sexta-feira, janeiro 28, 2011

A esquerda brasileira – ainda mais depois do bombardeio que vivemos durante a campanha eleitoral – teria a obrigação de criar um grande jornal (diário?) de circulação nacional. O que impede que isso aconteça?

Caros Amigos n˚ 166/2011

Uma “Brecha” no Belo Uruguai – por Rodrigo Vianna

Tive o privilégio de passar uma semana de férias no Uruguai, pouco antes do fim do ano. Como já conhecia a região de Colônia de Sacramento (cidade colonial construída pelos portugueses à beira do rio da Prata), dessa vez preferi seguir com minha mulher para o litoral a leste de Montevidéu.
Evitamos a muvuca de Punta del Leste – balneário tomado de prédios gigantescos que conseguem o milagre de tornar feia uma área originalmente bela como aquela península de Punta. Passamos batido por ali, e optamos por explorar um pouco mais outras praias da região, incluindo a instigante Chihuahua, além de La Paloma e La Pedrera. Essa última tem lindas formações rochosas à beira-mar, além de pousadas com preços razoáveis, o que a faz um ponto muito procurado pelos surfistas.
Mas, antes que nossos caros leitores pensem que me transformei em guia turístico, explico que as praias foram apenas parte do roteiro: passamos também três dias na acolhedora Montevidéu. Uma capital sem trânsito, com gente calma, que vai para a beira-rio tomar o mate no fim da tarde. Uma capital cheia de livrarias de porte médio – onde ainda existe a figura do livreiro, que sabe indicar as melhores edições de cada obra, conhece autores, sabe como agradar o leitor.
O meu foco era a obra de Mario Benedetti – recém falecido. Li ano passado A Tregua, um romance simples e estupendo. Depois disso, me apaixonei pela obra e pela figura de Benedetti – que além de escrever bem (mal comparando, uma mistura de Drummond com Rubem Braga), era um intelectual de esquerda e colaborador de publicações como Brecha.
Trouxe na mala dois livros de poesia, um outro de contos e mais um romance do notável escritor uruguaio. Trouxe também alguns exemplares de Brecha – jornal semanal que acaba de completar 25 anos!
Sim, da mesma forma como os argentinos foram capazes de criar e manter o Pagina 12, a esquerda uruguaia lançou Brecha logo que a ditadura terminou. E o jornal segue disputando manchetes, pautas e leitores com a imprensa conservadora no Uruguai. É um jornal de esquerda, mais independente, crítico, não faz concessões ao governo que hoje está nas mãos da “Frente Ampla”- de centro-esquerda.
Nas ruas do centro de Montevidéu, é fácil encontrar Brecha estampado nas bancas, lado a lado com El País e La republica (esses dois últimos, jornais mais conservadores).
Aqui no Brasil há o esforço notável de publicações como Caros Amigos e Brasil de Fato. Mas que infelizmente não tem o mesmo peso que Brecha possui no debate político uruguaio. Por que?
Muita gente acha que é preciso esquecer essa história de jornal de esquerda, e pensar na internet. De minha parte, acho que nos próximos 15 ou 20 anos, haverá espaço para os dois. A esquerda brasileira – ainda mais depois do bombardeio que vivemos durante a campanha eleitoral – teria a obrigação de criar um grande jornal (diário?) de circulação nacional. O que impede que isso aconteça?
Pensava nisso enquanto caminhava pela calle Sarandi (rua de pedestres no centro antigo de Montevidéu), rumo a mais uma livraria, a “Mas Puro Verso”(essa vale conhecer pela beleza da arquitetura, com lindos vitrais e um grande pé direito).
Quando entramos na livraria, estava quase na hora de fechar. O vendedor, simpático, tentou me agradar: olha, hoje temos lançamento de um livro, se o senhor quiser pode ficar mais um pouco e acompanhar. Achei graça e já ia me retirando quando vi sobre o balcão qual obra seria lançada: a edição comemorativa dos 25 anos de Brecha – com uma coletânea dos melhores textos do jornal.
Impossível não ficar para acompanhar a palestra de Gerardo Caetano, que explicou o papel de Brecha nesse quarto de século de Uruguai democrático.
Que minha mulher não me ouça, mas confesso: tão agradável quanto as praias que visitamos foi essa bela coincidência – saí a procurar Benedetti, e acabei encontrando Brecha. No fundo, no fundo, deu quase na mesma!
Quem quiser conhecer mais sobre Brecha pode ir até o sítio do jornal – http://www.brecha.com.uy/.

Rodrigo Vianna é jornalista e responsável pelo blog Escrevinhador www.rodrigovianna.com.br