Quem não quer a Voz do Brasil?
Neste período de férias e festas, quando os brasileiros não estão atentos aos acontecimentos e de modo geral a mídia funciona a meio vapor, no Legislativo e no Executivo empurram na maciota questões no mínimo polêmicas e que deveriam passar por uma ampla discussão até serem transformadas em lei.
Um desses pontos aprovados a toque de caixa é a decisão tomada pela Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado de flexibilizar a Voz do Bra-sil. Ou seja, os parlamentares aprovaram que o mais antigo programa informativo do rádio brasileiro não precisará ir ao ar no horário estabelecido de 19 às 20 horas.
Se os plenários do Senado e posteriormente o da Câmara dos Deputados, antes também a Comissão da Câmara aprovarem, a Voz do Brasil poderá ser apresentada em outros horários. Só as rádios públicas continuarão no horário atual.
Na verdade, o que os parlamentares mais desejam é acabar de uma vez por todas com a Voz do Brasil. Tem um detalhe: muitos desses políticos estão legislando em causa própria, ou seja, são proprietários de veículos de comunicação, o que é totalmente ilegal, pois a legislação brasileira proíbe parlamentares proprietários de veículos de comunicação. Na nova legislatura 61 parlamentares são proprietários de veículos de comunicação, fora os que passaram a propriedade para laranjas.
A flexibilização do horário é um sofisma, porque na prática representará o início do fim da Voz do Brasil, o que é desejado há tempos pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert). Tanto assim que em determinado momento o patronato do setor convocou até o Caetano Veloso para falar contra a Voz do Brasil.
Flexibilização do horário? Quem vai fiscalizar se as mais de cinco mil emissoras de rádio em todo o país estarão de fato transmitindo em horários diferenciados? É óbvio que as emissoras privadas vão driblar a exigência. E ninguém vai reclamar.
O esquema contra a Voz do Brasil é sofisticado. Na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro do ano passado, por exemplo, o patronato ganhou alguns aliados, que se dizem representativos dos movimentos sociais e que militam em áreas da comunicação, para a tese de flexibilização da Voz do Brasil.
Um dos argumentos utilizados pelo patronato midiático é de que a obrigatoriedade da Voz do Brasil ocorre na esfera privada. O argumento não procede, até porque é importante lembrar que o espectro eletromagnético das emissoras de rádio e televisão pertence ao Estado brasileiro, que concede aos empresários o funcionamento das emissoras.
Vale assinalar que o espaço em questão não é privado, como tentam demonstrar erradamente os proprietários à opinião pública. Isto é, TV Globo, Record, SBT etc. não são privadas, o canal pertence ao Estado brasileiro e pode ser teoricamente retirado se deixar de cumprir com algumas exigências determinadas pela legislação.
Mas a renovação vem sendo automática, porque se por algum motivo não conseguirem gritarão que estão sendo objeto de censura ou algo do gênero. E terão apoio da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).
A Voz do Brasil, além de ser o programa mais antigo do rádio brasileiro, cumpre uma função da mais alta relevância neste País continente. Em longínquos rincões dos Estados, o acesso à informação se dá exatamente por meio da Voz do Brasil e no horário estabelecido há mais de 70 anos, ou seja, de 19 às 20 horas.
Não se pode deixar de mencionar que o programa acumula três prêmios de jornalismo e é reconhecido como canal de acesso a informações precisas e objetivas sobre o governo, o Estado e a cidadania. Quem ouve a Voz do Brasil percebe muitas informações relevantes que não são apresentadas nos telejornalões.
Ao contrário do que afirmam os proprietários de estações de rádio, a Voz do Brasil tem boa audiência. Segundo pesquisas, o maior índice ocorre nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, onde dois terços dos entrevistados pelo Datafolha disseram que ouviam regularmente a Voz do Brasil.
Então, por que tanta mobilização contra, se muitos brasileiros nos mais diversos rincões só têm acesso à informação por meio da Voz do Brasil? Por que tirar a fonte? Preferem os proprietários que os brasileiros se informem somente por seus noticiários, que deixam totalmente a desejar.
Por estas e muitas outras, apesar do silêncio da mídia de mercado, que volta e meia dá espaço para os proprietários de rádio criticarem a Voz do Brasil, é fundamental que entidades representativas da sociedade brasileira, que não se dobram aos anseios do patronato, se manifestem. É o caso, por exemplo, de a diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) se manifestar em defesa da Voz do Brasil, até porque em seu último congresso, em agosto do ano passado, em Porto Alegre , a entidade aprovou tese em favor da continuidade do programa informativo no mesmo horário de sempre.
Embora a pressão do patronato seja grande, a flexibilização não está decidida. Se a sociedade brasileira não for informada sobre o que está se passando no Congresso e ficar calada, o patronato terá conquistado o que almeja há tempos. Mas se os senhores parlamentares que iniciam os trabalhos agora em fevereiro refletirem um pouco mais verão finalmente que a flexibilização só interessa mesmo ao patronato midiático, um dos setores do poder, mais conservadores. E para convencer é preciso mobilização popular.
Em tempo: Os colunistas da mídia de mercado, que volta e meia pregam também o fim da Voz do Brasil, estão adotando a estratégia de queimar o ex-presidente Lula e jogá-lo contra Dilma Rousseff. Não se conformam com o fato de passarem oito anos deitando e rolando em cima de Lula e ele deixar o governo com 87% de popularidade. Lula e Dilma podem e devem ser criticados, mas a direita midiática age na prática substituindo os golpistas que na segunda metade do século passado pregavam a desestabilização de governos democráticos nos quartéis. Deu no que deu.