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ASSUNTO:
MENSAGEM DE AMIZADE DE SADDAM AO PRESIDENTE BUSH
1. SECRETO / TEXTO INTEGRAL
2. RESUMO. SADDAM disse à embaixadora, dia 25/7, que MUBARAK organizou encontro entre as delegações do Kuait e do Iraque, em Riad, e depois, dias 28, 29 ou 30/7, o príncipe coroado do Kuait estará em Bagdá para negociações sérias. Saddam prometeu a Mubarak que “Nada acontecerá” [antes disso].
– SADDAM desejava enviar importante mensagem ao presidente BUSH: O Iraque busca amizade com os EUA, mas o que querem os EUA? O Iraque sofreu 100 mil mortes e está hoje tão miseravelmente pobre que será obrigado a cortar até as pensões dos órfãos de guerra; mesmo assim, o rico Kuait não aceita sequer a disciplina da OPEC. O Iraque está cansado, doente de tantas guerras, mas o Kwait ignorou toda a diplomacia. As manobras dos EUA com os Emirados Árabes Unidos encorajarão o Kuait e os Emirados Árabes a ignorar a diplomacia convencional. Se o Iraque for publicamente humilhado pelos EUA, não haverá escolha possível além de “RESPONDER”, por ilógica e autodestrutiva que seja essa via.
MENSAGEM DE AMIZADE DE SADDAM AO PRESIDENTE BUSH
1. SECRETO / TEXTO INTEGRAL
2. RESUMO. SADDAM disse à embaixadora, dia 25/7, que MUBARAK organizou encontro entre as delegações do Kuait e do Iraque, em Riad, e depois, dias 28, 29 ou 30/7, o príncipe coroado do Kuait estará em Bagdá para negociações sérias. Saddam prometeu a Mubarak que “Nada acontecerá” [antes disso].
– SADDAM desejava enviar importante mensagem ao presidente BUSH: O Iraque busca amizade com os EUA, mas o que querem os EUA? O Iraque sofreu 100 mil mortes e está hoje tão miseravelmente pobre que será obrigado a cortar até as pensões dos órfãos de guerra; mesmo assim, o rico Kuait não aceita sequer a disciplina da OPEC. O Iraque está cansado, doente de tantas guerras, mas o Kwait ignorou toda a diplomacia. As manobras dos EUA com os Emirados Árabes Unidos encorajarão o Kuait e os Emirados Árabes a ignorar a diplomacia convencional. Se o Iraque for publicamente humilhado pelos EUA, não haverá escolha possível além de “RESPONDER”, por ilógica e autodestrutiva que seja essa via.
– Embora bastante explícita, a mensagem de SADDAM para os EUA parecia ser que ele fará grande esforço para cooperar com a diplomacia de MUBARAK, mas nós temos de tentar entender que o “egoísmo” do Kwait/Emirados Árabes Unidos é inadmissível. A embaixadora esclareceu que nunca pregaremos que as disputas sejam resolvidas por meios que não sejam pacíficos. FIM DO RESUMO.
3. A embaixadora foi convocada pelo presidente SADDAM ao meio dia do dia 25/7. Estavam também presentes FONMIN AZIZ, diretor do gabinete do presidente, dois secretários e o intérprete iraquiano.
4. SADDAM, cujos modos foram cordiais, razoáveis e até calorosos durante as duas horas em que estivemos juntos, disse que queria que a embaixadora levasse ao presidente BUSH uma mensagem. SADDAM recordou em detalhes a história da decisão do Iraque de restabelecer relações diplomáticas e de adiar a implementação dessa decisão no início da guerra, para não ser considerado fraco e carente. Falou então sobre os muitos “golpes” [orig. “blows”] que nossas relações sofreram desde 1984, dentre os quais o maior foi o IRANGATE. Depois da vitória FAW [talvez Financial Aid War?], disse SADDAM, as preocupações dos iraquianos sobre os objetivos dos EUA começaram a vir à tona, i. e., suspeitas de que os EUA não estavam felizes com o fim da guerra.
5. Escolhendo cuidadosamente as palavras, SADDAM disse que “alguns círculos” no governo dos EUA, incluindo a CIA e o Departamento de Estado, mas excluindo enfaticamente o presidente e o secretário Baker, não são favoráveis a boas relações entre Iraque e EUA, SADDAN listou o que crê que sejam fatos a favor de sua conclusão: “Alguns círculos estão reunindo informações sobre quem poderia suceder Saddam Houssein”. Mantêm contatos no Golfo, aos quais alertam contra o Iraque; trabalharam para garantir que nenhuma ajuda chegue ao Iraque (ver “EXIM AND CCC”).
6. O Iraque, o presidente destacou, enfrenta sérias dificuldades financeiras, com dívidas de 40 bilhões [devidas aos] EUA. O Iraque, cuja vitória na guerra contra o Irã fez diferença histórica no mundo árabe e em todo o Ocidente, carece de um “Plano Marshall”. “Mas vocês só querem baixar o preço do petróleo” – SADDAM acusou.
7. Resumindo sua lista de queixas, que, para ele, foram todas inspiradas por “alguns círculos” no governo dos EUA, SADDAM lembrou a campanha da USIA [orig. “USIA (United States Information Agency Campaign”)] contra ele [pessoalmente], e o ataque de praticamente toda a mídia contra o Iraque e seu presidente.
8. Apesar de todos esse golpes, disse SADDAM, e apesar de “estarmos de certo modo incomodados [orig. “we were somewhat annoyed”], mesmo assim ainda esperamos poder desenvolver um bom relacionamento. Mas os que trabalham para derrubar o preço do petróleo estão interessados em criar uma guerra econômica; o Iraque não pode aceitar tal violência contra a dignidade e a prosperidade do Iraque.
9. As cabeças do ataque (a favor do governo dos EUA) foram o Kwait e os Emirados Árabes Unidos, disse SADDAM. SADDAM disse cuidadosamente, que, assim como o Iraque não ameaçará outros, tampouco aceitará ameaças contra o Iraque. “Esperamos que o governo dos EUA não entenda mal:” O Iraque aceita, como disse o porta-voz do Departamento de Estado, que cada país tem o direito de escolher os próprios amigos. Mas o governo dos EUA sabe que foi o Iraque, não o governo dos EUA, que protegeu decididamente os amigos do governo dos EUA durante a guerra. Que ele entende que a opinião pública nos EUA, para não falar da geografia, jamais aceitaria 10 mil mortos numa única batalha, como o Iraque teve de aceitar.
10. SADDAM Perguntou o que significa para o governo dos EUA anunciar que se compromete com a defesa de seus amigos, individualmente e coletivamente. Em resposta à própria pergunta, SADDAM disse que, do ponto de vista do Iraque, significa viés flagrante contra o governo do Iraque.
11. Chegando a um dos pontos principais de sua mensagem, SADDAM argumentou que as manobras (sic) do governo dos EUA com os Emirados Árabes e o Kwait encorajaram ambos na direção de suas políticas egoístas. Os direitos do Iraque, SADDAM enfatizou, só serão restaurados um a um, embora o processo possa levar um mês ou muito mais que um ano. O Iraque espera que o governo dos EUA esteja em harmonia com todos os lados, nessa disputa.
12. SADDAM disse que entende que o governo dos EUA esteja determinado a manter o fluxo de petróleo e a preservar seus amigos no Golfo. O que o Iraque não entende é por que estimular tanto os dois países que tanto mal causam ao Iraque – porque é isso que resultará de nossas manobras no Golfo.
13. SADDAM disse que crê completamente que o governo dos EUA deseja a paz, e que isso é bom. Mas por que, perguntou, usam métodos que [os EUA] tanto dizem que não admitem, métodos como ‘chave de braço’ [orig. arm-twisting] –
14. Nesse ponto, SADDAM falou demoradamente sobre o orgulho dos iraquianos, que acreditam em “Liberdade ou morte”. O Iraque terá de responder se os EUA usarem esses métodos. O Iraque sabe que o governo dos EUA pode enviar aviões e mísseis e pode ferir muito duramente o Iraque. SADDAM pede que o governo dos EUA não levem o Iraque a tal ponto de humilhação, no qual nenhuma lógica se mantém e todas as lógicas podem ser esquecidas. O Iraque não deseja considerar os EUA como inimigos e tem tentado que se mantenham amigos.
15. Quanto às disputas intra-árabes, SADDAM disse que não pede que o governo dos EUA assuma qualquer papel especial, porque as soluções têm de brotar dos árabes e da diplomacia bilateral.
16. Retornando ao tema de que o Iraque deseja preservar sua dignidade e sua liberdade, tanto quanto a amizade com os EUA, acusou que, ano passado, houve vários pronunciamentos oficiais nos quais transparece que os EUA não estão interessados em atitude recíproca. Como, por exemplo – SADDAM perguntou – poderíamos interpretar o convite para Arens, para visita em tempos de crise no Golfo? Por que o Ministro da Defesa dos EUA fez “declarações incendiárias” [orig. “Inflammatory” statements]?
17. SADDAM disse que os iraquianos sabem o que é a guerra e não querem mais guerra – “Não nos empurrem para a guerra; não façam da guerra a única opção que nos reste, para defender nossa dignidade”.
18. O Presidente Bush – disse SADDAM –, não cometeu erros em seu governo em relação aos árabes. A decisão a favor do diálogo OLP foi “errada”, mas foi tomada sob “pressão dos sionistas” e, disse SADDAM, absorver essa pressão talvez seja tática inteligente.
19. Depois de breve comentário sobre a necessidade de os EUA considerarem os direitos humanos de 200 mil árabes com o mesmo vigor e interesse [com que consideram] os direitos humanos dos israelenses, SADDAM concluiu reafirmando que os iraquianos querem a amizade dos EUA. E, “embora ninguém jamais nos verá implorar”, faremos a nossa parte, “como amigos.”
20. SADDAM contou uma história, para ilustrar o que queria dizer. Contou que, em 1974, havia dito ao líder curdo iraquiano que estava preparado a ceder metade do Shatt Al-Arab ao Irã em troca de um Iraque próspero. O curdo apostou que SADDAM jamais daria metade do Shatt – e o curdo errou. Até hoje, a única questão real com o Irã é o Shatt, e, se ceder metade do curso d’água for o único obstáculo entre a situação atual e a prosperidade do Iraque, SADDAM disse que ainda se deixaria guiar pelo que fez em 1974.
21. A embaixadora agradeceu a SADDAM pela chance de discutir diretamente com ele algumas de suas e nossas preocupações. O presidente BUSH também deseja amizade, como escreveu no [documento] , no Dia Nacional do Iraque. SADDAM interrompeu, para dizer que aquele [documento] muito o comoveu.
22. A embaixadora retomou a palavra, lembrando que o presidente Bush a instruíra no sentido de ampliar e aprofundar nossas relações com o Iraque. SADDAM referiu-se a “alguns círculos” contrários a essa meta. Esses círculos com certeza existiram, mas o governo é orientado pelo presidente. Por outro lado, o presidente não controla a imprensa nos EUA. Se controlasse, não se ouviriam críticas contra o governo. SADDAM novamente interrompeu para dizer que entendia esse ponto. Disse que assistira ao programa DIANE SAWYER, que lhe pareceu vulgar e tendencioso. Mas a imprensa americana trata todos os políticos sem luvas de pelica – é nosso modo de ser.
23. O que importa é que o presidente Bush reafirmou recentemente seu desejo de construir melhores relações com o Iraque – o que comprovou ao opor-se a novas sanções econômicas. Aqui, SADDAM interrompeu novamente. Disse, rindo, que nada mais existe que o Iraque ainda possa comprar dos EUA, porque todas as vendas para o Iraque já estão proibidas, exceto o trigo, e não há dúvida de que em breve, também será declarado [a dual-use item???????????]. Disse que havia decidido não tocar nesse ponto, para dedicar a reunião a questões muito mais importantes e prementes.
24. A embaixadora disse que [SADDAN] levantara várias questões que ela gostaria de comentar, mas preferia usar o tempo limitado que o presidente lhe oferecia para destacar, primeiro, o desejo de amizade do presidente Bush; e, segundo, seu forte desejo, partilhado, como temos certeza, pelo Iraque, de paz e estabilidade no Oriente Médio. [Mas] é razoável e compreensível que os EUA se preocupem, se o presidente e o Ministro de Relações Exteriores declaram, ambos, publicamente, que as ações do Kwait são equivalentes a atos de agressão militar e somos informados de que várias unidades da Guarda Republicana foram enviadas para as regiões de fronteira! Também é razoável e compreensível, que os EUA perguntem, em ânimo de solidariedade, não de confrontação, uma pergunta bem simples: Quais são as intenções do Iraque?
25. SADDAM disse que concorda, que é pergunta razoável. Reconhece que nos preocupam as dificuldades da paz regional – de fato, é nosso dever, como superpotência. “Mas quem fará o Kwait e os Emirados Árabes entenderem o sofrimento do Iraque?”. A situação financeira é tal, que as pensões para viúvas e órfãos terão de sofrer cortes. Nesse ponto, o intérprete e um dos secretários irromperam em lágrimas.
26. Depois de pausa para que se recuperassem, SADDAM disse: “Acredite que tentei de tudo: mandamos enviados, mensagens escritas, instruímos Fahd para organizar reunião tripartite (Iraque, SAG, União Europeia, Kuait). FAHD sugeriu ministros do petróleo e concordamos com o acordo de Jeddah, embora bem inferior a nossas esperanças. Então – SADDAM continuou – dois dias depois, o ministro do petróleo do Kuait anunciou que desejava anular aquele acordo em dois meses. Quanto aos Emirados Árabes Unidos – disse SADDAM – implorei que SHAYKH ZAYID entendesse nossos problemas (quando SADDAM encontrou-o em Mosul depois da reunião em Bagdá), e ZAYID disse “Espere eu voltar a Abu Dhabi”. Mas, então, vieram as “declarações ruins” do ministro do petróleo.
27. Nesse momento, SADDAM deixou a sala, para receber telefonema urgente de MUBARAK. Ao voltar, a embaixadora perguntou se podia saber se houvera algum progresso na busca de solução pacífica para o conflito. Era informação que muito interessaria ao presidente Bush. SADDAM disse que acabava de ouvir de MUBARAK que o Kwait aceitava novas negociações. O príncipe coroado e primeiro-ministro do Kwait deverá encontrar-se em Riad com o número 2 do governo de Saddam, IZZAT IBRAHIM e, depois, os kwaitianos viriam a Bagdá no sábado, domingo ou, o mais tardar, na 2ª-feira, 30/7.
28. “Eu disse a MUBARAK”, disse SADDAM, “que nada acontecerá até esse encontro” e nada acontecerá nem durante nem depois do encontro, se os kuaitianos, pelo menos, “nos derem alguma esperança”.
29. A embaixadora disse que a notícia lhe parecia excelente. SADDAM então pediu que ela levasse ao presidente Bush suas calorosas saudações, e que lhe desse a conhecer o conteúdo dessa reunião e sua mensagem.
30. NOTA: Sobre a questão da fronteira, SADDAM referiu-se ao acordo de 1961 e a uma “linha de patrulha” lá estabelecida. Os Kuaitianos, disse ele, disseram a MUBARAK que o Iraque estaria 20 quilômetros “adiante” dessa linha. A embaixadora disse que servira no Kwait vinte anos antes. E que, naquela época, como hoje, os EUA não tomamos partido nessas questões árabes.
31. COMENTÁRIO: Não há registro no atual corpo diplomático de que SADDAM jamais tenha enviado embaixador. SADDAM está preocupado.
Segundo a própria avaliação de SADDAM, da situação política do Iraque (os EUA são a única grande potência no Oriente Médio), é claro que ele precisa, no mínimo, de relacionamento correto conosco, por razões geopolíticas óbvias, especialmente porque percebe que há ameaça mortal, contra o Iraque, vinda de Israel e Irã. A embaixadora crê que SADDAM desconfia que nossa decisão de assumir manobras com ABU DHABI é como uma antecipação de decisão dos EUA, de assumir um dos lados. Além disso, o próprio SADDAM está começando a perceber que há muitos aspectos que ele completamente ignora sobre os EUA, está apreensivo, temendo que não entendamos alguns fatores políticos que o inibem, como, dentre outros:
– Não pode admitir ser visto, ele mesmo, como ‘enganado’ por artimanhas da superpotência (risco do qual U/S HAMDUN nos alertou, com franqueza, no final de 1988);
– O Iraque, que sofreu 100 mil mortes, está sofrendo; o Kwait é “sovina” e “egoísta”.
32. Houve algum progresso, porque SADDAM admitiu que o governo dos EUA tem uma “responsabilidade” na região; e que temos direito de esperar uma resposta, se perguntamos quais são as intenções do Iraque. Sua resposta, de fato, de que tentou vários canais diplomáticos antes de recorrer a gestos de intimidação tem, pelo menos, a virtude da franqueza. A ênfase em que deseja acordo pacífico também parece sincera (os iraquianos estão cansados, doentes de tanta guerra), mas os termos soam ainda difíceis de serem alcançados. SADDAM parece desejar esperar promessas sobre petróleo (preços e produção) que cubram os próximos vários meses. [assina] GLASPIE
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