5/7/2011, M K Bhadrakumar, Indian Punchlinehttp://blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/
A névoa da guerra é cada dia mais espessa nos estágios finais, com soldados deixando o campo onde se disputaram as batalhas de uma guerra incompreensível.
Em 1842, um soldado inglês sobreviveu para contar à base, em Jalalabad, o que acontecera à coluna comandada pelo major-general William Elphinstone que se retirava de Kabul em janeiro – o cirurgião-assistente William Brydon –, ele mesmo com metade do escalpo arrancado por um golpe de espada. Mas encontrou abrigo na tenda de um pastor afegão de bom coração que se apiedou dele, e sobreviveu. Mais tarde, quando os superiores lhe perguntaram que fim levara o exército inglês, Brydon respondeu com a frase que o tornaria famoso: “O exército sou eu”.
Pareceu-me muito intrigante a matéria publicada no Washington Post essa semana – “U.S. turns to other routes to supply Afghan war as relations with Pakistan fray” [O exército dos EUA busca rotas alternativas para os suprimentos na guerra afegã, enquanto se complicam as relações com o Paquistão] (WP, 2/7/2011, em http://www.washingtonpost.com/world/national-security/us-turns-to-other-routes-to-supply-afghan-war-as-relations-with-pakistan-fray/2011/06/30/AGfflYvH_story.html).
Claro, faz sentido não depender só das duas principais rotas pelas quais transitam três quartos de todos os suprimentos para as tropas da OTAN no Afeganistão. Dada a atual fase pela qual passam as relações EUA-Paquistão, a coisa certa a fazer é buscar rotas alternativas. Mas o problema com rotas alternativas de suprimento pela Ásia Central é que todas dependem da boa vontade dos russos, e os EUA, antes de poder escolher, têm de decidir o que fazer com a Rússia – sobretudo se Vladimir Putin voltar ao poder no Kremlin, nas eleições de março de 2012. Como a história da Rússia mostra, Moscou sempre barganha, quando o interlocutor está desesperado.
Alguma coisa não está bem contada. Afinal, quando diplomatas russos e norte-americanos caem sobre Dushanbe, em disputa feroz pelo controle seguro da fronteira Tadjiquistão-Afeganistão; quando se digladiam em Bishkek, por que Moscou deveria facilitar a consolidação da presença militar de EUA-OTAN na Ásia Central?
Além do mais, a Rússia prestaria favor de tal monta aos EUA, sem consultar a China? E a China concordaria? No fim de semana, vazaram documentos, pelo site WikiLeaks, em que se vê a China rejeitando repetidos pedidos dos EUA para transitar por território chinês até o Cazaquistão, para ali embarcar por trem suprimentos para a guerra afegã.
O cerne da questão é que uma rota transitável, agora, é absolutamente indispensável para a retirada das tropas da OTAN, do Afeganistão. Anders Fogh Rasumssen, secretário-geral da OTAN, pode já estar construindo planos de contingência para uma retirada em ordem. Tem de pensar nos homens e em toneladas de equipamento pesado que terão de ser deslocados.
Tecnicamente, a melhor rota sempre será via o Paquistão até o porto de Karachi, e dali para a Europa. Mas sobre essa estrada alonga-se a sombra do exército inglês de Elphinstone, que assombra até o quartel-general da OTAN em Bruxelas. Assim sendo, Rasmussen já tomou o rumo do Mar Negro, para rápido encontro com Dmitry Medvedev, que passa férias num resort, em Sochi.
No Iraque, os EUA enfrentam o mesmo cenário assustador – e no Iraque, como se pode avaliar, com o grave complicador de os pelo menos 40 mil soldados a serem retirados terem de atravessar o trecho de 250 km de estrada em pleno deserto, até o Kwait.
Os comandantes dos EUA já tomam precauções, e pagam aos dez líderes tribais que controlam a estrada o preço principesco de 10 mil dólares mensais, oficialmente para que contratem operários para limpar as estradas, de modo que as colunas norte-americanas possam transitar por elas sem tropeçar em minas (Improvised Explosive Devices, IED) que militantes eventualmente plantem.
Em matéria de junho, o New York Times citava o coronel Douglas Crissman, encarregado de quatro províncias no Iraque. Para ele, levar os soldados dos EUA em segurança para fora do Iraque seria “um dos maiores desafios”. O coronel perguntou: “Fomos atacados hoje, e estamos acampados. O que acontecerá às colunas, quando estivermos alinhados, vários caminhões carregados de soldados, em movimento para fora do país?”
Ninguém duvida de que a estratégia dos militantes – como já se viu no ataque dos Talibã ao Hotel Intercontinental em Kabul – será multiplicar os ataques e, assim, pressionar Washington a uma retirada rápida e completa, sem deixar no deserto da Mesopotâmia nenhum soldado e nada além das pegadas dos norte-americanos na areia, quando se forem.
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A névoa da guerra é cada dia mais espessa nos estágios finais, com soldados deixando o campo onde se disputaram as batalhas de uma guerra incompreensível.
Em 1842, um soldado inglês sobreviveu para contar à base, em Jalalabad, o que acontecera à coluna comandada pelo major-general William Elphinstone que se retirava de Kabul em janeiro – o cirurgião-assistente William Brydon –, ele mesmo com metade do escalpo arrancado por um golpe de espada. Mas encontrou abrigo na tenda de um pastor afegão de bom coração que se apiedou dele, e sobreviveu. Mais tarde, quando os superiores lhe perguntaram que fim levara o exército inglês, Brydon respondeu com a frase que o tornaria famoso: “O exército sou eu”.
Pareceu-me muito intrigante a matéria publicada no Washington Post essa semana – “U.S. turns to other routes to supply Afghan war as relations with Pakistan fray” [O exército dos EUA busca rotas alternativas para os suprimentos na guerra afegã, enquanto se complicam as relações com o Paquistão] (WP, 2/7/2011, em http://www.washingtonpost.com/world/national-security/us-turns-to-other-routes-to-supply-afghan-war-as-relations-with-pakistan-fray/2011/06/30/AGfflYvH_story.html).
Claro, faz sentido não depender só das duas principais rotas pelas quais transitam três quartos de todos os suprimentos para as tropas da OTAN no Afeganistão. Dada a atual fase pela qual passam as relações EUA-Paquistão, a coisa certa a fazer é buscar rotas alternativas. Mas o problema com rotas alternativas de suprimento pela Ásia Central é que todas dependem da boa vontade dos russos, e os EUA, antes de poder escolher, têm de decidir o que fazer com a Rússia – sobretudo se Vladimir Putin voltar ao poder no Kremlin, nas eleições de março de 2012. Como a história da Rússia mostra, Moscou sempre barganha, quando o interlocutor está desesperado.
Alguma coisa não está bem contada. Afinal, quando diplomatas russos e norte-americanos caem sobre Dushanbe, em disputa feroz pelo controle seguro da fronteira Tadjiquistão-Afeganistão; quando se digladiam em Bishkek, por que Moscou deveria facilitar a consolidação da presença militar de EUA-OTAN na Ásia Central?
Além do mais, a Rússia prestaria favor de tal monta aos EUA, sem consultar a China? E a China concordaria? No fim de semana, vazaram documentos, pelo site WikiLeaks, em que se vê a China rejeitando repetidos pedidos dos EUA para transitar por território chinês até o Cazaquistão, para ali embarcar por trem suprimentos para a guerra afegã.
O cerne da questão é que uma rota transitável, agora, é absolutamente indispensável para a retirada das tropas da OTAN, do Afeganistão. Anders Fogh Rasumssen, secretário-geral da OTAN, pode já estar construindo planos de contingência para uma retirada em ordem. Tem de pensar nos homens e em toneladas de equipamento pesado que terão de ser deslocados.
Tecnicamente, a melhor rota sempre será via o Paquistão até o porto de Karachi, e dali para a Europa. Mas sobre essa estrada alonga-se a sombra do exército inglês de Elphinstone, que assombra até o quartel-general da OTAN em Bruxelas. Assim sendo, Rasmussen já tomou o rumo do Mar Negro, para rápido encontro com Dmitry Medvedev, que passa férias num resort, em Sochi.
No Iraque, os EUA enfrentam o mesmo cenário assustador – e no Iraque, como se pode avaliar, com o grave complicador de os pelo menos 40 mil soldados a serem retirados terem de atravessar o trecho de 250 km de estrada em pleno deserto, até o Kwait.
Os comandantes dos EUA já tomam precauções, e pagam aos dez líderes tribais que controlam a estrada o preço principesco de 10 mil dólares mensais, oficialmente para que contratem operários para limpar as estradas, de modo que as colunas norte-americanas possam transitar por elas sem tropeçar em minas (Improvised Explosive Devices, IED) que militantes eventualmente plantem.
Em matéria de junho, o New York Times citava o coronel Douglas Crissman, encarregado de quatro províncias no Iraque. Para ele, levar os soldados dos EUA em segurança para fora do Iraque seria “um dos maiores desafios”. O coronel perguntou: “Fomos atacados hoje, e estamos acampados. O que acontecerá às colunas, quando estivermos alinhados, vários caminhões carregados de soldados, em movimento para fora do país?”
Ninguém duvida de que a estratégia dos militantes – como já se viu no ataque dos Talibã ao Hotel Intercontinental em Kabul – será multiplicar os ataques e, assim, pressionar Washington a uma retirada rápida e completa, sem deixar no deserto da Mesopotâmia nenhum soldado e nada além das pegadas dos norte-americanos na areia, quando se forem.
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