quarta-feira, julho 01, 2009

A grande mídia brasileira constitui uma ameaça à consolidação da democracia em nosso país e em nosso continente sul-americano.

A crise da política é crise da representação e da grande mídia

A crise da política é crise da representação e da grande mídia
Giuseppe Cocco
Rio de Janeiro, 30 de junho de 2009

Nesse final de década, a política está em crise, nos dizem com insistência as vicissitudes político-eleitorais oriundas da velha Europa e, com mais insistência, nos diz a auto-proclamada “opinião pública” brasileira. Na realidade, a dita “opinião pública” coaduna toda a grande mídia e os setores sociais ultra minoritários de uma elite ultra conservadora que, tautologicamente, “forma a opinião” e “é a opinião”.
Com efeito, a “política” está em crise, no mundo todo.
Com certeza, essa crise constitui uma ameaça à democracia e à paz.
Sem dúvidas, uma das formas mais perigosas dessa ameaça é constituída pela postura da grande mídia no Brasil.

Na realidade, a política que está em crise é aquela do poder, de sua economia, de sua ideologia e de sua verdade: seus títulos e obrigações se tornaram tóxicos!

No nível global, a crise da política tem a cara da recessão que marca o apogeu catastrófico da regulação neoliberal da economia mundial. As intervenções trilhonárias dos estados – começando pelos Estado Unidos - para “segurar” a economia (o sistema de crédito) acontecem com base na chantagem da miséria e do desemprego. Os opinionistas “autorizados” das colunas econômicas muito simplesmente ignoram a conseqüência que deveria ser a mais óbvia dessa massiva intervenção do fundo público: a reabertura do debate sobre a questão da propriedade e a gestão de bancos e empresas que só continuam operando com base nos aportes de recursos de toda a sociedade. Assistimos assim a uma vasta e escandalosa socialização das perdas: os muitos pagam (com dinheiro vivo e perda de empregos e direitos) para que os poucos continuem gerenciando um sistema econômico que eles mesmos quebraram. Pior, os titulares de doutorados em economia, muitas vezes pagos com bolsas públicas para estudar “lá fora”, do alto dos púlpitos que a mídia continua lhe outorgando, insistem esperneando contra o aumento das despesas públicas de custeio e contra os déficits da previdência.
Eles insistem a nos dizer que os pobres são um “custo” (o “custo-país”) para o “lucro” dos ricos, mesmo diante da crise: sem a riqueza dos muitos e sobretudo dos pobres, a pobreza dos ricos aparece em toda sua toxicidade.

Em vários países, sobretudo da velha Europa, isso já se traduz em um movimento xenófobo que, renovando a vergonha nazi-fascista do século passado, visa fazer pagar a crise financeira aos imigrantes, aos jovens e aos trabalhadores. O governo Berlusconi é talvez o emblema dessa regressão: não apenas pela presença em sua base de forças oriundas do neo-fascismo e do separatismo xenófobo, nem somente pela escancarada hipocrisia de sua demagógica e imoral proximidade ao conservadorismo católico, mas sobretudo pela falta de uma real oposição da esquerda institucional que - ao longo das últimas décadas - perdeu qualquer relação com os movimentos sociais e não soube ir alem da defesa dos setores protegidos do trabalho.

No Brasil, o emblema dessa regressão preocupante está na postura de toda a grande mídia. A grande mídia brasileira constitui uma ameaça à consolidação da democracia em nosso país e em nosso continente sul-americano. Não estamos falando da orientação “conservadora” da grande mídia, aliás coerente com as preocupações e os interesses de seus leitores e das famílias que controlam sua propriedade. Estamos falando do fato gravíssimo de a grande mídia ter se transformado em um partido de oposição ao governo Lula. O que em 2005, por ocasião da crise chamada do “mensalão”, foi sobretudo a tentativa de exploração de uma oportunidade inesperada para “mandar de volta para seu lugar” antes do tempo o “torneiro mecânico”, se transformou em seguida – diante da derrota eleitoral desse mesmo oportunismo - em um planejamento político eleitoral escancarado, tão autoritário quanto arbitrário.
Com efeito, a grande mídia brasileira preenche um vazio: a oposição não tem nenhum projeto e nenhum discurso. O que sobrava, quer dizer os “choques de gestão” e o controle dos gastos de “custeio”, a crise acaba de varrer para a lata de lixo da retórica do poder. A última grande “novidade” dos propostas elaboradas pela oposição dizem respeito (sic) a aprovação do programa Bolsa Família do governo Lula!

A grande mídia brasileira é hoje o partido de oposição e, nessa medida, ela é uma ameaça à democracia.
Desde o início do primeiro governo Lula, a grande mídia fez uma campanha intensa, o tempo todo, contra suas políticas mais inovadoras: contra o Bolsa Família, contra o Prouni e a Reforma Universitária, contra as cotas para negro e para pobres, contra a democratização das políticas culturais, contra a política exterior, contra a demarcação continua da Reserva indígenas Raposa Serra do Sol.
Trata-se, por um lado, do jornalismo marrom na formulação de “manchetes”, reportagens e escolhas de fotos e, por outro, de um jogo de “colunas de opinião” que se apresentam como “independentes” e na realidade são completamente orquestradas.
Com o aproximar-se do ano eleitoral de 2010 e diante da insistente popularidade do presidente Lula, mudou-se o registro.
Por um lado, en passant, passou-se a torcer para que a crise financeira global se transformasse em um Tsunami de desemprego e recessão que abalasse enfim a base de sustentação social do governo. Essa tentativa não deu certo e dificilmente vai se sustentar diante de um mínimo de debate: o que está em crise é claramente o modelo neoliberal implementado no Brasil com o apoio da grande mídia durante os dois governos FHC. Pelo outro, lançou-se uma grande ofensiva contra algumas lideranças do PMDB próximas do presidente Lula e da anunciada candidatura da Ministra Dilma Roussef.

O mecanismo dessa ofensiva é plenamente “mafioso” e consiste em organizar uma grande chantagem por meio de imprensa.
O ensaio geral já tinha sido a campanha que tinha obrigado Renan Calheiros a se afastar da presidência do Senado. Em seguida, uma nova ofensiva foi lançada pela vasta e planejada midiatização do discurso do senador Jarbas Vasconcelos contra “ a corrupção” que haveria no PMDB: de repente apareceram o deputado do “castelo”, as passagens dos parlamentares e as mazelas da diretoria do Senado.
A mensagem que a suposta “opinião pública” veicula é simplória, mas nítida: por trás do discurso geral que consiste em dizer que “todo político é corrupto” trata-se na realidade de fazer entender aos setores do PMDB que apóiam a candidata do presidente Lula que é melhor abandonar o barco e deixar espaço aqueles setores que gostariam de “migrar” para o candidato da oposição. Se não o fizerem, serão massacrados sistematicamente. O mecanismo é tão simples quanto o objetivo: os vícios próprios do processo que caracterizam a democracia representativa (a dependência do poder da mídia, a ingerência do poder econômico) que a própria grande mídia legitima e determina (e por isso conhece no mínimo detalhe) passam, por milagre, do esquecimento de rotina cúmplice à denúncia moralista.

Essa operação da grande mídia não é grave só pelo objetivo político (de tipo golpista) que ela visa, mas porque ela não enfraquece mas reforça os “vícios” (a corrupção) que supostamente combate.

É exatamente o que acontece em toda e qualquer rede social que se sustenta na base dos favores e do compartilhamento das mesmas práticas. A primeira ameaça dirigida a qualquer membro ou setor que não reconhece as ordens de uma suposta liderança é de tornar público a natureza do pacto ao qual está ligado e, pois, expor-lo aos rigores da Lei e da “opinião”. Mas essa exposição não implica nenhuma mudança a não ser a própria reprodução do pacto mafioso e de sua disciplina ameaçada por interesses divergentes.

O conflito não diz respeito a natureza do pacto, mas apenas a quem decide a continuidade das mesmas práticas anti-democráticas: a grande mídia não combate a corrupção da representação política, apenas pretende mandar sobre ela e visa “varrer” todas aquelas figuras que,  optando por outros equilíbrios de poder, lhe resistem. Aqueles homens políticos que acabam seduzidos por essas facilidades serão reféns dessa máquina, e perderão toda sua independência. Eles viverão os sabores doces de uma grande popularidade midiatica sempre expostos à amargura de desdobramentos que eles não governam mais. O candidato verde à Prefeitura do Rio de Janeiro nas últimas eleições (2008) bem o sabe: ele passou, em um piscar de olho, de queridinho da capa do semanário da elite à lama das passagens internacionais do Congresso.

O que a grande mídia visa é desempenhar um papel diretamente político: ela é, tautologicamente, a “opinião pública” e ao mesmo tempo a “formadora de opinião”. Essa capacidade de legitimação auto-referencial lhe vem de seu próprio poder e da promiscuidade com o próprio poder econômico.
Seu projeto é de poder, sua pratica é anti-democrática, sua retórica é a hipocrisia. Basta comparar as manchetes e editoriais dessas últimas semanas (maio de junho de 2009) contra a corrupção do Senado com os editoriais e outros artigos dessa mesma grande mídia quando da prisão do banqueiro Gilmar Mendes. Os editoriais de O Globo (todos no mesmo mês de julho de 2008) são ilustrativos e repetitivos: “A Polícia Federal não pode agir como policia política, acima das instituições” (dia 10); “Defesa do Direito” (é o título dia 12); “Estado Policial” (título do dia 15); “Cultura da tutela” (título do dia 16) e, enfim, no dia 17, denunciava-se “o atropelamento de direitos individuais garantidos pela Constituição (…)”. A Folha de São Paulo foi no mesmo tom. Inicialmente, tentou jogar acusações para cima do governo, tentando semear duvidas: “História das trevas: governo que se afirma paladino da República no caso Dantas é o mesmo que, em surdina, facilita e conduz fusão de teles” recita o editorial do 16 de julho de 2008. “Poder em descrédito” foi o título do editorial do 20 de julho de 2008. Já no dia 12 de setembro, o editorial da mesma Folha deixa de lado as ambigüidades e titula “Grampo controlado”. Em entrevista à Folha (em 29 de setembro de 2008), é o próprio Gilmar Mendes que faz a síntese: “no plano institucional, tenho a impressão de que há algum tempo o Brasil denuncia o descontrole dessas áreas (grampo telefônico)”. E, o que está fora de controle é “o aparato policial”. No caso Satiagraha, a defesa do estado de direito não atrapalha, diz Gilmar Mendes,  “o combate à impunidade”. Estamos, plenamente, no campo do indigno: o mesmo jornal (O Globo), como já citamos, que convoca “os agentes públicos (a) deixarem de ser tíbios”  com as lutas sociais e mais em geral contra os pobres (os informais, as favelas, as invasões) escreveu no editorial de 7 de setembro de 2008 para questionar a operação da Polícia Federal: “Alegar que se trata de uma tibieza da legislação brasileira é não conhecer os termos de alguns desses inquéritos (está se falando da operação Satiagraha) e a visível fragilidade de certas acusações”. No combate aos movimentos e aos pobres, a propaganda da oligarquia (e de uma oposição sem projeto) acusam “as várias distorções existentes na Constituição”. Ou seja: “em nome do ’social’ relaxa-se diante da favelização, da desordem urbana generalizada, de homicídios, de agressões a preceitos constitucionais (…).”  Quando se trata do colarinho branco, os Torquemada da luta contra os marajás e a corrupção tem a preocupação oposta: “É preciso combater a cultura salvacionista que considera a Constituição impeditiva da moralização do poder público”, dizem eles..
Quem está sendo atacado não é o Sarney, mas as políticas scoaisi e para os pobres do governo Lula.
A verdadeira postura ética é aquela que, recusando o moralismo instrumental e oportunista da grande mídia, enfrenta a crise da representação com a abertura de um novo processo constituinte.

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