Primeira campanha ateísta do Brasil é lançada em Porto Alegre
Milton Ribeiro e Vivian Virissimo
Porto Alegre se tornou nesta terça-feira (5) a primeira capital brasileira a exibir outdoors de uma campanha de mídia sobre ateísmo. A iniciativa é da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos e já havia sido recusada no final do ano passado pelas companhias de ônibus de São Paulo, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre.
A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) havia anunciado em 13 de dezembro do ano passado que alguns ônibus de Porto Alegre ostentariam mensagens ateias, porém, segundo Daniel Sottomaior, a Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP) teria desistido da campanha na última hora.
“Fiquei sabendo pela imprensa que a ATP vetara a veiculação dos anúncios. Quando contatei com a Associação, ela primeiro confirmou o veto e depois passou a dizer qua nada ocorrera e que desconhecia o assunto”, afirmou Sottomaior ao Sul21.
As peças são polêmicas e falam sobre fé, moralidade e ateísmo. Uma delas exibe as fotos de Charles Chaplin, que era ateu, e Adolf Hitler, que não era ateu, com os dizeres “religião não define caráter”. Outra afirma “Somos todos ateus com os deuses dos outros”, e traz imagens de uma divindade hindu, uma divindade egípcia e de Jesus de Nazaré, com as legendas “mito hidu”, “mito egípcio” e “mito palestino”. Uma terceira diz que “A fé não dá respostas, só impede perguntas”. Os cartazes devem ser exibidos ao longo de um mês.
Conforme pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, os ateus são as pessoas mais detestadas no país, merecendo repulsa, ódio ou antipatia de 42% da população. Para o presidente da entidade, Daniel Sottomaior, o propósito da campanha é aproximar o ateísmo do dia-a-dia da sociedade e assim ajudar a diminuir o preconceito que existe contra ateus.
Em junho, a entidade ganhou uma liminar que lhe concedia direito de resposta na TV Bandeirantes para responder a comentários considerados ofensivos do jornalista José Luiz Datena, no extinto programa Brasil Urgente. A liminar foi cassada mas o julgamento do mérito continua pendente. Datena e a Bandeirantes foram processados por diversos ateus no país devido a esse episódio.
Na ocasião, Datena disse que só quem não acredita em Deus é capaz de cometer crimes. Para ele, ateus são “pessoas do mal”, “bandidos”, “estupradores”, “assassinos” e atribuiu a culpa da violência e da corrupção no país aos ateus.
Entre os dias 4 e 17 de julho estarão expostos dois outdoors. Os outdoors da segunda quinzena serão outros.
Os cartazes estão nos seguintes locais de Porto Alegre.
Bairro Bela Vista – Av. Carlos Gomes, 1229
Bairro Jardim Botânico – Av. Ipiranga, 3850 próx. Rua Barão do Amazonas
Bairro Chácara das Pedras – Av. Antônio Carlos Berta, em frente ao Mc Donald’s do shopping Iguatemi
Bairro Petrópolis – Av. Protásio Alves, em frente ao Hospital Petrópolis na esquina com a Lucas de Oliveira
Bairro Bela Vista – Av. Carlos Gomes, 1229
Bairro Jardim Botânico – Av. Ipiranga, 3850 próx. Rua Barão do Amazonas
Bairro Chácara das Pedras – Av. Antônio Carlos Berta, em frente ao Mc Donald’s do shopping Iguatemi
Bairro Petrópolis – Av. Protásio Alves, em frente ao Hospital Petrópolis na esquina com a Lucas de Oliveira
Matéria atualizada às 19h.
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Direito ao ateísmo e ao agnosticismo, a web e a luta pela vida sem preconceitos
Fantástica a repercussão obtida pela notícia veiculada pelo Sul21 ontem a respeito da instalação da primeira campanha de mídia sobre ateísmo no Brasil. Os dois outdoors colocados em Porto Alegre, por iniciativa da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, foram ainda vistos por muito poucos moradores e transeuntes, mas a notícia se espalhou como um rastilho de pólvora pela web, em todo o Brasil e no mundo. Em 60 minutos, 2.808 internautas acessaram a página noSul21. Até às 20h, segundo o Google Analytics (medidor de acessos utilizado pelo Sul21), tinham ocorrido 8.843 visualizações daquela página. Às 17h30, chegamos à primeira colocação nos trending topics do twitter. O acesso continua alto ainda hoje e, pelo jeito, o fluxo se manterá por alguns dias.
Mais surpreendente é o fato de tamanho ingresso de leitores ter ocorrido por meio de um assunto que, aparentemente, afeta a muito poucos brasileiros. De acordo com pesquisa realizada em 23 países do mundo pela empresa Ipos para a agência de notícias Reuters e divulgada em abril deste ano, o Brasil é o terceiro país em que mais se acredita em Deus, perdendo apenas para a Indonésia e a Turquia. Na Indonésia, 93% declaram acreditar em Deus, na Turquia são 91, enquanto no Brasil somam 84% os afirmam compartilhar desta crença.
Encabeçando a lista dos descrentes, segundo a pesquisa, apareceu a França, com 39%, a Suécia, com 37%, e a Bélgica, com 36%. O Brasil, apenas 3% declararam não acreditar em um ser supremo ou Deus e 4% que não têm certeza. Em todo o mundo, 58% disseram acreditar em uma “entidade divina”, enquanto apenas 18% afirmaram não acreditar e 17% declararam ter dúvida sobre sua existência.
Diante destes números, tanto da pesquisa, de um lado, quanto dos acessos à notícia do Sul21, de outro, fica claro que a internet e os veículos eletrônicos são movidos por meio de estímulos sobre nichos específicos. Quando se toca em uma questão que afeta a um determinado nicho (ou “tribo”), a notícia se espalha de modo instantâneo, como um raio. Ela “cai na rede” e dispara a comunicação virtual.
Este é um fenômeno que ocorre hoje em todo o mundo. Na Grécia, na Islândia, na Espanha, nas nações do Oriente Médio, na França, no Brasil etc. etc. etc. Em cada lugar e em cada momento ele se expressa de um modo e em resposta a um estímulo diferente. Mais do que motivações essencialmente “políticas” e ou “econômicas”, como as que moviam as massas urbanas do final do século XIX e de meados do século XX, o que embala as “explosões” na web hoje são motivações associadas a questões “meramente” comportamentais. São os “mamaços” (amamentações em público), as marchas das “vadias” e da “maconha”, as bicicletadas dos pelados, as paradas gay ou em prol da livre manifestação da homoafetividade e, agora, a campanha pelo direito ao ateísmo ou ao agnosticismo.
São todas manifestações pelo direito à vida e à liberdade, sem discriminações de qualquer ordem. No fundo, são manifestações pelo direito à indiferença. Pelo direito de todas as pessoas serem o que são, se isto não prejudica a outrem, sem que ninguém se incomode com isto. Ocorrem “espontaneamente”, porque não controladas por nenhuma organização específica ou por lideranças eleitas ou autonomeadas. São manifestações profundamente políticas e com repercussões econômicas significativas, conforme já demonstramos neste espaço. Só os partidos políticos e os retrógrados não percebem. Se não despertarem a tempo, ficarão para trás. É bom que corram!