Adital
19.05.06 - BRASIL
A polícia começou investigações sobre uma série de denúncias, com aparente motivação política, contra Conceição Paganele, que administra uma organização de mães que monitora as condições dentro dos centros de detenção juvenil brasileiros, além de visitar os detentos. Num comunicado a organização Anistia Internacional informa que Conceição é uma das principais críticas do sistema de detenção juvenil de São Paulo, conhecido como FEBEM (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), e seu trabalho tem sido vital para expor os graves abusos contra os direitos humanos que ocorrem há muito tempo nos centros.
Ela é presidente e fundadora da Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco (AMAR) e está sendo investigada pela Polícia Civil por uma série de crimes, incluindo danos criminais, incitamento de rebeliões dentro dos centros de detenção, conspiração, formação de quadrilha e auxílio e encorajamento de fugas de um centro de detenção juvenil. Ao todo, Conceição está sendo investigada em três inquéritos policiais separados, vinculando seu trabalho com recentes rebeliões dentro da FEBEM.
Conceição Paganele visita regularmente unidades da FEBEM e tem sido uma crítica ativa do sistema, que foi condenado no Brasil e no exterior por maus-tratos, tortura e condições desumanas. Nenhuma prova clara foi apresentada para apoiar as acusações contra ela. Nem foram fornecidas razões para que ela fosse a única acusada, já que ela sempre visitou unidades da FEBEM acompanhada por representantes de outras ONGs. A Anistia acredita que as acusações sejam politicamente motivadas, com a intenção de solapar seu trabalho como defensora de direitos humanos.
Ao longo do último ano, as autoridades tentaram fazer da AMAR e do movimento de direitos humanos os bodes expiatórios para as falhas sistêmicas dentro da FEBEM. Em outubro de 2005, o então Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, hoje candidato à Presidência da República, criticou publicamente Conceição Paganele e sua organização por "agir sempre contra o governo" e "criar problemas". Em resposta, Conceição declarou que nunca esperou a hostilidade do governo para com sua organização e que "deveríamos ser parceiros".
Desde que denunciou a tortura no complexo da FEBEM em Vila Maria, em janeiro de 2005, Conceição Paganele vem recebendo ameaças de morte anônimas e sua família foi ameaçada. Apesar das intimidações e das tentativas de desacreditar seu trabalho, Conceição Paganele continua incansável, lutando pelos direitos dos adolescentes mantidos na FEBEM.A FEBEM de São Paulo, superlotada, tem um longo histórico de graves abusos contra os direitos humanos, incluindo maus-tratos e tortura de internos. Tem sido assunto de informes com censuras do Relator Especial da ONU para Tortura (2000), do Relator Especial da ONU para Execuções Sumárias (2003), da Human Rights Watch e da Anistia Internacional. A AMAR e outras ONGs locais têm condenado ativamente as condições dentro das unidades da FEBEM, e apelado às autoridades para que instaurem uma ampla reforma. Em novembro de 2005, o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos determinou que o Brasil "adote, sem demora, as medidas necessárias para impedir que detentos juvenis sejam submetidos a tratamento cruel, desumano e degradante".
Conceição Paganele fundou a AMAR, em 1998, em conjunto com outras mães que queriam defender os direitos de seus filhos mantidos na FEBEM. Ela recebeu, pelas mãos do então presidente Fernando Henrique Cardoso, o Prêmio Nacional de Direitos Humanos de 2001. Dois anos depois, a AMAR recebeu o mesmo prêmio.
As autoridades falharam completamente ao não conseguir lidar com os problemas sistêmicos dentro da FEBEM. Este ano, sofreram intensa pressão com os motins e a inquietação se espalhando por todo o sistema", declara a Anistia, que recomenda o envio de apelos. Estes devem: manifestar preocupação pelas acusações contra Conceição Paganele parecerem ter motivação política, e sem fundamentos; declarar que, se ela for acusada, a Anistia Internacional irá provavelmente adotá-la como prisioneira de consciência; e manifestar grande preocupação quanto ao fato de que é cada vez mais difícil para Conceição Paganele realizar seu trabalho legítimo, em prol dos detentos da FEBEM, em virtude dessas intimidações por parte da polícia.
Também deve-se apelar às autoridades para que investiguem rigorosamente as ameaças e intimidações sofridas por Conceição Paganele em relação ao seu trabalho como defensora de direitos humanos, e para que tragam à justiça os responsáveis; apelar às autoridades para que apresentem propostas políticas concretas para a implementação dos princípios da Declaração de Defensores dos Direitos Humanos da ONU, e que tornem públicas essas propostas; e exortar as autoridades a cumprirem as recomendações da ONU e as decisões do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, investigando denúncias de tortura dentro da FEBEM e introduzindo reformas urgentes, incluindo a melhoria das condições dos detentos, em consonância com as normas internacionais.