momento premia o comprador.

 

Age com rigor ao expulsar o jogador do Arranca-Toco, o que não escandaliza nenhum comentarista. Pois, de fato, o zagueirão mandou ver na canela do adversário.

 

Dizem todos: “o juiz está corretíssimo em coibir a violência”.

 

O mesmo severo árbitro, entretanto, não bota na rua os bárbaros do Bicudo FC, que fazem igual ou pior. Rigor ali, condescendência aqui.

 

E lá na cabine de rádio ninguém se assombra dos não-expulsos. O “deixa-passar” é logo esquecido e raramente se transforma em polêmica nos periódicos do dia seguinte.

 

Logicamente, o moderno juiz ladrão tem outras artimanhas. Pode assinalar os impedimentos do jogo, mas deixar passar um, justamente aquele que define a classificação. Elegância e cara feia completam a encenação.

 

O Partido Mudo e a punição por símbolos

 

Na Copa do Mundo da Inglaterra, houve enorme confusão na partida entre os donos da casa e os argentinos, pelas quartas de final.

 

Ao término da partida, as pessoas não sabiam ao certo o que o árbitro alemão Rudolf Kreitlein tinha marcado num lance em que admoestou vários jogadores.

 

Havia a barreira da língua. Atletas e árbitros não conseguiam se comunicar.

 

Foi assim que o inglês Ken Aston, do Comitê de Árbitros da FIFA, resolveu instituir os cartões amarelo e vermelho para clarificar as decisões da autoridade em campo.

 

O sistema passou a vigorar já na Copa do Mundo seguinte, em 1.970, no México.

 

Não por acaso, pois, os cartões começaram a ser utilizados para remediar os problemas causados por quem não sabia se comunicar. Foi um alívio para mudos, gagos e toda sorte de atrapalhados com as palavras.

 

Dias atrás, vimos o Senador Suplicy subir à tribuna e posar de árbitro informal da crise parlamentar.

 

Depois do palavrório enrolado, o arauto da moralidade resolveu sacar um enorme cartão rubro para o presidente da casa, José Sarney.

 

O episódio é revelador do comportamento recente do Partido Mudo. Distante do bom discurso e da argumentação, perdido nas malhas grossas do twitter de Mercadante, a agremiação reduziu sua comunicação a um pedaço de papel colorido.

 

Estranhamente, o parlamentar paulista usou seu cartão para copiar os árbitros de conveniência do moderno futebol.

 

Exigiu a saída de José Sarney (sim, autor de faltas graves e antigas), mas fechou hipocritamente os olhos às botinadas, puxões de camisa e cusparadas que marcam a conduta de Virgílios (o Almir Pernambuquinho do Senado), Tassos, Álvaros, Demóstenes, Agripinos e outros boleiros de caráter enlameado.

 

No dia seguinte, o senador do Partido Mudo deu sequência a sua arbitragem parcial, afirmando que seu cartão devia servir de alerta para o presidente Lula.

 

Não é à toa que Suplicy se transformou em motivo de chacota na Casa Alta, de um lado e de outro. É tratado como maluco pela base governista e como bobo pela oposição. Todos os dias, por exemplo, é humilhado pelo boca-mole Heráclito Fortes.

 

Ninguém pode acusar Suplicy de receber “por fora”. Afinal, sua biografia não o aproxima daquela de Edílson Pereira de Carvalho, o líder da mais recente máfia do apito.

 

Não seria leviandade, entretanto, ver no grisalho parlamentar uma mistura de sede de vingança e vaidade.

 

Suplicy é um calado ressentido. Por não ter conseguido candidatar-se à presidência, por não ter virado ministro e por outros fracassos políticos.

 

Paralelamente, ao tentar assumir a arbitragem da crise, o senador quis jogar para a torcida, amealhar aplausos, elogio cada vez mais raro na fase atual de sua carreira política.

 

Cabe à agremiação de Lula avaliar a necessidade de manter em seus quadros um levantador seletivo de papéis coloridos.

 

Caso não se assuma como protagonista neste momento histórico do embate político, o Partido Mudo, que já recebeu o amarelinho da sociedade, corre o risco de tomar um cartão vermelho do tamanho do Brasil.


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