segunda-feira, maio 08, 2006

A crise na Bolívia e a mídia venal

Altamiro Borges

O tucano Tasso Jereissati, o banqueiro-pefelista Jorge Bornhausen e os colunistas Arnaldo Jabor e Eliana Cantanhêde, entre outros órfãos do vende-pátria FHC, viraram nacionalistas num passe de mágica. Foi só o presidente Evo Morales cumprir seu compromisso eleitoral de nacionalizar a produção do petróleo e gás na Bolívia para que eles saíssem aos berros em “defesa dos interesses nacionais” e contra os esforços do governo Lula de integração das nações latino-americanas. O mesmo bumbo também tem sido batido por Condolessa Rice, secretária de George Bush, e pelos rentistas dos EUA, todos sinceramente preocupados com o patrimônio brasileiro. A mídia hegemônica, sempre venal, repete o refrão e ainda faz terrorismo!Na prática, como demonstra Gilberto Maringoni, numa áspera crítica à cobertura da mídia, “a maior parte da imprensa brasileira não pensou muito e saiu logo atirando: ‘Brasil cria corvos na América do Sul’ (Eliane Cantanhede), ‘Adiós Petrobrás’ (manchete do Diário do Comércio), ‘Despreparo e improvisação’ (Miriam Leitão) e ‘Golpe letal’ (editorial do Estado de S.Paulo). Tudo leva a crer que estamos diante de uma declaração de guerra... Vigorou mais a bílis do que a racionalidade jornalística. Um exame detalhado do decreto supremo, assinado pelo presidente da Bolívia, nem de longe aponta para algo semelhante”. No mesmo rumo, o professor da Universidade de São Paulo (USP), Flávio Aguiar, chutou o pau da barraca:“Dá uma certa náusea ouvir o vozerio na mídia dos que pedem medidas drásticas contra o governo (e o povo) da Bolívia, a grita para que o governo brasileiro aja ‘com frieza empresarial’, para que defenda ‘os interesses nacionais’. São as mesmas vozes que clamaram pela privatização de tudo neste país, inclusive da Petrobrás. As mesmas que exigem uma integração subalterna à pauta da globalização conservadora, ao império dos mercados dominados por interesses norte-americanos e europeus. Quer dizer: contra índio pobre a gente tem mesmo é que endurecer. Agora, quando se trata dos ricos do andar de cima, a conversa muda de tom e amacia”. Para ele, Evo Morales agiu com coragem e ousadia e o governo Lula deve trilhar o caminho da negociação soberana, não se curvando à hipócrita pressão da mídia das elites.FALSOS NACIONALISTASO súbito “nacionalismo” dos discípulos do Tio Sam é realmente sórdido. Eles sequer se deram ao trabalho de explicar o decreto governo boliviano. Nele não há nenhuma palavra sobre desapropriação unilateral de bens e propriedades do Brasil. O decreto 28.701, de 1o de maio, apenas materializa as diretrizes fixadas na Constituição e na Lei dos Hidrocarbonetos – ambas anteriores ao novo governo. Para Fernando Siqueira, diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobras, “o que Evo Morales propõe não é o arresto de bens e ativos da companhia, mas a repartição mais vantajosa nos royalties do gás. Se a Petrobras tiver cabeça fria e competência para negociar, não haverá problemas. O Brasil é o melhor mercado para o gás boliviano”.Além disso, a ofensiva da mídia esconde que FHC foi o maior culpado pela nossa atual dependência deste produto. “A reação da imprensa deveria ter ocorrido quando a Petrobrás assinou os contratos de gás com a Bolívia. Por pressão de FHC, ela assumiu o gasoduto boliviano, quando ainda não existia no país mercado para gás. Durante cinco anos, importou 18 milhões de metros cúbicos do produto e pagou por 25 milhões, pois a atividade era antieconômica”, denuncia Fernando Siqueira. Mas não foi o povo boliviano que se beneficiou deste misterioso acordo. Os destinatários foram as empresas Total (França), Repsol (Espanha), Amaco (EUA) e Enron (EUA). Desde 1998, elas exploravam reservas de 400 milhões de metros cúbicos e pressionaram o Brasil a mudar sua matriz energética hídrica, criando assim mercado para o gás. A intenção dos falsos nacionalistas é também a de criar um clima de pânico na população. A mídia, com seu sensacionalismo escroto, espalha o fantasma da iminente crise de abastecimento no país. É certo que o Brasil traz da Bolívia quase metade do gás que utiliza, mas o seu uso é residual no país. Ele serve para a geração de energia elétrica (apenas 2,14% do total), combustível de veículos (1,25% da frota nacional) e insumo industrial (menos de 2% das empresas). Na prática, mesmo que o governo da Bolívia cessasse a venda de gás, não haveria maiores transtornos para a economia nacional. E o presidente Evo Morales já garantiu que não haverá cortes no abastecimento – até porque não pretende cometer suicídio econômico. Como se observa, o ódio dos falsos nacionalistas tem outros motivos. Visa desgastar o governo Lula num ano eleitoral, implodir a integração latino-americana e ressuscitar a Alca – o projeto neocolonialista dos EUA. É evidente que a decisão da Bolívia demandará negociações sobre o preço do gás, a preservação do patrimônio e dos investimentos da Petrobras e, principalmente, sobre os caminhos da integração regional. Mas, como diz o sociólogo Emir Sader, o Brasil deve perseverar na busca de “um projeto mais amplo e abrangente, que integre os outros países progressistas da região, não apenas numa perspectiva econômica, mas sobretudo política, social e cultural. Não deve ceder às pressões conservadoras que buscam explorar sentimentos chauvinistas, mas avançar ainda mais e de forma mais decidida no processo de integração”.Até agora, o governo Lula tem adotado um comportamento exemplar neste episódio, não se dobrando ao terrorismo midiático e aos chiliques da direita. Além de defender a soberania do “sofrido povo boliviano”, não recuou no seu projeto estratégico da unidade latino-americana. Mas os passos neste rumo, iniciados heroicamente por Simón Bolívar, ainda exigirão muita firmeza e habilidade.

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor dos livros “Venezuela: originalidade e ousadia” e “As encruzilhadas do sindicalismo”.